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Sonho da Bioceânica começou há 20 anos com projeto de corredor ferroviário

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 Desafio de abrir fronteiras e transpor a Cordilheira dos Andes foi superado graças ao protagonismo de Mato Grosso do Sul na integração e no estreitamento das relações com o Paraguai, Argentina e Chile

O ano era 2004. O desafio, no mês de abril daquele ano, implicava em partir de Santos (SP), na costa brasileira do Atlântico e chegar ao porto chileno de Antofagasta, na costa do Pacífico, atravessando a Cordilheira dos Andes. O percurso, de 4.260 quilômetros, quase todo por ferrovia, fazia parte do traçado imaginário de uma rota de integração física bioceânica, ligando o Brasil e os países vizinhos às duas costas marítimas. Na época, se discutiam pelo menos três alternativas e o modal ferroviário era considerado mais viável porque já havia a malha ferroviária. Bastava a recuperação de alguns trechos.

Subida do Trem das Nuvens na Cordilheira dos Andes. (Foto: Ernesto Franco-2004

Foi a primeira expedição realizada em caravana até o Chile. A ideia surgiu depois de um encontro de governadores de províncias argentinas em que se debateu a viabilidade de uma rota bioceânica, aproveitando a malha ferroviária do sudoeste brasileiro, Bolívia, Argentina e Chile. O então governador José Orcírio Miranda dos Santos (Zeca do PT), foi incentivado a atravessar a Cordilheira dos Andes de trem. Entusiasmado com o projeto de um corredor ferroviário bioceânico, saiu do encontro na Argentina disposto a aceitar o desafio da travessia feito pelo colega governador da província de Salta, Juan Carlos Romero.

Geopolítica à parte, Zeca não escondia o entusiasmo com a integração cultural. Era a oportunidade em poder unir, como em poucas vezes na história, a grandiosidade da natureza e a grandiosidade das culturas. O desafio de superar os dramáticos acidentes naturais da Cordilheira dos Andes aflorou a perspectiva de as obras humanas promoverem a integração naquele mundo imponente, que merecia o mesmo respeito que a imponência de suas montanhas.

Zeca do PT e o irmão Heitor Miranda no cais do porto de Mejillones (Foto: Ernesto Franco – 2004)

Em um momento de otimismo com o futuro, com o primeiro governo Lula já deslanchando, Zeca intensificou as discussões nos fóruns empresariais e institucionais. Discutiu com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Corporação Andina de Fomento (CAF) programas de financiamento para recuperação de trechos da malha ferroviária.Na época se sonhava até com a volta do Trem do Pantanal, tornando Corumbá o portal do Corredor Ferroviário Bioceânico Santos-Antofagasta. MS apresentou alternativas de rotas rodoferroviárias e propunha uma logística integrada, intermodal, abrindo a possibilidade de incluir também o Paraguai. Mas a empreitada esbarrava sempre nos custos para recuperação de trechos ferroviários em contrapartida aos benefícios. Teria que se projetar uma rota intermodal, com rodovias e hidrovias.

O processo amadureceu e chegou-se à conclusão que, além da mobilização política e destinação de dinheiro público, era preciso estimular investimentos privados. A entrada do Paraguai no projeto acelerou o processo e a rota bioceânica já é uma realidade, desencadeando demandas de infraestrutura e preparação das cidades para os impactos da ligação rodoviária.

Conhecendo a história – Explorar os caminhos inóspitos no centro-oeste da América do Sul tinha, além do apelo comercial, a perspectiva da integração cultural e viabilização de uma rota turística. Por trás das atividades econômicas tinha a história da civilização sul-americana nessa parte do Continente.

No caminho para os Andes o processo de ocupação é realçado pelos habitantes como uma conquista, mas também de afirmação de suas culturas. “Até agora só se olhou para o Atlântico, chegou o momento de olhar para o Pacífico, abrir as fronteiras para a Ásia”, dizia Zeca do PT nos vários fóruns regionais e internacionais.

