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Usina de Jupiá ganha sobrevida de 30 anos com injeção de R$ 3 bilhões

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Usina de Jupiá foi projetada para operar por 50 anos, mas pode durar até um século gerando energia renovável, graças a um processo de modernização sem precedentes no setor elétrico

A Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, conhecida como UHE de Jupiá,  está chegando aos 55 anos em plena atividade. Jupiá, que na língua tupi significa redemoinho de água, foi projetada para operar por 50 anos, mas ainda pode durar pelo menos por mais 30 anos. Considerando o projeto original, o prazo de validade venceu em 2019. Foi a primeira grande obra no setor energético no Brasil e por muitos anos ostentou o título de maior hidrelétrica do mundo. Hoje é a 9ª no ranking das grandes unidades geradoras.  A sobrevida de 30 anos está garantida por conta de um processo de modernização bilionário. Com o crescente aproveitamento dos recursos hídricos e avanços tecnológicos, novas usinas, mais potentes, se instalaram no Brasil, tornando O Brasil líder mundial de geração de energia por fontes renováveis. Jupiá, desceu no ranking, mas não perdeu a condição de ter sido o primeiro grande projeto hidrelétrico do País, representando nova perspectiva de crescimento econômico da região e a porta de entrada para o Mercosul, interligando o sistema fluvial do rio Paraná à malha viária paulista e do Centro-Oeste do País.

Imagem: CTG Brasil

A obra não atendeu apenas às necessidades do oeste paulista e parte do Centro Oeste do Brasil, mas acelerou a expansão urbana e crescimento demográfico de Três Lagoas, onde foi construiu a Vila Piloto para abrigar trabalhadores. A obra ocupou milhares de trabalhadores dos municípios situados num raio de 50 km nos dois lados da divisa entre MS (MT à época) e SP. Junto com a Usina de Ilha Solteira, também nas margens do “Paranazão”, fazia parte do chamado complexo de Urubupungá. O ciclo de barragens na extensão do rio Paraná entre SP e MS se fechou com as hidrelétricas de Três Irmãos, inaugurada em 1991, e Sérgio Mota, ativada em 1999.

O que espera o futuro – Com a importância da transição energética, que se tornou uma das primeiras preocupações globais, Jupiá se fortalece no setor elétrico brasileiro, que lidera no mundo pela capacidade de aproveitamento dos recursos hídricos na geração de energia limpa. Mas, antes mesmo da transição energética ganhar dimensão, a hidrelétrica já estava na prancheta de engenheiros encarregados de elaborar um projeto de recauchutagem geral, capaz de modernizar e dar de a  50 anos de vida útil. No pacote de investimentos entra a Ilha Solteira, a maior de SP e 6ª no Brasil, que fica mais acima do rio Paraná, entre Selvíria (MS) e o município de Ilha Solteira (SP).

  •  UHE Jupiá possui 14 unidades geradoras totalizando 1.551,2 megawatts (MW) de potência instalada.
  • A barragem tem 5.495 m de comprimento, 42,5 m de altura e o reservatório, 330 km².

O processo de modernização, concluiu a primeira fase em 2019 e vai consumir investimentos ao longo de 10 anos, até 2030. A partir da privatização das usinas, elas passaram a ser operadas pela CTG Brasil, empresa da multinacional China Three Gorges.  No total, serão R$ 3 bilhões investidos para reformar 34 unidades geradoras – 14 de Jupiá e 20 de Ilha Solteira. A CTG Brasil surgiu da estratégia de internacionalização da China Three Gorges Corporation , uma das líderes globais em energia limpa, que construiu e opera a maior usina hidrelétrica do mundo, a Três Gargantas, e já conta com mais de 109 GW de capacidade instalada em operação ao redor do mundo.

De acordo com multinacional, o projeto modernizará toda a parte de automação e garante um novo Centro de Operação da Geração (COG), entre outras melhorias que visam trazer mais confiabilidade para o sistema elétrico.  A CTG Brasil pagou ao governo brasileiro R$ 4,67 bilhões pela concessão de Jupiá por 30 anos. A Hidrelétrica de Ilha Solteira foi arrematada no mesmo leilão por R$ 9,13 bilhões. Juntas, as duas usinas compõem o maior complexo hidrelétrico das regiões Sudeste e Centro-Oeste, com capacidade total instalada de 4.995,2 MW, segundo o anuário do setor.

Na época da construção da usina, a mídia anunciava o projeto como uma das maiores obras de engenharia do século. E por um tempo foi de fato a maior do mundo, porque era a primeira hidrelétrica com capacidade de mais de um GW de potência instalada. Hoje a maior hidrelétrica do mundo é a Itaipu Binacional com capacidade de geração de 12.600 MW. Ela deve ser superada por uma hidrelétrica muito maior, em fase de construção na China.

