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Campo Grande e outras 14 capitais não têm plano para enfrentar crise climática

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Prefeitura admite vulnerabilidade. Projetos aprovados no Congresso exigem que municípios reformulem políticas ambientais

Por Agência 24h*

Levantamento divulgado em maio pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) revelou que, das 27 capitais brasileiras, 15 não têm qualquer plano de enfrentamento às mudanças climáticas.

Segundo o instituto, ainda não tem esse plano as cidades de Aracaju (SE), Belém (PA), Boa Vista (RR), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Goiânia (GO), Maceió (AL), Macapá (AP), Manaus (AM), Natal (RN), Palmas (TO), Porto Velho (RO), São Luís (MA) e Vitória (ES), além de Porto Alegre (RS), que sofre até hoje com as consequências dos grandes alagamentos,

Das 15 capitais “despreparadas”, Campo Grande, com quase 100 pontos vulneráveis, informa que monitora as áreas sujeitas a alagamentos e espera reformular as políticas ambientais, iniciativa que deve partir da Câmara de Vereadores. Em processo de “elaboração” de plano, estão Manaus (AM), Belém (PA) e Vitória (ES).

Porém, após a sanção dos dois projetos de lei aprovados no Congresso, todos os municípios brasileiros deverão incluir a agenda de adaptação às mudanças do clima em suas políticas públicas. Eles terão, para auxiliar na elaboração desses planos, diretrizes mínimas estabelecidas em lei federal e oportunidades de financiamento para a implementação de seus planos de adaptação.

“Quando a gente está acompanhando a meteorologia e a gente sabe que vai vir uma chuva, as nossas equipes da Defesa Civil e Secretaria de Obras estão preparadas”, diz a prefeita de Campo Grande, citando que obras nas bacias de contenção têm se mostrado positivas para diminuir alagamentos. Adriane relembrou de obras feitas pela Sisep, a secretaria de Obras, na região da bacia de contenção da avenida Mato Grosso, que diminuiu alagamentos na região do Shopping Campo Grande.

As áreas vulneráveis em Campo Grande já foram indicadas em relatório do Ministério de Minas e Energia. Um deles é a Avenida Ernesto Geisel com a Avenida Euler de Azevedo, no bairro São Francisco.

O relatório cita que em fevereiro de 2019 houve uma inundação no local e uma pessoa precisou ser resgatada pelo Corpo de Bombeiros, após seu veículo ser atingido pelas águas do Córrego Prosa. Mas as inundações ali são comuns, conforme reportagem do Jornal Midiamax de 4 de janeiro de 2023.

O Ministério também aponta a Avenida Capibaribe como ponto crítico para inundações, em Campo Grade, e cita que a tubulação de transposição das águas do Córrego Imbirussú não comporta o volume d’água durante temporais e acúmulo de lixo no local. Ali, o documento recomenda implantação de sistema de drenagem adequado.

Alerta sobre enchentes

Em janeiro, foi instalado em pontos do Córrego Prosa sistema de radares e sensores desenvolvido em projeto de Pesquisa e Extensão na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O sistema foi desenvolvido para emitir alerta e indicar riscos de enchentes nos córregos de Campo Grande e indicar quais áreas urbanas estão ameaçadas por eventos climáticos extremos.

Sensor no Prosa para monitorar elevação do nível da água

Segundo o pesquisador Paulo Tarso Sanches de Oliveira, professor da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia (Faeng) e coordenador do projeto de Pesquisa HidroEX – Extremos Hidrológicos em Múltiplas Escalas, o sistema estará totalmente concluído em 2025 cobrindo todas as bacias hidrográficas da Capital, com tecnologia de ponta, com uso de Inteligência Artificial na medição precisa de dados meteorológicos.

Quando foi lançado o projeto de monitoramento, o pesquisador Paulo Tarso destacou que as enchentes e inundações são processos naturais que acontecem quando uma bacia hidrográfica e seus afluentes não comportam a quantidade da água da chuva e transbordam temporariamente. As enchentes, portanto, são processos naturais que “são intensificados por fatores como o crescimento das cidades em áreas de risco ou a falta de um planejamento adequado”. Daí a necessidade de reformulação das políticas ambientais em simetria com o planejamento urbano.