Paisagem do árido deserto de Atacama. (Foto: Ernesto Franco-2004)

Os mongóis e esquimós teriam sido os primeiros habitantes dos Andes, segundo a teoria mais provável sobre a ocupação da região mais inóspita do mundo. Historiadores e antropólogos também trabalham com a hipótese de que na era glacial, com a descida do gelo das regiões de maior altitude do planeta, descobriu-se uma faixa de terra entre o norte da Ásia e a América.

Outra teoria diz que a América começou a ser povoada pelos malaios e polinésios, vindos de diversas regiões, dando origem às populações indígenas de diferentes aspectos físicos e culturais, que se fixaram no altiplano andino.

Setenta anos antes da chegada dos espanhóis, os incas expandiram seu domínio pelo território chileno, seguidos pelos atacamenos e diaguitas. O Império Inca tinha seu comando em Cuzco e compreendia o Equador, o Peru, a Bolívia e nordeste argentino. Quinhentos anos depois do início da colonização, com os povos soberanos em suas próprias culturas, tradições e costumes, o mundo latino-americano se voltou para a necessidade de se integrar.

A mesma necessidade de expansão comercial que levou os espanhóis, entre 1536 e 1600, a conduzirem suas expedições para prospecção e abertura de caminhos para o intercâmbio no auge do comércio entre o leste asiático e Europa, nos leva hoje, em plena era contemporânea, a buscar a consolidação de rotas para a expansão econômica e o desenvolvimento sustentado.

  • Centenas de séculos depois do descobrimento da América e sua colonização, a integração física e econômica ainda se constitui em grandes desafios, especialmente ao Norte da estreita faixa de terras que forma o território chileno, povoado inicialmente pelos changos, que utilizavam o mar como principal fonte de alimentos.

A expedição de 2004 experimentou os desafios de refazer nas trilhas da Cordilheira dos Andes, o caminho onde as ruínas das primeiras civilizações guardam o mistério de sua origem. Nos Andes ainda ressoa a voz mais funda da terra, que fala com severidade dos velhos deuses através de seus vulcões. Um lugar onde voa em perpétua solidão o magnífico condor, as árvores têm raízes mais profundas e até o coração do homem é maior, para poder viver com o ar rarefeito das montanhas.

Recorrer às vias de comunicação que o homem abriu entre os Andes é como começar a viver um livro de aventuras. Existem estradas de ferro que se dependuram pelas encostas das montanhas e que superam as maiores altitudes encontradas na Europa ocidental, superando 4.800 metros. O mesmo acontecia com as rodovias, que eram poucas e geralmente precárias. Há regiões, no entanto, aonde modernos meios de transporte ainda não chegaram, obrigando o homem andino a percorrer grandes distâncias a pé, por caminhos que já eram utilizados por seus antepassados há séculos.

Vista das montanhas dos Andes próximo da fronteira da Argentina com o Chile. (Foto: Ernesto Franco-2004)

Devido às rigorosas condições climáticas a população das montanhas se fixou ao norte, nas zonas próximas ao trópico abaixo da linha do Equador, onde o homem se estabeleceu mediante o desenvolvimento de uma agricultura adaptada a uma atmosfera pobre em oxigênio, aos fortes raios ultravioletas que a atravessam e a intensidade do frio, tudo isso característico das elevadas altitudes.

Tanto o homem como os animais tiveram que vencer muitos obstáculos para viver nos Andes, o principal deles é a escassez do oxigênio. Os quechuas (legítimos descendentes dos Incas) com o coração de maior tamanho que um ser humano normal para oxigenar plenamente seu organismo; as plantas (ichus, capim típico da vegetação) e os animais andinos (lhama, alpaca, o guanaco e a vicunha, mamíferos pertencentes à família do camelo), provedores e carne e lã e resistentes no transporte de cargas.