“O projeto de modernização reforça nosso compromisso de longo prazo com o Brasil, pois vamos entregar para a sociedade brasileira dois ativos novos, modernos e com vida útil para operar com disponibilidade e segurança pelos próximos 30 anos”– Evandro Vasconcelos, vice-presidente de Geração e Comercialização da CTG Brasil

A modernização não será apenas na parte operacional, mas também na relação com o meio ambiente e interação com a sociedade. O reservatório da usina ocupa uma área de 330 quilômetros quadrados, banhando sete municípios ao longo de 541 quilômetros. O lago vai, além da finalidade principal de assegurar água para a geração de energia, colaborar para impulsionar o turismo na região, por meio de atividades náuticas, de pesca e lazer.

Hélice de turbina em manutenção. (Imagem: Perfil News)

POR TRÁS DA BARRAGEM

O historiador Rodrigo Pedroso Fernandes diz que a partir de estudos que apontavam o potencial hídrico do rio Paraná, decidiu-se investir na barragem do rio Paraná e aproveitar a queda natural do rio logo após o encontro com as águas do rio Tietê e do rio Sucuriú para movimentar turbinas e gerar energia. Era o início de um grande projeto de aproveitamento dos recursos hídricos em que se via apenas a parte estratégica da infraestrutura energética. Em meados da década de 1940, as fontes energéticas nacionais eram predominantemente madeira e carvão. Havia a necessidade da instalação de grandes centrais elétricas em regiões favoráveis, para solucionar a provável expansão da demanda energética. Hoje tornou-se mais estratégica ainda pelo apelo ambiental. O que determinou a construção da usina foi a demanda projetada, mostrando que sem autossuficiência energética o oeste paulista poderia estagnar.

Os rios Tietê e Paraná apresentavam uma sucessão de secções acidentadas, com cachoeiras, saltos e quedas, que eram transpostos com muita dificuldade, porém apresentavam um alto potencial energético. Sabendo disso, a região que atendia a essas características favoráveis à construção de uma usina hidrelétrica eram as terras junto ao Salto do Itapura, no Tietê. A antiga cidade de Itapura era muito procurada por sua beleza natural. Tratava-se de uma cidade histórica, fundada durante a Guerra do Paraguai, por decreto do Imperador D. Pedro II, onde encontrava-se a sede da antiga Vila Militar, conhecida como “Palácio do Imperador”.

Na década de 1960, o projeto da usina de Jupiá previa a inundação do Salto de Itapura, a Usina Elétrica Itapura (já em funcionamento) e a cidade de Itapura. Antes da inundação, a usina de Itapura foi desmontada, pois havia o interesse de se aproveitar várias peças e equipamentos na construção da nova usina, com algumas adaptações. Após a construção do reservatório de Jupiá, uma nova cidade de Itapura foi construída nas imediações, com uma praia artificial, na margem direita do rio Tietê.

Segundo estudos de Mônica Peixoto Vianna, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), as origens do Complexo Hidrelétrico de Urubupungá estão no convênio estabelecido, em 1951, entre os governos dos estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que originou em 1952 a Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (CIBPU).

Em 1955, a Consultoria Edisonbrás, filial brasileira da Edison de Milão (Itália) foi contratada para elaborar estudos e anteprojetos sobre o aproveitamento da região, baseados em estudo técnico-econômico das bacias do salto de Urubupungá e Itapura. Em 1957 Jânio Quadros assinou a concessão ao governo paulista para explorar a energia hidráulica de trecho do rio Paraná. O Complexo de Urubupungá vingou ao ser admitido no plano plurianual do governo de SP (1959-1963). Devido a dificuldades para a sua organização, somente em 3 de janeiro de 1961 foi criada a Centrais Elétricas de Urubupungá S. A. (Celusa). A empresa ficou encarregada de estudar, projetar, constituir e operar sistemas de produção, transformação, transmissão e distribuição de energia elétrica, e de promover o aproveitamento de outras ocorrências no rio Paraná e seus afluentes. Em relação aos procedimentos técnicos, a Celusa deveria construir barragens de acumulação, objetivando a regularização da vazão dos rios, bem como a construção de eclusas de navegação, de obras de irrigação, de drenagem e de proteção de terrenos marginais.

