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Mar quase morto: Cocaína contamina águas na baía de Santos

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Droga se acumula não só na água, mas em sedimentos e organismos marinhos e representa alto risco ecológico. Contaminação é observada desde 1930, segundo pesquisadores

Cassiana Montagner (Unicamp), Ana Barros (Universidade de Illinois Urbana-Champaign) e Camilo Seabra Pereira (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)

Por Elton Alisson | Agência FAPESP – Além de poluentes já conhecidos, a baía de Santos tem sido afetada por um contaminante emergente que hoje está presente não só na água, mas também em sedimentos e organismos marinhos em toda a região do litoral paulista: a cocaína. Estima-se que a cocaína passou a se acumular no estuário de Santos a partir da década de 1930, mas as altas concentrações começaram a se identificadas nas últimas décadas. Desde 2008 pesquisadores alertam para a poluição na baía de Santos, mas por agentes industriais e esgoto. Agora há um contaminante preocupante.

A droga causa graves efeitos toxicológicos em animais como mexilhões-marrons (Perna perna), ostras de mangue (Crassostrea gasar) e peixes (enguias), de acordo com resultados de análises realizadas em laboratório por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por isso, passou a ser considerada um contaminante emergente preocupante.

“A cocaína hoje é, de fato, um contaminante da baía de Santos. Encontramos contaminação pela droga espalhada por toda a região”, afirmou Camilo Dias Seabra, professor da Unifesp, em um painel de discussão sobre água durante a FAPESP Week Illinois, que aconteceu entre os dias 9 e 10 de abril em Chicago, nos Estados Unidos.

Por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, o pesquisador, em colaboração com colegas da Unifesp e da Universidade Santa Cecília (Unisanta), identificou, em 2017, pela primeira vez, o acúmulo de cocaína e de outras substâncias derivadas de remédios em água superficial na baía de Santos e efeitos biológicos em concentrações ambientalmente relevantes.

Os pesquisadores encontraram em amostras de água coletadas na região ibuprofeno, paracetamol e diclofenaco, entre outros medicamentos, além de cocaína em concentração equivalente à da cafeína – um indicador tradicional de contaminação porque, além de ser consumida por meio de bebidas como café, chá e refrigerantes, está presente em vários medicamentos. “É uma concentração enorme de cocaína se imaginarmos o consumo de cafeína”, comparou Seabra. “Essas descobertas foram muito surpreendentes”, avaliou.

Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores na época para explicar a alta concentração de cocaína nas amostras de água superficial da baía de Santos foi o período em que realizaram o estudo: durante o Carnaval, quando a região recebe um grande número de turistas.

“Pensamos que poderia ser um fenômeno carnavalesco. Mas fizemos um monitoramento sazonal e identificamos que, durante todo o ano, a cocaína e seus metabólitos estavam presentes não só na água, mas em mexilhões, por exemplo”, afirmou Seabra.

Análises em laboratório revelaram que o fator de bioacumulação de cocaína em mexilhões-marrons foi mais de mil vezes maior que a concentração de água. “Esse é um fator de bioacumulação alto. Portanto, os frutos do mar na baía de Santos podem estar contaminados por cocaína, mas não só por ela”, ponderou Seabra.

Os pesquisadores também realizaram estudos para avaliar os efeitos da exposição à cocaína em mexilhões-marrons. Os resultados das análises indicaram que, após uma semana de exposição, os animais apresentaram níveis elevados de dois neurotransmissores: a dopamina e a serotonina. Essa alteração foi interpretada como uma resposta neuroendócrina que poderia causar impactos no sistema reprodutivo desses animais.

A fim de avaliar essa hipótese foram feitos estudos com outros animais, como enguias. As análises revelaram que a exposição crônica à cocaína afeta a ovogênese (formação dos óvulos) e esteroidogênese (produção de hormônios esteroides) desses peixes.

“Os ovos de enguia expostos à cocaína apresentaram menor taxa de maturação. Dessa forma, a cocaína pode ser entendida como um desregulador endócrino nesses animais”, afirmou Seabra.

Por meio de um projeto de doutorado realizado com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores também analisaram o risco ecológico da exposição à cocaína em ostras de mangue usando a benzoilecgonina – um metabólito da droga – como biomarcador.

Os resultados indicaram que a droga causa graves efeitos citotóxicos e genotóxicos nesses organismos. “Estamos considerando a cocaína um contaminante emergente preocupante”, disse Seabra.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) respondeu em nota que “a Cetesb monitora sistematicamente a qualidade das águas costeiras do Estado, incluindo a área de influência do emissário submarino de Santos, e realiza ensaios ecotoxicológicos com amostras dessa área para avaliar possíveis efeitos da presença de contaminantes na fauna aquática. Os resultados do monitoramento podem ser acessados nos relatórios na página da Cetesb”.

“O estudo em questão contribuiu com informações para o melhor conhecimento da região e, com base em seus resultados, pode-se concluir que as concentrações encontradas na água do mar da baía de Santos, na ocasião, não causariam efeitos no mexilhão estudado e não implicariam risco para os banhistas”, conclui a nota.