  • A imponência das montanhas escarpadas com suas neves eternas é um dos principais símbolos da essência da Cordilheira dos Andes, onde a natureza e o próprio homem parecem compartilhar com orgulho o que nasceu para perdurar.

Perto do Céu – A primeira impressão de quem sobe a Cordilheira dos Andes de trem é que se está chegando perto do céu. É uma sensação indescritível. Ao se percorrer o trecho mais desafiante da extensa ferrovia de 4.269 quilômetros entre Santos e Antofagasta, fica marcada na memória a disparidade entre as regiões desérticas e as terras produtivas em Mato Grosso do Sul. Mas as contradições podem ser recompensadas pelas visões magníficas da Cordilheira dos Andes e do deserto mais seco do mundo, no Atacama.

Trem das Nuvens – Escalada de 4.600 metros (Foto: Ernesto Franco-2004)

Desde a escalada da Cordilheira ao deslizamento no deserto, ficou comprovada a viabilidade econômica do primeiro corredor ferroviário bioceânico da América do Sul. Mais desafiador que a travessia, foi a construção da ferrovia, principal condutor comercial no século passado e grande expectativa para o processo de integração econômica, que seguiria avançando, na medida que autoridades do Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Chile conjugassem esforços para a recuperação e operacionalização desse corredor bioceânico.

  • O que se sonhava, no entanto, era brindar a paisagem montanhosa dos Andes com as belezas do Pantanal sul-mato-grossense, com a reativação do trem de passageiros, que nunca ocorreu.

Além da importância estratégica de integração física do Continente e de sua utilização para o turismo, a ferrovia Santos-Antofagasta passaria a ser rota de escoamento da produção do Mercosul com destino ao mercado asiático via portos do Chile. “A distância que separa o Brasil da Índia e da China, por exemplo, será encurtada em mais de 7 mil quilômetros. Isso significa custo menor de transporte e produtos mais competitivos” – enfatizava Zeca do PT durante a escalada de um trecho da Cordilheira.

A radiografia do modal ferroviário do corredor bioceânico era animadora. Quase metade (41,51%) da ferrovia é brasileira. De Santos (SP) a Corumbá (MS) são 1.772 quilômetros; de Corumbá a Pocitos, divisa da Bolívia com Argentina, mais 1.170 quilômetros; de Pocitos a Socompa, na fronteira da Argentina e o Chile, outros 987 quilômetros; e de Socompa a Antofagasta, na costa do Pacífico, mais 340 quilômetros. Poderia, ainda, estender o trecho rodoviário de 80 quilômetros entre Antofagasta e o complexo portuário Mejillones.

A distância parece ser grande, mas nem se compara ao longo caminho que os produtos brasileiros precisam fazer para circundar o litoral nordestino, atravessar o Canal do Panamá e daí navegar pelo Pacífico rumo à Ásia. Estava justificado todo o investimento necessário para recuperar a malha ferroviária e deixá-la em perfeito estado de operacionalização.

Fotógrafo Ernesto Franco interage com moradores da cidade de Santo Antonio de Los Cobres durante parada do Trem das Nuvens

Corredor turístico – Além do apelo econômico e integracionista, o corredor ferroviário prometia se transformar rapidamente em concorrido roteiro turístico por cortar as mais belas e diversas paisagens da América do Sul. Da deslumbrante beleza do Pantanal, o turista, literalmente, “iria às nuvens” ao cruzar os Andes por trilhos que desafiam as leis da física e cortam a Cordilheira dos Andes a uma altitude de 4.750 metros. Em território chileno a estrada de ferro passa pelo deserto do Atacama, que não vê chuva há mais de 10 mil anos, o lugar mais seco do mundo e por essa particularidade, possui paisagens únicas e por isso destino de milhares de turistas.

O trecho boliviano da ferrovia, em seus 1.181 quilômetros de extensão, passa pelas cidades de Quijarro, Roboré, Santa Cruz de La Sierra e Yacuíba. No lado argentino, são 991 quilômetros entre as cidades de Pocitos, Ledesma, Guemes, Salta, Santo Antônio de Los Cobres e Socompa, na fronteira com o Chile.