A construção da hidrelétrica provocou impactos não apenas no lado sul-mato-grossense, mas também na margem paulista do rio Paraná, impactando diretamente Três Lagoas (MS) e Castilho (SP). A vila que abrigou os operários no auge da construção, batizada de Piloto, era uma cidade dentro de Três Lagoas. No início da década de 1960 o bairro tinha estrutura, diferente da que se conhece hoje. Era um conjunto habitacional destinado a abrigar os trabalhadores da construção. Era uma cidade autossuficiente dispondo em sua estrutura um setor cívico, área comercial e ambiente social, havia clube, hospital, igreja, bancos e diversos estabelecimentos. Mas seus moradores atravessavam o rio para fazer compras de alimentos e outros bens em Castilho.

A Vila Piloto não foi a única “pequena cidade” de suporte à hidrelétrica. Após o término das obas civis, em 1969, a Vila Piloto passou por um processo de esvaziamento, já que não havia necessidade de manter um grande contingente de operários. Muitas famílias se espalharam por Três Lagoas, e Castilho e Andradina, no lado paulista.

Com a conclusão da barragem, restaram os trabalhadores de operação e manutenção da hidrelétrica. Foi construída, então, a Vila dos Operadores, às margens do rio Paraná, no lado de São Paulo. A vila foi criada para abrigar principalmente engenheiros franceses e italianos, época em que o País não dispunha de mão de obra qualificada para a operacionalização de centrais hidrelétricas.

PAREDÃO DE CONCRETO

Vista por fora, a Usina Engº Souza Dias não passa de um enorme bloco de 1 milhão e 400 mil metros cúbicos de concreto sobre uma barragem de quase 5.500 metros de comprimento. O represamento do rio Paraná começou em 1961. A usina ficou pronta 13 anos depois, mas desde 1969, quando foram inauguradas as primeiras turbinas, Jupiá já ilustrava o portifólio da engenharia como uma das maiores obras civis das décadas de 1960 e 1970.

Integrada por centro administrativo a cinco andares do leito normal e por áreas de manutenção, a 40 metros abaixo do espelho d’água, a Usina Jupiá ainda não estava, até 2017, totalmente automatizada, mas as principais informações eram transmitidas ao centro de comando em tempo real. Os geradores e a sala de comando, classificada como o cérebro da hidrelétrica, são controlados por quatro funcionários, 24h, em regime de escala. Pelo painel o operador acompanha o trabalho das máquinas.

Se por fora a dimensão é gigantesca, no interior as máquinas também chamam a atenção pelo tamanho – da chave inglesa, que pode pesar até 10 kg, ao conjunto girante, de aproximadamente 1.200 toneladas. Para transportar um rotor com 460 toneladas, de uma das 14 unidades geradoras quando é desmontada para manutenção, são necessários dois pórticos de 250 toneladas. A desmontagem leva dias e as gigantescas paletas do eixo da turbina também passam por retífica quando desgastadas pelo atrito provocado pela água. Desde a inauguração, a usina só foi desligada parcialmente uma única vez, em função de uma ilha de taboa, vegetação típica ribeirinha, que tomou quase todas as comportas da entrada de água, o que poderia danificar as grades e as máquinas.

Como é gerada a energia – A água é a ‘reserva de energia’ de uma hidrelétrica (ou hidroelétrica). No caso de Jupiá, dado à época em que foi concebida, a usina foi construída para aproveitar a queda natural do Paraná. Ao contrário da Usina de Ilha Solteira, onde a represa tem capacidade de armazenamento, em Jupiá o lago tem nível constante para movimentar as turbinas ou verter a água. O relevo de Ilha Solteira é como uma calha, que pode encher e esvaziar, ao passo que em Jupiá o terreno é plano e por essa característica seu reservatório se classifica como “fio d’água”.

O princípio de produção de energia, no entanto, é o mesmo. A energia sai do gerador movido pela turbina que gira com a passagem da água. É como um dínamo de bicicleta. O dínamo produz energia ao ser girado pelo pneu. Na usina é a água que faz girar a turbina, como o alternador em um carro movido a combustão. A força da água, transformada em energia cinética, é que movimenta a turbina e leva o gerador a produzir energia elétrica.

As turbinas de Jupiá possuem paletas que ao serem atingidas pela água, giram em torno de um eixo a 78,4 rpm (rotações por minuto), movendo os geradores, que possuem uma série de ímãs que produzem corrente elétrica. O transformador aumenta a tensão elétrica que sai do gerador, de 13.800 Volts para 440 mil volts, para transportá-la pelas linhas de transmissão. Quando chega na cidade, essa tensão é rebaixada e distribuída às unidades consumidoras (residências, lojas e indústrias).

