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Checagem: a cannabis é ou não é perigosa?

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A equipe de verificação de fatos da DW analisou os estudos e conversou com especialistas para esclarecer as dúvidas mais corriqueiras sobre a maconha e seu uso.

Por Revista Planeta

A partir de abril, o consumo de maconha passa a ser permitido na Alemanha, mas outros países ainda estão hesitantes. Há muitos mitos circulando sobre a cannabis e seus derivados – a DW analisou quatro deles. A maconha deve ser legalizada? Vários governos acreditam que sim e decidiram a favor da liberação parcial da cannabis nos últimos anos, como por exemplo, o Canadá, a África do Sul e vários estados dos EUA. Em muitas partes do mundo, no entanto, a posse e o consumo de maconha ainda são proibidos e, muitas vezes, duramente penalizados.

Na Alemanha, o parlamento (Bundestag) aprovou em 23 de fevereiro a legalização do uso recreativo da maconha. O projeto de lei prevê uma legalização parcial da erva com várias limitações sobre o cultivo e descarta inicialmente a venda controlada da cannabis em lojas. A partir de 1º de abril, maiores de 18 anos poderão portar até 25 gramas de maconha. Essa quantidade equivale a entre 50 e 100 baseados. Além disso, maiores de idade também poderão cultivar até três plantas, desde que destinadas ao uso pessoal, e armazenar até 50 gramas da erva seca dentro de casa.

No entanto, a questão continua polêmica e todo tipo de informações estão sendo compartilhadas online e que nem sempre podem ser comprovadas. A equipe de verificação de fatos da DW analisou os estudos e conversou com especialistas para esclarecer as dúvidas mais corriqueiras sobre a maconha e seu uso.

A cannabis é uma porta de entrada para drogas mais pesadas?

Alegação: Muitos acreditam que a maconha é “uma droga que serve como entrada para muitas outras substâncias”, como, por exemplo, disse o governador bávaro, Markus Söder.

Checagem da DW: Não é comprovada.

A teoria de que o uso da maconha leva ao consumo de drogas mais pesadas e perigosas é provavelmente um dos argumentos mais comuns contra a legalização e um dos mais antigos e também foi usada nos debates recentes na Alemanha, como por exemplo, disse o colega de partido de Söder e secretário geral da CSU, Martin Huber, ao jornal Bild: “Com clubes de drogas e cultivo doméstico legal, o governo banaliza a droga de entrada, a maconha”.

Nas mídias sociais, os defensores da legalização são os que mais se opõem a esse argumento.

O fato é: estudos mostram que há uma correlação entre o uso de cannabis e o uso posterior de drogas mais pesadas. Quanto mais cedo e mais frequentemente as pessoas usam maconha, maior a probabilidade de uso de outras drogas ilícitas no futuro.

Mas: correlação não é causalidade

“Se analisarmos como alguém se tornou usuário de heroína, há uma probabilidade muito alta de encontrarmos o uso de cannabis ao longo do caminho”, informa o Dr. Stefan Tönnes, chefe de toxicologia forense do Hospital Universitário de Frankfurt. “Mas, se olharmos para o outro lado, quantos usuários de maconha passam a usar heroína – são muito, muito, muito poucos.” Isso mostra que uma correlação por si só não é prova de uma relação causal ou de causalidade.

Entretanto, a teoria da droga de passagem não pode ser completamente refutada, diz a Dra. Eva Hoch, do Departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário de Munique. Ela vem investigando cientificamente os efeitos da cannabis há cerca de 20 anos. “A maconha estimula naturalmente o centro de recompensa no cérebro e, portanto, pode promover farmacologicamente a afinidade com a droga.”

Há também vários outros fatores de risco para o consumo de drogas ilícitas que precisam ser levados em conta, segundo o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA (NIDA), que também informa sobre a necessidade de mais pesquisas sobre a questão da cannabis, Então, por enquanto, a afirmação de que a maconha é uma droga de entrada continua sem comprovação.