“É importante falar que as enchentes sempre aconteceram e vão continuar acontecendo, pois são processos naturais. Durante muitos anos, os bairros e áreas pavimentadas foram aumentando sem um planejamento urbano adequado, fazendo com que a água fosse drenada de forma muito rápida diretamente nos rios e canais, proporcionando picos rápidos de cheias e consequentemente áreas de inundação. Além disso, regiões densamente pavimentadas, com poucas áreas permeáveis e com um sistema de microdrenagem insuficiente ou com pouca manutenção, têm gerado alagamentos em vários pontos da cidade”, explica.

Paulo Tarso diz que os estudos sobre as enchentes começaram em 2017, com a participação de estudantes do Programa de Pós-graduação em Tecnologias Ambientais e financiado pelo projeto Sistema de Alerta e Previsão de Inundações para Bacias Urbanas do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

“O nosso objetivo era criar modelos capazes de simularem as áreas de inundação na Bacia hidrográfica do Prosa. Na época, usamos imagens aéreas e dados hidrometeorológicos coletados pela Prefeitura. Os estudos resultaram em um sistema de alerta em forma de aplicativo de celular, [além da] redação de teses, artigos e um livro”, relembra o coordenador.

O projeto ainda serviu como base da proposta na área de cidades inteligentes para o projeto institucional Capes PrInt, Urban Waters: in direct to hydrical security (ou Águas Urbanas: direto à segurança hídrica, na tradução) que proporciona intercâmbio de estudantes e professores.

Com a evolução dos estudos, o coordenador observou a necessidade de ampliar a pesquisa para as outras bacias hidrográficas da cidade: ao todo, são 11 bacias e 33 córregos. Portanto, foi necessário montar um sistema de coleta e análise de dados sobre volume e nível de água em tempo real.

“Nosso objetivo é ter todas as bacias hidrográficas monitoradas e modeladas para estabelecer os sistemas de alerta de inundação. O projeto possui duas frentes, uma para criar um sistema de alerta de inundações e outra para indicar soluções capazes de mitigar os problemas que as enchentes e inundações trazem”, detalha.

Radares e sensores

Sistema vai emitir alerta com subida das águas no Prosa

Já foram instalados na Bacia do Prosa um radar QR 30, sensores de nível de água, câmeras e uma estação meteorológica. Ao todo serão instalados 14 sensores de nível de água distribuídos estrategicamente em cada bacia estudada. O projeto recebe financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect).

Capital preparando-se para eventos extremos – Toda essa tecnologia vai resultar em um sistema de alerta capaz de indicar quais as áreas urbanas inundadas e quando, possibilitando que a população desvie do local ou até evacue imóveis. “O sistema de alerta vai ser útil para evitar tragédias, perdas de automóveis e até da própria vida, tendo em vista que pessoas podem ser arrastadas pela água”, ressalta o coordenador do projeto.

Além de prever a ocorrência, o grupo ainda trabalha em parceria com a Prefeitura Municipal buscando formas viáveis de minimizar os problemas de inundação. O coordenador explica que o intuito é auxiliar, indicando soluções. “Como a construção de barragens de retenção ou sistemas e práticas alternativas de Low Impact Development (desenvolvimento de baixo impacto), como formas de retenção de água nos lotes urbanos, sempre avaliando quais efeitos relacionados aos picos e volumes de cheias. Também estamos estudando quais ações precisamos tomar para deixar a cidade menos vulnerável e mais resiliente em eventos extremos de chuva”, complementa.

Projetos mudam o Estatuto das Cidades

 

Dois projetos aprovados recentemente pelo Congresso, e que agora dependem apenas da sanção presidencial para virarem lei, colocam a adaptação às mudanças climáticas obrigatoriamente no radar de todas as prefeituras do Brasil. Enquanto o PL 4129/21 estabelece parâmetros mínimos para planos de adaptação às mudanças do clima em nível local, municipal, estadual, regional e nacional, o PL 380/23 – o PL das Cidades Resilientes – muda o Estatuto das Cidades para determinar que todos os municípios adotem medidas que aumentem a resiliência das cidades às mudanças climáticas.

O primeiro deles foi aprovado no dia 12 de junho. O PL 4129/21, proposto pelos deputados e deputadas Tabata Amaral (PSB-SP), Nilto Tatto (PT-SP), Joenia Wapichana (REDE-RR), Alessandro Molon (PSB-RJ), Camilo Capiberibe (PSB-AP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), estabelece que os planos de adaptação devam identificar “efeitos adversos atuais e esperados” das mudanças climáticas no território, bem como estabelecer medidas e prioridades para enfrentar desastres, com objetivo de diminuir a vulnerabilidade e a exposição dos “sistemas ambiental, social, econômico e de infraestrutura, em áreas rurais e urbanas”.