Eclusa de Jupiá – Imagem CTG Brasil

Jupiá chegou a ter mais de 10 mil funcionários. Depois do desmembramento, passou a cuidar apenas da produção, possuindo em seus quadros, até meados de 2017, em torno de 1.200 funcionários, dos quais 147 trabalham na Unidade de Produção Jupiá. A manutenção da usina exige trabalho hercúleo. Além das gigantescas ferramentas nas oficinas mecânicas, operários adotam métodos especiais de limpeza. A correnteza traz impurezas como elódeas (algas) e mexilhões. Os mexilhões (moluscos) já não causam tanto problema, em razão da diminuição da população. Já se constatou que o número de moluscos estabilizou.

Eclusa – A barragem possibilita a navegação no rio Paraná e a integração hidroviária com o rio Tietê. A eclusa foi ativada em 15 de janeiro de 1998 e tem capacidade para passagem de 27 milhões de toneladas por ano. O desnível é de 23 metros. A administração está sob a responsabilidade do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).

BARRAGEM NATURAL

A hidrelétrica tem um plano de controle de cheias que é implementado anualmente durante o período de chuvas e a Usina Jupiá como parte da cascata dos rios Grande, Paranaíba e Paraná tem participação ativa no controle de enchentes. De acordo com especialistas, talvez, se não houvesse a barragem, os danos ambientais seriam maiores em períodos de cheia, pois a barragem funciona como ponto de retenção e de controle. A abertura das comportas-vertedouros na maioria das vezes, ocorre quando há excesso de chuva em Minas ou Goiás de onde saem os rios que formam o rio Paraná. A variação do nível de água em Jupiá é mínima, média de cinco centímetros por dia, que é característica de barragens fio d’água.

Ao contrário de outras usinas, a construção de Jupiá aproveitou o desnível natural do curso do rio Paraná na região, cuja barragem tem em torno de 20 metros de queda.

A usina justifica o fato de a barragem de Jupiá não dispor de escada ou elevador para a transposição dos peixes, como existe em Porto Primavera (Sérgio Motta) e Itaipu. A compensação, segundo os técnicos da hidrelétrica, se dá com a criação de alevinos, que são lançados no rio todos os anos, desde a construção da barragem, compensando assim o bloqueio à reprodução natural, que ocorre com a subida dos peixes no sentido jusante-montante. Quando a usina foi construída não existia ainda uma legislação ambiental no Brasil, mesmo assim, implantou-se o projeto, uma iniciativa que deu certo.

Na margem esquerda do rio Paraná, no município de Castilho, funciona a Estação de Hidrobiologia e Aquicultura de Jupiá, com 154 tanques e 28.700 m2 de espelho d’água, que produz anualmente cerca de 3.200.000 alevinos de oito espécies da bacia hidrográfica do Alto Paraná. Essas espécies são, entre os peixes de escama, o dourado, a piracanjuba, a piapara, o corimba e o pacu guaçu.

 Já na usina Porto Primavera, existem duas estruturas para transposição das espécies piracemas no período de reprodução: uma escada para peixes e o elevador, instalado no muro central da usina, entre as estruturas de geração e os vertedouros. Quatro grandes bombas centrífugas geram um fluxo laminar dentro de um canal, atraindo os peixes, que são conduzidos até uma caçamba que os eleva 29 metros. A seguir, são realizadas operações de identificação, contagem e pesagem dos exemplares. Na sequência, os peixes são conduzidos por um duto até o reservatório. Desde 1999, já foram identificadas 41 espécies utilizando essas estruturas.

CUSTO-BENEFÍCIO

Toda usina tem seu custo-benefício. O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente é que direcionam as ações que serão tomadas para minimizar e compensar os impactos causados. A compensação se dá de diversas formas, desde obras civis (casas, estradas, pontes), informação, orientação e remoção com reassentamento de populações ribeirinhas, implantação de serviços básicos e programas ambientais, além de obras mitigatórias.

Na relação benefício, a grande vantagem é a utilização de uma matriz energética totalmente limpa e renovável, diferentemente de outros países onde a principal fonte de energia elétrica é oriunda de termelétricas de combustíveis fósseis (diesel e gás) ou nuclear. Esta característica de matriz energética faz todo sentido em razão de extensa rede de rios e bacias hidrográficas com grande volume de água e com quedas que facilitam a instalação de hidrelétricas.

Depois de 55 anos operando, Jupiá não esconde as microfissuras provocadas pela pressão do reservatório com 330 km2 de espelho de água, que joga nas turbinas e vertedouros algo em torno de 6 milhões de litros de água por segundo. Mas, como um carro, os cuidados com a manutenção, recauchutagem e retífica das peças, podem garantir à hidrelétrica, ainda, mais meio século de vida útil.

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