O álcool é mais perigoso do que a maconha?

Alegação: O álcool é “100 vezes mais perigoso do que a maconha”, afirma esta postagem na plataforma X (antigo Twitter).

Checagem da DW: enganosa.

É frequente a alegação – especialmente por defensores da legalização – de que o álcool é muito mais perigoso do que a maconha. Várias postagens em mídias sociais e artigos de jornal relatam um estudo que mostra que o álcool é supostamente 114 vezes mais perigoso do que a maconha.

Entretanto, essa afirmação não é sustentável – o número não pode ser encontrado no estudo citado. A pesquisa apenas mostra que o risco de uma overdose fatal pelo consumo do álcool é maior do que o de uma overdose fatal pelo uso de maconha.

Como a cannabis tem um efeito rápido quando fumada, o consumo pode ser mais bem controlado do que com o álcool, diz Stefan Tönnes. Isso reduz o risco de overdose. Mas: “A overdose também pode ocorrer se a maconha for consumida em receitas, como em biscoitos”.

Os efeitos negativos de ambas as drogas não começam com uma overdose. O estudo citado nas postagens trata de um resultado mais drástico, como a morte, mas não leva em consideração outras consequências, como prejuízo à saúde física, social e mental dos usuários.

Stefan Tönnes explica que os diferentes efeitos de intoxicação do álcool e da maconha têm seus próprios perigos. Os efeitos sobre o ambiente social e a saúde mental também devem ser levados em conta. “O álcool tem um efeito muito significativo, provoca a desinibição e aumenta a disposição para correr riscos. Já a maconha pode ter efeitos como uma imprevisível paranoia, pois a reação aos efeitos da cannabis pode variar em cada pessoa.”

O impacto negativo do consumo de álcool no corpo já foi comprovado há muito tempo. “O álcool tem um efeito altamente prejudicial aos órgãos e causa mais danos à saúde do que a maconha”, diz a pesquisadora Eva Hoch. “Mas isso também depende da intensidade do uso, não apenas da substância”, acrescenta a cientista.

O registro dos riscos à saúde, provocados pelo uso da cannabis, é dificultado por suas diversas formas de consumo, diz Hoch. Na Europa, por exemplo, a cannabis é frequentemente fumada com tabaco, que é conhecido por ter efeitos prejudiciais e carcinogênicos, também indiretamente ligados ao consumo de cannabis. Ainda está aberta a questão: o câncer é causado pelo tabaco ou pela maconha, ou pelos dois juntos?

As overdoses de álcool são, portanto, mais prováveis do que as de maconha. Entretanto, mesmo pequenas quantidades de ambas as drogas podem prejudicar a saúde física e mental dos usuários e ter um impacto negativo no ambiente em que vivem. Esse perigo dificilmente pode ser resumido em um único número – a afirmação de que o álcool é 114 vezes mais perigoso do que a maconha é, portanto, enganosa.

É possível morrer devido ao uso excessivo de maconha?

Alegação: “Ainda não foi registrada nenhuma morte por overdose de cannabis”, afirma este tweet.

Checagem da DW: correto.

De acordo com o NIDA, nenhuma morte por overdose foi atribuída exclusivamente à cannabis. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) também afirmam que “uma overdose fatal é improvável”.

No entanto, o uso de cannabis como causa de morte é um tópico recorrente de discussão e objeto de estudos científicos.

Na década de 1970, foram realizados testes em cães e macacos para determinar qual dose de cannabis poderia ser potencialmente fatal. Os animais receberam uma alta dose de THC por via oral. Eles apresentaram sintomas como sonolência, tremores e vômitos, mas sobreviveram à viagem involuntária.

Os estudos com animais são difíceis de serem transferidos para os seres humanos. No entanto, o seguinte também se aplica a nós: “A dose letal de cannabis é muito, muito alta”, diz Eva Hoch. “É muito improvável que um ser humano ingira essa quantidade”.

