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Desmatamento no Cerrado tem queda de 22% em Mato Grosso do Sul

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Por Redação – Agência 24h*

Apontado como o bioma mais desmatado do Brasil em 2023, o Cerrado segue a tendência alarmante. Mas há exceção. Em pelo menos três Estados, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia, houve queda na devastação do bioma.

De acordo com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), no Cerrado, o desmatamento segue a tendência alarmante de crescimento com o registro da perda de 655,51 km2 da cobertura florestal somente em fevereiro de 2024, um recorde para o período desde o início da série histórica, iniciada em 2019.

Mesmo com a alta observada neste mês, no agregado dos dois primeiros meses do ano o bioma apresentou leve queda na área desmatada (4,2%) visto que a área sob alerta computada pelo DETER em janeiro de 2024 foi significativamente menor que aquela de 2023.

No ranking dos estados com maiores áreas desmatadas, o Maranhão foi o primeiro da lista (212,20 km2), seguido por Tocantins (158,15 km2), Mato Grosso (84,47 km2), Piauí (72,26 km2), Bahia (54,72 km2) e Minas Gerais (27,02 km2).

Do ponto de vista da extensão, Bahia é o quinto em área desmatada, mas as ações de devastação diminuíram em relação aos períodos anteriores. Na comparação entre fevereiro de 2023 e 2024 os estados que apresentaram maior alta na taxa mensal foram Maranhão (313%), Mato Grosso (227%), Tocantins (135%) e Piauí (15,4%).

Por outro lado, a Bahia se destacou com uma queda de 79% da área desmatada. Além deste estado, apresentaram queda Goiás (33%) e Mato Grosso do Sul (22%).

Em reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) realizada na quarta-feira da semana passada, o governo federal estimou que se nada for feito e o ritmo do desmatamento do Cerrado se manter, ele pode chegar a 12 mil km ² até o final do ano. Para alterar a rota, além do Plano de Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), também estão sendo analisadas outras medidas, já que no bioma há ainda muitas autorizações de desmatamento legais ainda não executadas.

Segundo Cintia Cavalcanti, analista do Programa de Cadeias Agropecuária da ong Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, “mecanismos de incentivo previstos no Plano Safra, como redução na taxa de juros, embora muito bem-vindos não são capazes por si só de influenciar produtores a se absterem do direito previsto pelo Código Florestal de converter áreas excedentes para uso agropecuário. É necessário que as iniciativas de Pagamentos por Serviços Ambientais, que também estão previstos no Código Florestal, se fortaleçam e alcancem este público”, diz.

O Cerrado em seu momento mais difícil

Segundo levantamento da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo), por trás da pecha de “celeiro do mundo” que alguns atribuem às vastas áreas no interior do Brasil de onde sai boa parte da alimentação consumida no globo, há também uma história quase sem paralelo de danos ao meio ambiente, com reflexos importantes sobre a fauna da região, e também sobre as águas que abastecem boa parte do Brasil, e até sobre o clima.

Porém, o fato de a produção e a proteção da biodiversidade estarem em conflito no Cerrado não deve ser visto, necessariamente, como uma sentença de morte para o ecossistema. Felizmente, o Brasil dispõe de uma comunidade de cientistas de alto nível que se debruçam sobre esse problema. A eles somam-se um terceiro setor atuante e comunidades locais bastante engajadas. Graças à mobilização destes atores, e às propostas que eles vêm elaborando, é possível vislumbrar um futuro em que os verbos produzir e proteger possam ser conjugados numa mesma frase.

“Em grande parte, o conflito direto por área entre o setor produtivo e as iniciativas conservacionistas do Cerrado pode ser evitado”, afirma o ecólogo Paulo De Marco Júnior, pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG). De acordo com o cientista, autor de um estudo sobre o tema publicado em abril na revista Science, existem grandes áreas degradadas que não são usadas para produção. “A recuperação desses terrenos para a atividade produtiva, principalmente das pastagens degradadas, poderia reduzir a pressão que existe sobre as áreas naturais”, explica De Marco.

Apesar da possibilidade de alinhavar soluções, o fato de existir um déficit real de áreas públicas destinadas à conservação torna o conflito ainda maior. “É bastante evidente que essas áreas de proteção pública hoje disponíveis não são suficientes para a proteção da biodiversidade do Cerrado”, explica. Daí o caráter essencial de engajar a iniciativa privada neste esforço de conservação.