Entre Ledesma e Guedes a ferrovia possui rampas elevadas de até 2,5% e um sistema de “ziguezague” utilizado para o trem ganhar altitudes sem contornar as montanhas. Da fronteira entre Argentina e Chile até Augusta Victória são 181 quilômetros. De Augusta Victória até Antofagasta são mais 159 quilômetros de trilhos.

A viagem – A expedição em direção ao Pacífico começou num sábado, 24 de abril de 2004, na cidade de Salta. A ideia da escalada dos Andes e travessia do deserto de Atacama, até Antofagasta, levantada pelo governo da província de Salta, levou o governador de MS a se convencer de que estavam criadas as condições para levar o projeto do corredor bioceânico adiante. Zeca levou um grupo de secretários da área de infraestrutura e transportes, acompanhado do irmão Heitor Miranda dos Santos, que tinha estreita relação com os paraguaios. Zeca havia estado em Salta poucos dias antes, 13 de abril, para discutir a rota bioceânica com outros cinco governadores argentinos.

Trem das Nuvens passa pelo pontilhão de Polvorilla. (Reprodução/VamosViajar/Latam)

A caravana fez o primeiro trajeto no Tren de las Nubes, a partir de Salta, capital da província que leva o mesmo nome e se constitui em uma das regiões mais bonitas do noroeste argentino, ao pé da Cordilheira dos Andes. O “passeio” no Trem das Nuvens é promovido pela Ferrocarril General Manuel Belgrano, um ramal da linha ferroviária que une as estações de Salta com a de La Polvorilla, a mais de 4.200 metros de altitude sobre a Cordilheira..

Salta é caracterizada por sua arquitetura marcadamente hispânica, que realça os prédios do centro histórico e disputa os olhares dos turistas, que admiram as sacadas, portais, ornamentos e filetes nas fachadas das casas, além da rica serralheria. Na Praça 9 de Julho, os turistas admiram ao redor, de um lado, a Catedral Basílica, que tem um altar construído todo em ouro e ornamentos do piso ao teto, e de outro, o solar de Hernando de Lerma, construído em 1858 e que deu origem à cidade.

Na madrugada de 25 de abril de 2004 a caravana venceu os primeiros 200 quilômetros da viagem, feita de trem até Santo Antonio de Los Cobres. A viagem até Antofagasta, concluída por rodovias, levaria 20 horas, a maior parte sobre regiões desérticas.

O Trem das Nuvens partiu a uma altitude de 1.187 metros acima do nível do mar. Pouco se pôde observar nas duas primeiras horas, tempo em que a composição passou por General Alvarado, Carrillos, Nossa Senhora de Lerma, Campo Quijarro e El Alisal, onde a altitude é de 1.775 metros.

O sol já despontava quando o trem passou por Chorrillos, Engenheiro Maury e Governador Solá, em plena Cordilheira dos Andes e a altitude já atingia 2.675 metros quando a caravana passou por Puerta Tastil. Duas horas depois de clarear, o trem prosseguiu a viagem, numa velocidade média de 33km/h, passando pelas estações de Meseta e Diego Almagro.

O vôo solitário do magnífico condor, ave símbolo dos Andes. (Foto: Ernesto Franco)

Entre uma paisagem e outra, integrantes da caravana e tripulação trocavam impressões e se serviam de café com leite, chá de folha de coca e a tradicional empanada saltenha. Essa foi a única refeição da viagem, que duraria mais 16 horas. Muita alimentação seria um risco, pois a digestão exigiria mais oxigênio, raro na Cordilheira

Depois de quase cinco horas, o Trem das Nuvens alcançou as localidades de Icahuassi, Cochiñal de Muñano, quando se atingiu a altitude de 3.953 metros. A parada final por ferrovia aconteceu em Santo Antônio de Los Cobres, a 5.700 metros acima do nível do mar.