Os investimentos realizados pelo poder público, de acordo com o texto aprovado, deverão ser feitos de forma coordenada, com base nos graus de vulnerabilidade identificados em estudos de análise de risco climático. As políticas públicas em todos os níveis deverão ser feitas em concordância com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, visando a diminuição de emissões de gases de efeito estufa – o que inclui a obrigação de estimular a diminuição de emissões na agropecuária –, e com a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.

O texto prevê ainda a priorização, em cada plano, para as áreas de infraestrutura urbana e direito à cidade – a exemplo de ações nas áreas de habitação, áreas verdes, transportes, saneamento e segurança alimentar e hídrica –, infraestrutura nacional estratégica – como as de comunicações, energia, transportes, entre outras – e soluções baseadas na natureza, que integram, simultaneamente, “ações de adaptação e mitigação da mudança do clima”. Todas essas áreas deverão necessariamente considerar a adaptação às mudanças climáticas em seus projetos.

Obras de contenção não são solução definitiva, segundo especialistas, é preciso readaptar a ocupação urbana e manejo do solo e cobertura vegetalA elaboração dos planos deverá ser feita com a participação da sociedade civil – incluindo as populações mais vulneráveis às mudanças do clima e o setor privado, “compatibilizando a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico”. Revisões deverão ser realizadas a cada 4 anos, junto com os Planos Plurianuais dos governos federal, estaduais e municipais. Cada esfera de governo deverá disponibilizar os seus planos de adaptação na íntegra, pela internet, e eles poderão ser financiados pelo Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC).

Apesar dos pontos positivos, o texto aprovado pelo Senado – após o projeto já ter sido aprovado na Câmara, no fim do ano passado – ainda acabou enfraquecido ao ser novamente analisado pelos deputados. Isso porque dois dispositivos que previam a consideração de fatores de “etnia, raça, gênero, idade e deficiência” na análise de vulnerabilidades, incluídos pelo relator do projeto no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), acabaram sendo retirados pelo relator dessas alterações na Câmara, o deputado Duarte Junior (PSB-MA).

Como detalhou o Instituto Socioambiental, Duarte Junior chegou a apresentar um relatório inicial recomendando a aprovação total do texto do Senado, mas retirou os trechos mencionados após pressão de parlamentares da extrema-direita. Dessa forma, o foco no combate ao racismo ambiental – a forma como os efeitos das mudanças climáticas atingem de forma desigual populações racializadas não será mais, necessariamente, uma obrigação dos governos.

Já o PL 380/23 – também conhecido como PL das Cidades Resilientes –, proposto pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e aprovado nesta quinta-feira (20), modifica o Estatuto das Cidades para incluir, entre as diretrizes gerais das políticas urbanas, a “adoção de medidas integradas” de adaptação às mudanças climáticas e “a mitigação dos seus impactos, de forma a garantir a resiliência das cidades a essas mudanças, com prioridade para contextos de vulnerabilidade”. Essas ações deverão ser tomadas pelos municípios com base em “estudos de análise de riscos e vulnerabilidades climáticas”.

Preparação dos municípios

Uma audiência pública realizada na última quinta – mesmo dia da aprovação do PL das Cidades Resilientes –, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, tratou de ações que os municípios podem adotar para melhorar sua adaptação às mudanças climáticas. Na sessão, o presidente da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Mário William, apresentou 17 orientações aprovadas pela instituição para “ações de segurança e resiliência em caso de desastres naturais”, informou a Agência Câmara.

Entre as normas mencionadas por William estão as que tratam de “salas de crise” para monitoramento climático e gestão de desastres, a exemplo do Centro de Operações Rio, criado no Rio de Janeiro em 2010, após grandes inundações atingirem a cidade. “Em uma das previsões de tempestades, foi decretado ponto facultativo. E realmente houve invasão do mar nas ruas, houve inundações. Isso ajudou a prevenir graves situações”, disse o presidente da ABNT. “Então, essa é a função dessa norma: orientar com antecedência a população a tomar os devidos cuidados de proteção”, completou.

O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que solicitou a audiência, afirmou que vai protocolar um projeto de lei que visa tornar a criação desses centros de operações obrigatória em todo o país.