Rota de tráfico

De acordo com Seabra, a partir de estudos geoquímicos com testemunhos de sedimento estuarino, estima-se que a cocaína passou a se acumular no estuário de Santos a partir da década de 1930, mas as concentrações da droga na região saltaram nas últimas décadas.

Algumas das explicações para esse aumento é que a região é uma das principais rotas de tráfico da droga da América do Sul para a Europa. Além disso, a região, a exemplo de outras no país e no mundo, enfrenta o problema do aumento de usuários de drogas ilícitas, como a própria cocaína e o crack.

Outro problema é a falta de tratamento de esgoto na região, apontou Seabra. “O esgoto sem tratamento pode estar relacionado com as altas concentrações de cocaína que encontramos na baía de Santos. Mas também temos um problema de saúde pública na região, relacionado ao uso de crack e outras drogas, e de segurança pública. É um cenário complexo para entendermos melhor os riscos ambientais e sociais envolvidos”, avaliou.

A fim de entender melhor a magnitude desse problema, os pesquisadores pretendem iniciar um programa epidemiológico baseado em águas residuais para identificar o consumo de drogas.

Um dos objetivos de programas como esse é contribuir para a detecção de problemas de saúde da população relacionados não só a drogas ilícitas, mas também álcool e tabagismo. “Mas há muitos desafios a serem superados para conseguirmos implementar um programa desse tipo na região”, avaliou Seabra.

Além da cocaína, outro contaminante emergente estudado pelo pesquisador e colaboradores é o material particulado atmosférico – um composto de origem metalúrgica que pode precipitar em regiões costeiras e causar efeitos tóxicos em organismos aquáticos, além de bioacumular no pescado.

“O ‘pó preto’ contém micro e nanopartículas metálicas, incluindo terras- raras, cujos efeitos ainda são desconhecidos. Invertebrados marinhos e peixes são impactados por essas partículas e os primeiros resultados que obtivemos por meio de um Projeto Temático https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/107118/material-particulado-atmosferico-e-contaminacao-ambiental-avaliacao-do-impacto-na-biota-aquatica-em-/?q=19/08491-0 apoiado pela FAPESP são preocupantes”, afirmou Seabra.

Marcador geológico

Além de drogas ilícitas e medicamentos, outro grupo de pesquisadores do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO-USP) tem analisado a presença de outros compostos químicos, como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e compostos organoclorados, em registros sedimentares dos sistemas estuários de Santos e de São Vicente. O objetivo é identificar quando a atividade humana começou a mudar a dinâmica natural da região.

Os resultados das análises dos registros indicaram que o início da concentração desses compostos na região, que é uma das mais povoadas e industrializadas da costa brasileira, ocorreu entre os anos de 1940 e 1950, quando foram instaladas as refinarias do polo siderúrgico.

“Por volta dos anos 1960 começou a aumentar a concentração dos níveis desses contaminantes na região. Podemos dizer que o Antropoceno nos estuários de Santos e São Vicente foi iniciado nessa época”, disse César de Castro Martins, professor do IO-USP.

Já um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) analisou a presença dos agrotóxicos mais utilizados em plantações de cana-de-açúcar em águas superficiais e subterrâneas em São Paulo.

Os resultados das análises indicaram que, em águas superficiais, todos os 14 compostos estudados foram detectados em pelo menos uma amostra. Alguns compostos apresentaram possível risco para a vida aquática.

“Esses contaminantes estão espalhados em baixas concentrações em todas as nossas bacias hidrográficas e é muito difícil encontrar a fonte deles. Por isso, estamos estudando sua mobilidade no solo e como podem chegar às águas subterrâneas”, disse Cassiana Carolina Montagner, professora da Unicamp e coordenadora do projeto.

Origem de patógenos

Identificar a fonte de contaminação de bactérias causadoras de doenças após desastres naturais, como inundações, tem sido o alvo de um grupo de pesquisadores da Universidade de Illinois em Urbana Champaign. Para atingir esse objetivo, eles têm empregado ferramentas de sequenciamento genético.

Em 2018, o furacão Florence atingiu a costa da Carolina do Norte, onde inundações costeiras causadas por tempestades tropicais são bastante comuns e há concentração elevada de fazendas de criação de porcos e sistemas sépticos privados.

Três semanas após o furacão, uma equipe de pesquisadores da universidade norte-americana recolheu amostras de água de 25 corpos de água a jusante das fazendas de criação de porcos em áreas de produção agrícola, das quais 23 continham a bactéria Salmonella enterica.

Os resultados das análises genéticas de cromossomos e plasmídeos revelaram que a origem da bactéria nas amostras coletadas não era de animais ou esterco, mas sim de rios e riachos locais.

“Estudos como esse são muito importantes porque ajudam a identificar claramente e monitorar o surgimento de agentes patogênicos durante eventos climáticos extremos que devem se tornar mais frequentes com as mudanças climáticas”, disse Ana Barros, professora da Universidade de Illinois em Urbana Champaign.

Mais informações sobre a FAPESP Week Illinois podem ser acessadas em: fapesp.br/week/2024/illinois.

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