Na estação, praticamente todos os moradores do pequeno povoado aguardavam a chegada do trem. A principal expectativa da população é a chegada do Trem das Nuvens, cheio de turistas que por ali passa uma vez por semana ou a cada 15 dias. Uma das principais fontes de renda é o comércio de artesanato – ponche, luvas e gorros de lã de lhama e pequenas esculturas de granito.

Nesta viagem eu vivi três momentos importantes de reflexão. O primeiro, pessoal, o de vencer um desafio, superar a altitude, e conhecer pessoalmente esse trecho da bioceânica, pois quem trabalha por alguma coisa tem de conhecê-la; o segundo momento, espiritual, já que subimos a 4.800 metros de altitude, pertinho do céu e, o terceiro, um momento político, pois estamos nos esforçando para nos aproximarmos mais dos países vizinhos” – Zeca do PT

O trajeto mais difícil foi percorrido em três vans e uma caminhoneta. Pela frente, a caravana venceria novo trajeto da Cordilheira dos Andes, de mais de 300 quilômetros até Paso de Sico, na fronteira com o Chile. Foram mais de três horas de contemplação de fantásticas paisagens.

Filetes de água surgem invariavelmente, parecendo tortuosas cicatrizes que desafiam a intrincada geografia dos Andes. Entre o deserto e a Cordilheira dos Andes, aparece o platô do altiplano, a 4 mil metros. Tudo impressiona. O vento, a areia e a ação a água têm colaborado durante séculos em dar forma à cadeia de montanhas nos Andes, propiciando uma diversidade de paisagens.

A caravana venceu o difícil caminho entre Paso de Sico até São Pedro de Atacama. Os turistas que buscam as belezas do deserto, entretanto, optam pelo caminho de Calama, cidade mineira mais ao Norte do Chile, a 98 quilômetros de São Pedro, em rodovia asfaltada, de onde se tem visão total sobre a cadeia de montanhas cobertas de sal. Uma curiosa formação geológica de variadas formas que teria se formado há milhões de anos e teria se constituído no fundo de um lago salgado que emergiu devido à pressão das placas tectônicas do globo terrestre.

Passadas as duas barreiras alfandegárias do serviço de imigração argentino e chileno, foram percorridos mais 317 quilômetros, a maior parte no deserto de Atacama, até São Pedro de Atacama. Até esta localidade o percurso foi feito entre montanhas e desertos, em estrada sem pavimentação. Depois, foram mais longas horas, em rodovia asfaltada, até a costa do Pacífico.

No Atacama a paisagem assume o aspecto lunar, onde a monotonia da terra, de cor ocre (amarelo terra) só é interrompida por uma dezena de impressionantes vulcões de traço cônico perfeito, com picos brancos de neve permanente.

Os vulcões são atrações e fazem perdurar o mistério de suas origens na Cordilheira. (Foto: Ernesto Franco-2004)

A parada foi rápida em São Pedro do Atacama. O dia estava terminando. A partir dali, a caravana teria mais 300 quilômetros pela frente até chegar em Antofagasta. Naquele ano, a população de São Pedro não chegava a mil pessoas. No centro da pequena cidade, havia apenas duas ruas. Ao lado da praça, de construção rústica, estilo barroco, a Igreja de São Pedro, tombada como patrimônio nacional. A história e a arqueologia andina estão registradas no museu da cidade. São 11 mil anos de história.