Região do Cerrado sul-mato-grossense (Foto: Ecoa)

“Bioma-sacrifício”

Existe ainda uma questão de legislação que pesa contra o Cerrado. Pelo Código Florestal, apenas 20% da área de cada unidade de propriedade privada situada no Cerrado é considerada como legalmente protegida, isto é, não pode ser desmatada. Esse percentual chega a 35% no caso das áreas de Cerrado que se encontram oficialmente no território da chamada Amazônia Legal. Isto é uma desvantagem flagrante em relação à Amazônia, onde 80% das áreas de cada propriedade precisam ser protegidos.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu apenas a Amazônia, a Mata Atlântica e o Pantanal como biomas-patrimônio nacional. “É fácil perceber que o Cerrado vem sendo tratado como “bioma-sacrifício” há algum tempo”, afirma Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). “Hoje, com o aumento da proteção da Amazônia, o que estamos presenciando é um vazamento do desmatamento da Amazônia para o Cerrado, e isso é muito perigoso, porque estamos falando de segurança hídrica nacional, além de alimentar, energética e climática”, diz ela.

Barreiras às exportações

Enquanto no âmbito nacional as leis jogam contra a proteção do Cerrado, no exterior as ONGs também estão se movimentando, explica Figueiredo. “Como a mudança na legislação brasileira é um processo lento, temos atuado também junto à União Europeia.”

Um dos caminhos escolhidos, segundo a representante do ISPN, é tentar encaixar o Cerrado em leis que regulam as importações de produtos livres de desmatamento. “O ISPN e parceiros da sociedade civil apresentaram na COP 27, no Egito, o pedido de inclusão do termo “other wooded lands” na lei que regula as importações de produtos livres de desmatamento.” Dessa forma, a produção de carnes e grãos em áreas do Cerrado, que não é considerado um bioma florestal mas sim savânico, também poderia ser barrada caso tenha sido feita em terras desmatadas recentemente. “Assim, os produtores que insistem nessa prática seriam pressionados pelo próprio mercado a se adequar e produzir de maneira sustentável e sem ilícitos”, ratifica Figueiredo.

Efeitos sobre a flora e a fauna

O fato de que em grandes áreas de Cerrado a vegetação foi substituída por pastos e lavouras desencadeia alguns problemas importantes, explica a bióloga Alessandra Fidelis, professora da Unesp de Rio Claro. O mais imediato é a perda de biodiversidade do bioma e a pressão que será cada vez maior sobre as principais nascentes brasileiras.

“E nesse sentido, quando falamos em recuperação do ecossistema, temos que ter em mente que ainda não sabemos muito bem como restaurar as áreas de Cerrado”, afirma a especialista.

Segundo Fidelis, o fato de os programas de compra e venda de créditos de carbono estimularem o plantio de árvores é um problema em si para o Cerrado. “Isso funciona para as florestas. Mas no Cerrado, o mais importante, em um primeiro momento, é recuperar as áreas abertas com plantas que são mais rasteiras. Mesmo sendo árvores nativas, não adianta plantá-las apenas”, diz.

A mudança climática já é visível

Por mais que o Cerrado seja um bioma complexo – e até por isso nem sempre as técnicas de restauração florestal muito mais bem estudadas por causa da Amazônia e da Mata Atlântica servem para a região – um dado já é tido como certo. O bioma, por causa do desmatamento, vem passando por uma forte mudança climática na última década. Algo que tende a se acentuar nos próximos anos, com impactos tanto para a biodiversidade quanto para a própria produção.

“Alguns estudos já mostram que não é preciso esperar pelo impacto das mudanças climáticas globais no Cerrado”, afirma a ecóloga Ludmilla Aguiar, da UnB. Isso porque, segundo ela, a extensa remoção da vegetação nativa causada pela expansão do agronegócio desde os anos 1970 já vem cumprindo esse papel. Em 2021, uma das pesquisas, publicada na revista Global Change Biology, mostrou que a temperatura média do bioma subiu entre 2,2 ºC e 4,0 ºC entre 1961 e 2019, enquanto a precipitação baixou 15% no mesmo período. Em um outro trabalho do ano passado, divulgado na mesma revista mas feito por um outro grupo de pesquisadores brasileiros, a mesma tendência se confirmou.

“A remoção da vegetação nativa aumentou a temperatura média em 3,5 ºC para algumas regiões e reduziu a evapotranspiração potencial entre 39% e 44%. O que mostra que os extensos desmatamentos no Cerrado para a implantação de pastagens e cultivos causam problemas para a sociedade em geral e também para o próprio agronegócio, que gerou o problema”, afirma Aguiar. Também na avaliação dos prejuízos, não há conflito: todos sairão perdendo se a devastação do Cerrado não for controlada.

Foto do destaque: Marcio Sanches/WWF Brasil
(*) Com dados de reportagem de Eduardo Geraque (UNESP) e AMAZÔNIA – NOTÍCIAS E INFORMAÇÃO
Ilustração – UNESP

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