Cannabis: não se pode descartar a hipótese de morte

Pesquisadores do Kings College London tentaram descobrir retrospectivamente se a cannabis pode ser fatal para as pessoas. Eles examinaram todas as mortes ocorridas na Inglaterra entre 1998 e 2020 nas quais a maconha estava envolvida. Em quase todos os casos, no entanto, a maconha não era a única droga – em média, três a sete outras substâncias foram detectadas: opiáceos (analgésicos potentes e altamente suscetíveis ao uso indevido), álcool, mas também medicamentos como tranquilizantes ou pílulas para dormir.

Em quatro por cento dos casos, os pesquisadores identificaram a cannabis como a única causa da morte, geralmente devido a ferimentos sofridos durante a intoxicação. Em um caso, a toxicidade da cannabis teria levado à morte. Mas não ficou claro se uma única dose levou à morte ou se a duração do uso contribuiu para isso.

Eva Hoch acrescenta que “há outros casos publicados de mortes relacionadas à cannabis”. Esses casos foram relatados em conexão com acidentes, suicídios ou complicações cardiovasculares, como um ataque cardíaco. No entanto, é difícil esclarecer a causalidade dessas mortes.

Fumar maconha não é bom para o coração

O NIDA, por exemplo, também alerta sobre os riscos que podem surgir do aumento da frequência cardíaca causado pelo uso da maconha. “A maconha aumenta a frequência cardíaca por um período de até três horas após o consumo. Esse efeito pode aumentar o risco de um ataque cardíaco”, diz o documento.

“A maconha tem um efeito sobre o sistema cardiovascular”, diz Stefan Tönnes. “As pessoas que são particularmente vulneráveis, com alguma predisposição podem reagir de forma sensível à cannabis.”

Estudos mais antigos também apontam para uma conexão entre o uso de cannabis e o aumento do risco de doenças cardiovasculares (DCV). “Não podemos descartar a possibilidade de que isso possa ser fatal”, diz Tönnes.

Por que uma overdose (provavelmente) não é fatal?

Mas o risco de morrer por uma única e exagerada dose de maconha é “insignificante”, concluem os pesquisadores do Kings College.

Além da enorme quantidade de maconha que seria necessária, isso também é considerado bastante improvável do ponto de vista fisiológico, explica Eva Hoch. A ocorrência muito baixa de receptores de canabinóides no tronco cerebral explica por que a cannabis – pelo menos em pessoas sem condições preexistentes – tem menos efeito sobre a respiração ou outras funções corporais importantes, como pressão arterial ou frequência cardíaca. Os receptores de opioides, por outro lado, desempenham um papel mais importante no tronco cerebral, razão pela qual uma overdose de heroína pode levar à parada respiratória.

“O álcool também pode ter um efeito paralisante no sistema nervoso central, especialmente no centro respiratório”, diz Stefan Tönnes, “e, portanto, levar à morte”.

A maconha mata as células cerebrais?

Alegação: “A maconha não mata as células cerebrais”, afirma esta conta no Twitter.

Checagem da DW: Sem fundamento.

A maconha – como é chamada as flores e folhas secas da planta Cannabis Sativa – afeta o cérebro? O primeiro estudo que demonstrou que o uso da maconha mata as células cerebrais foi realizado na década de 1970. O polêmico psiquiatra americano Robert Heath, da Faculdade de Medicina da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, ganhou as manchetes na época quando afirmou ter provado isso com um experimento em macacos rhesus.

Entretanto, a natureza qualitativa do experimento também foi amplamente criticada. Os resultados do estudo de Heath foram posteriormente refutados por pesquisadores do National Centre for Toxic Research, no Arkansas. Mas isso foi apenas o começo do debate.