Antes da chegada dos espanhóis e dos incas, em 1450, no Atacama já existia uma sociedade organizada, com crenças religiosas e manifestações artístico-culturais, que remontam às relações culturais de mais de 800 anos com o estado de Tiwanaku, na Bolívia. No percurso, muito raramente, se observa rebanhos de lhamas e uma ou duas espécies da família dos camelos (alpacas), que fornecem a lã e a carne, além de servir de meio de transporte de carga para os aymarás, povos pré-hispânicos que vivem na Cordilheira ou altiplano andino

Quando se dirige ao deserto, a primeira idéia que vem à cabeça é de um mar de dunas de areia povoado por beduínos e camelos. O Atacama não tem essas características que nos remetem aos desertos do Oriente Médio. Esse deserto é rodeado por paisagens surpreendentes e bem diferentes do que qualquer um poderia esperar: picos nevados, lagoas de águas coloridas, imensas salinas, cavernas profundas por onde passam riachos, vales que mais parecem paisagens lunares, vulcões ativos, pequenos vilarejos e ruínas de cidades da época dos incas. O Atacama, contudo, é uma das regiões mais secas do mundo, espremida numa faixa de 200 km entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes.

Do Pantanal ao Atacama

Corredor ferroviário teria ligação por Corumbá., passando pela ponte de Porto Esperança (Foto: Silvio Andrade)

O deserto de Atacama é uma das principais zonas turísticas do Norte da Argentina e tem recebido milhares de visitantes e por isso seria, no contexto do corredor bioceânico, a outra ponta de um passeio fantástico em direção ao Pantanal ou trajeto inverso. O turista vai descobrir que o norte chileno não é um mar de dunas de areia e muito menos cheio de dromedários.

Atacama tem suas potencialidades econômicas. Possui a maior mina de cobre do mundo – a céu aberto, que se encontra em Chuquicamata, assim como o maior depósito de lítio na salina. A industria de salitre e iodo é extremamente ativa. Em direção ao Pacífico, a caravana cumpriu as formalidades aduaneiras e seguiu, escoltada por uma viatura dos carabineiros (a polícia nacional chilena) até chegar em Antofagasta.

Antofagasta e a capital da II Região, equivalente a Estado, no Brasil. É a maior cidade do norte chileno e tem o principal porto, ficando atrás apenas do complexo portuário de Mejillones. Não apresenta grande interesse turístico, mas seu bairro histórico é charmoso, com alguns edifícios do século XIX, que lembra a arquitetura art noveau. No litoral próximo a cidade, se encontra o belo arco natural, conhecido como “La Portada”.

Depois de pernoitar em Antofagasta, os integrantes da caravana seguiram para Mejillones, para conhecer o que seria o futuro entreposto do corredor bioceânico, além de participarem da Reunião Extraordinária da Zona de Integração do Centro Oeste da América do Sul. Havia um consenso de que somente a integração física, dentro de um processo de conjugação de forças entre os países, poderia assegurar o desenvolvimento e a superação da miséria e do atraso.

 “Tive uma experiência pessoal extraordinária, atravessar a Cordilheira dos Andes nos deu a sensação de que estamos descobrindo o mundo, conhecendo nossas limitações e desafios. Do ponto de vista espiritual, me senti perto do céu, é uma sensação fantástica. Estou convencido de que é possível superar o tempo perdido. Ficou provado nessa viagem que é possível superar os obstáculos e o tempo, percebemos que a logística de transportes é fundamental para a integração econômica. Essa é a razão da nossa luta em estabelecer as ligações bioceânicas”, declarou Zeca do PT na chegada ao destino.

Ele comparava a América do Sul a um corpo desconectado e sem corrente sanguínea. Segundo ele, era preciso ligar as artérias para que o processo de desenvolvimento, puxado pela integração física, pudesse dar vida à América do Sul. Ainda em Mejillones, defendeu a superação do atraso e a integração definitiva, com a diminuição das restrições alfandegárias e sanitárias nos cinco países.

Porto de Antofagasta, na costa do Pacífico. (Foto: Reprodução Internet)

O esforço brasileiro, especialmente do governo de Mato Grosso do Sul, em estabelecer condições para operar o corredor bioceânico rodo-ferroviário entre Santos e Antofagasta tinha ganhado cada vez mais o reconhecimento da comunidade sul-americana. O esforço brasileiro pela integração era destacado inclusive num momento político delicado nas relações da Argentina com o Chile, por conta do acordo do gás natural, insumo precioso para movimentar a máquina industrial. Apesar das adversidades políticas, todos falavam a mesma língua quando o tema era integração física e econômica entre os países do Mercosul, bloco no qual o Chile ingressou em 1996.