Mário William mencionou ainda outras normas, como as que tratam de “diretrizes para a gestão de incidentes, continuidade de negócios e retomada de atividades pós-desastres e certificação de ‘cidades sustentáveis’”, segundo a Agência Câmara. De acordo com o convidado, apenas as cidades de São José dos Campos e Jundiaí, ambas no estado de São Paulo, têm a certificação de “cidades sustentáveis” atualmente.

A citada Jundiaí, por sinal, também mostra estar atenta às discussões sobre planos climáticos que ocorrem a nível federal. Com auxílio da plataforma Diários do Clima, que filtra normas ambientais publicadas nos diários oficiais municipais de 395 cidades brasileiras, a reportagem encontrou a publicação do PL 14366/24, proposto pelo prefeito Luis Fernando Machado (PL), já aprovado pela Câmara Municipal e que agora depende apenas da sanção do prefeito para virar lei.

Entre as diversas modificações que o projeto traz ao Plano Diretor da cidade está a criação da Política Municipal de Mitigação das Mudanças Climáticas – que cita, entre outros objetivos, “ações de defesa contra as consequências das mudanças climáticas ou os eventos meteorológicos e climatológicos extremos”, “identificar ações de combate às causas das mudanças climáticas, ou da crescente elevação da temperatura média do planeta”, e a participação social nas ações de adaptação e a cooperação com municípios vizinhos.

O projeto prevê a criação de um inventário de emissões de gases do efeito estufa resultantes de atividades humanas e um plano com detalhamento de ações “essenciais” para a redução, no município, de 50% dessas emissões até 2030. Também deverão ser detalhadas as vulnerabilidades climáticas da cidade, com identificação das ameaças de eventos extremos e, como parte de um plano de adaptação e mitigação, a elaboração de um cronograma para implementação de ações que fortaleçam a resiliência climática da cidade.

O projeto também determina a ampliação e aprimoramento de uma série de ações ambientais por parte da prefeitura, como a arborização urbana, o aumento da permeabilidade do solo, desassoreamento de rios, monitoramento da qualidade do ar e um programa de hortas urbanas, entre outras.

Essa está longe de ser uma realidade para todas as cidades brasileiras atualmente, inclusive nas capitais.

De acordo com o Instituto Jones dos Santos Neves, o Plano de Mudanças Climáticas é um desafio global que está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 13 da Organização das Nações Unidas (ONU) que é o de reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação aos riscos relacionados ao clima e catástrofes naturais em todos os países.

Outra pesquisa

Uma outra pesquisa, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), revela que a maioria dos municípios brasileiros não está preparada para lidar com eventos climáticos extremos. A pesquisa foi realizada antes do desastre climático no RS, que acabou demonstrando o despreparo nas situações de eventos extremos.

A pesquisa, intitulada “Emergência Climática”, levou em consideração o preparo contra os eventos extremos climáticos, elaboração dos planos de mitigação e adaptação, e medidas estruturais para enfrentar as emergências climáticas.

Sistema de alerta para desastres – Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.590 responderam à pesquisa “Emergência Climática”. E o resultado foi que cerca 43,7% das cidades indicaram que não possuem um setor ou profissionais responsáveis por monitoramento de áreas sob risco de desastres, e apenas 38,7% afirmaram possuir.

Cerca de 57% das cidades também não possuem sistema de alerta móvel ou fixo para desastres! E somente 5% possuem sistemas fixos com alto-falantes e sirenes.

Em nota, a Confederação afirmou que, ao considerar as projeções climáticas para o Brasil, o panorama observado é mais desafiador do que otimista. Ela ainda chamou atenção da União e dos estados para o fato de os municípios, principalmente aqueles de pequeno e médio porte, não conseguirem arcar sozinhos com os custos de gestão e prevenção de desastres.

De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Regional, o Brasil registrou 4.728 mortes provocadas por desastres naturais em pouco mais de três décadas, de 1991 a 2022. Sendo 2011 o ano mais preocupante, quando fortes chuvas atingiram a Região Serrana do Rio de Janeiro e cerca de 957 pessoas perderam a vida.

Infelizmente, ao longo dos últimos anos, são inúmeras cidades do Brasil que foram impactadas por desastres e nunca conseguiram se reconstruir por falta de apoio financeiro. De 2013 a 2023, 94% dos municípios brasileiros registraram ao menos um decreto de anormalidade.

(Imagem do destaque mostra alagamento de 4 de janeiro de 2023: Cruzamento das avenidas Euler de Azevedo com Rachid Neder até a Ernesto Geisel desapareceu. Foto: Henrique Kawaminami – Campo Grande News)

 

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