Muitas hipóteses, nenhuma certeza

Até o momento, os estudos sobre os efeitos de longo prazo da cannabis na estrutura cerebral em humanos produziram resultados contraditórios.

Eva Hoch também acompanha as hipóteses e a “explosão de publicações” em torno da cannabis. “É verdade que a maconha interfere na neurofisiologia”, diz ela. Mas quando se trata da questão de quão neurotóxico – ou seja, prejudicial ao cérebro – o principal ingrediente ativo da cannabis, o tetrahidrocanabinol (THC), realmente é, ela também não pode dar uma resposta clara. O assunto é muito controverso e são necessárias mais pesquisas.

Entretanto, já se sabe mais sobre os efeitos imediatos e de curto prazo.

Está bem documentado que certas habilidades mentais são prejudicadas após o uso imediato de cannabis, como a memória de curto prazo, a coordenação psicomotora ou a capacidade de atenção. Com o uso crônico, esses efeitos podem persistir por dias. Entretanto, eles parecem ser reversíveis após várias semanas de abstinência.

Jovens em risco

Para os cientistas, é indiscutível que o uso de maconha possa prejudicar principalmente os cérebros jovens, pois o cérebro se desenvolve significativamente na fase de transição entre a infância e a idade adulta, alerta Eva Hoch.

O CDC também alerta que o uso de maconha antes dos 18 anos pode afetar a forma como o cérebro constrói conexões para funções como atenção, memória e aprendizado, mas também enfatiza que os efeitos do uso de maconha no cérebro dependem de muitos fatores, como a quantidade de THC, a frequência com que é usada, a idade do primeiro uso e se o uso é acompanhado de outras substâncias, como álcool ou tabaco.

Os efeitos de longo prazo no cérebro também podem ser causados por outros fatores além da maconha, como genética, ambiente doméstico ou outros fatores desconhecidos.

Neurogênese por meio da cannabis: pesquisas necessárias

Em 2019, um estudo causou alvoroço, pois descobriu que mais massa cinzenta é formada em determinadas áreas do cérebro em adolescentes após fumar maconha. Mas, nem mesmo os pesquisadores envolvidos quiseram assumir uma posição clara sobre se o aumento da massa cinzenta deveria ser visto como benéfico ou prejudicial. Deve-se ter cautela ao interpretar os dados.

Hoch acredita que a alegação de que a cannabis pode desenvolver novas células cerebrais é interessante e deve ser melhor pesquisada no futuro.

Os experimentos iniciais com animais se concentram no efeito do canabidiol (CBD) sobre a neurogênese, que favorece conexões neuronais ao promover o crescimento de novas células cerebrais. Juntamente com o THC, o CBD é um dos canabinóides mais conhecidos, ou seja, os compostos químicos encontrados na maconha. A pequena, mas sutil diferença: o THC tem um efeito psicoativo, o CBD não.

São necessárias mais pesquisas sobre os compostos químicos da cannabis no corpo, argumenta a pesquisadora Hoch: “Quando os canabinoides promovem a saúde e quando eles trazem riscos?” Mais de 140 canabinoides foram descobertos até o momento. Os efeitos da maioria deles ainda não foram investigados.

A cientista alerta: “Os produtos de cannabis disponíveis no mercado ilegal têm um perfil de canabinoides completamente obscuro. Em geral, eles contêm muito pouco CBD, mas uma grande quantidade do principal ingrediente ativo intoxicante, o THC. Eles também podem conter aditivos perigosos, como opioides ou canabinoides sintéticos, diz Hoch. Portanto, a recomendação da pesquisadora para os jovens é: “Você está fazendo algo bom para o seu cérebro se não fumar maconha”.

Colaborou: Uta Steinwehr

Texto reproduzido do Portal Microsoft Start

Legenda da imagem do destaque: Funcionário de empresa alemã que disponibiliza Cannabis medicinal à agência alemã de Cannabis – Foto: Matthias Rietschel – 13.jun.23/Reuters

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