Quem fizesse o trajeto pela Cordilheira dos Andes e regiões desérticas do Norte do Chile, em que pesem todas as adversidades, se convencia de que somente a integração física, dentro de um processo de conjugação de forças entre os países, poderia assegurar o desenvolvimento e a superação da miséria e do atraso.

Orla de Antofagasta na costa do mar gelado do Pacífico. (Foto: Reprodução internet)

Geopolítica da Integração. Enfim, a Rota Bioceânica

 A Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul é formada pelos estados brasileiros do Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia; as províncias argentinas de Catamarca, Chaco, Corrientes, Formosa, Misiones, Salta, Santiago del Estero e Tucumán; a Primeira e Segunda Região do Chile; os departamentos peruanos de Arequipa e Tacna e todo o território da Bolívia e do Paraguai.

A viagem aos Andes com destino a Mejillones, acabou se transformando na celebração do processo de integração que se iniciou em Antofagasta, no ano de 1997, ressurgiu com força em 2001 e se assentou como política estratégica de desenvolvimento regional sustentado agora com a viabilização da Rota Bioceânica com a participação efetiva do Paraguai, em um traçado rodoviário com o mesmo alcance e capacidade de promover o desenvolvimento econômico e a integração social e cultural dos sul-americanos. Processo que vem se consolidando por meio dos projetos de infraestrutura multimodal de transportes e intercâmbios comercial, científico-tecnológico e nas áreas de ensino e pesquisa.

O que se espera é avançar, nas próximas etapas, na intermodalidade de transportes, que implica naturalmente na modernização de portos e ferrovias e revitalização de hidrovias, integrando nada menos que 60 milhões de pessoas que vivem no Centro da América do Sul.

A integração desta região do Continente é estratégica e uma das grandes contribuições a esse processo são as rotas bioceânicas, que ligam por rodovias, hidrovias e ferrovias a costa do Atlântico à costa do Pacífico. A hidrovia foi o meio de transporte mais utilizado no passado e continua sendo economicamente viável.

Porto de Mejillones, último ponto da expedição de 2004. Terminal fica a 80 km de Antofagasta (Foto: Reprodução Internet)

A logística de transporte, na concepção integracionista, busca a rota Leste–Oeste para a união comercial preconizada aos mercados Latino-americano e Ásia-Pacífico e não mais por meio do eixo Norte-Sul, que envolve somente a hidrovia do rio Paraguai. Países como China, Japão, Mongólia, Tailândia e Malásia têm interesse na viabilização dos corredores que permitam o escoamento da produção brasileira de soja, produtos de origem animal (carne bovina, de aves e suínos), além de manufaturados e artigos da indústria têxtil e calçadista através dos portos chilenos e peruanos. Mato Grosso do Sul, em função da localização estratégica, é eixo de pelo menos dois corredores bioceânicos, rodoviário e ferroviário.

A iniciativa da agenda comum para assegurar obras de infraestrutura de longo alcance frutificou e amadureceu nos último 20 anos. Hoje o projeto da Rota Bioceânica avança e garantirá no futuro a expansão de mercados adequados à capacidade produtiva dos países que juntaram forças para materializar o sonho da integração.

 As lideranças latino-americana, forjadas no passado e as que sobressaem no presente, haverá de reconhecer, sempre, que as diferenças étnicas, culturais, sociais e econômicas não são razões justas e tampouco científicas para o isolamento dos povos. Pelo contrário, são componentes da interação entre as populações das diferentes regiões e harmonizam o processo de descoberta, integração e evolução do homem em seu próprio meio e sociedades com as quais se relaciona.

Traçado da Rota Bioceânica

 

 

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