Risco de seca no rio Paraguai “é imenso, o indicativo é fortíssimo”, diz ambientalista, mas cientista observa que faltam estudos precisos e seca se deve a um conjunto de fatores e não apenas falta de chuva
As projeções de seca severa na Bacia do Alto Paraguai são preocupantes, segundo pesquisadores e ambientalistas. Para o diretor do Instituto Agwa, Nelson Araújo Filho, o baixo nível do rio Paraguai e seus afluentes é um indicativo muito forte, o prenúncio de uma das piores secas. “Só se acontecer um milagre, do contrário, será uma seca sem precedente”.
Segundo o ambientalista, a seca não deve afetar o Pantanal como um todo, apenas algumas regiões na bacia hidrográfica. O baixo nível do rio Paraguai e dos rios Miranda, Aquidauana e Negro tem impacto ambiental e econômico, já que muitas atividades que dependem do transporte fluvial começam a ser afetadas.
O impacto nas exportações de minério de ferro e grãos pela Hidrovia Paraguai-Paraná preocupa também o Paraguai e Bolívia, que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai.
Há notícias não confirmadas oficialmente de que as últimas chuvas de janeiro, em ponto específico no Pantanal, segundo morador da região do Abobral, registraram acumulado de 500mm, mas esse volume de água é insuficiente para subida de nível. Segundo Nelson Araújo, em períodos normais, o rio poderia subir com as águas da cheia em Cáceres (MT), que chegariam em março, mas tanto lá como no Pantanal de MS o rio Paraguai está com baixo nível.
“Para essa época o normal seria 4,2 metros em Cáceres, mas o nível está abaixo de dois metros, um pouco mais de 1 metro e meio. No Pantanal de Aquidauana o nível está abaixo de um metro”, compara o diretor do Instituto Agwa.
Há um conjunto de fatores para escassez de água, afirma cientista da UFMS
De acordo com o cientista Fábio Veríssimo Gonçalves, Doutor em Hidráulica pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa e docente da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia da UFMS, a diminuição do volume de água no rio Paraguai não é uma consequência apenas da falta de chuvas. “Há um conjunto de fatores que levam a essa redução do nível. Seca, assoreamento, redução de vazão dos afluentes… Muita coisa ao mesmo tempo”.
Segundo Veríssimo, de qualquer modo, a chuva contribui para amenizar os efeitos da seca, mas é necessário que haja uma precipitação em grande volume. E os eventos extremos do clima afetam todo o planeta e os ecossistemas no Brasil, como o bioma Pantanal, sofrem os impactos.
“Se chover mais, será bom e pode reduzir o impacto, mas o El Ninho é La Ninha, os dois efeitos climáticos que são recorrentes de tempos em tempos, estão segurando as chuvas no sudeste e sul e não deixando a carga de chuva chegar ao Centro Oeste. Se isso mudar nos próximos meses, aí, chega mais chuva. Como pode ser percebido, está até chovendo constantemente nos últimos dias, mas chuva muito branda e espaçada. Isso não escorre direto para os rios, fica a sua maioria infiltrada no subsolo e até chegar nos rios o tempo é bem maior que simplesmente escorrer por cima da superfície quando a chuva é forte e demorada”.
Segundo o cientista, não há estudos matemáticos que possam assegurar com 100% de acerto e é preciso considerar que a alternância entre cheia e seca é um ciclo normal da natureza. No conjunto de fatores que influenciam na diminuição do volume de água no rio Paraguai, deve-se levar em conta “também o advento de redução de vazão dos afluentes por excesso de assoreamento dos tributários e da própria calha do rio Paraguai”.
“Hoje mesmo recebi um vídeo de Corumbá onde caiu uma chuva fortíssima, mas caindo em Corumbá ela não refresca a falta de água no rio, pois para ele encher e subir, a chuva tem que acontecer nas cabeceiras e afluentes”, destaca Veríssimo.
“É um sistema muito complexo e com inúmeros fatores que definem o que pode ou não acontecer com o nível do rio e somente com muitos dados coletados e estações de monitoramento remotas automáticas podemos saber realmente o que está acontecendo e para isso ocorrer, há a necessidade de investimento humano e tecnológico, que beira a casa de milhares de milhões. Aí vem a questão, esse dinheiro jamais virá da iniciativa privada, então os organismos federais têm que injetar dinheiro em pesquisa e equipamento de monitoramento”, conclui o cientista Fábio Veríssimo Gonçalves.
De acordo com a Embrapa, a última seca afetou o Pantanal entre 2019 e 2021, mas não deve se comparar à estiagem esperada, que deve ser muito mais severa, com a combinação de falta de chuva e escassez de água com temperaturas elevadas. Um cenário que acende o alerta para os incêndios florestais.
Em outubro de 2021 a régua do Distrito Naval de Ladário registrou 60 centímetros abaixo de zero. Todo os rios da bacia pantaneira estão com pouca água, segundo o Serviço Geológico do Ministério das Minas e Energia. Segundo o pesquisador Carlos Padovani, da Embrapa Pantanal, o período mais seco no rio Paraguai foi na década de 1964.
- “Estamos enfrentando algo parecido com a década de 60 do século passado”, disse o pesquisador em entrevista ao jornal Correio do Estado. Na opinião dele, o pico de cheia no rio Paraguai registrado em 2023 foi somente uma espécie de “ponto fora da curva” de uma estiagem mais longa que o Pantanal está atravessando desde 2020.
Em meados de fevereiro de 2021 a água estava em 1,4 metro em Ladário. Agora, conforme mostram os dados da Marinha, alcança apenas 70 centímetros, quando a média histórica para esse período do ano é de 1,94m. Em Cáceres, segundo o último boletim, divulgado no dia 8, o nível caiu para 1,6m. O normal será 4,2m.
A escassez de água afeta toda a Bacia do Alto Paraguai, segundo as medições do Ministério das Minas e Energia. Em Barra dos Bugres o nível caiu de 3,2m para 0,96m; em Santo Antonio do Leverger, nível do rio Cuiabá está em 3,34m, quando a média para essa época seria 6,21m.
No baixo Pantanal a situação é bem pior. Em Forte Coimbra, região de Corumbá, o nível medido no último dia 8 era de 0,56m abaixo de zero, quando a média normal seria 1,49m. no Pantanal de Nabileque, em Porto Murtinho, a marca é de 1,67m quando a média é de 3,28m.
As chuvas de outubro até janeiro deste ano não “refrescaram” os rios Miranda e Aquidauana, que são afluentes importantes para a cheia do rio Paraguai. As medições do último dia 8 indicaram 1,64m contra a média de 4,64 no rio Miranda e 1,84m contra a média histórica de 2,52 no rio Aquidauana.
O que diz o Serviço Geológico do Brasil
De acordo com o Sistema de Alerta Hidrológico da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai (SAH Paraguai) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB), julho de 2023 foi a época em que o rio Paraguai atingiu seu melhor nível observado na estação fluviométrica de Ladário desde 2019: 4,15 metros. Foi uma cheia pequena, mas representativa diante da estiagem dos anos anteriores.
Segundo a classificação do Relatório Final do Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento Integrado do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai, para que seja considerada “cheia”, o nível do rio na estação de Ladário precisa atingir no mínimo 4 metros. Com variação até 5m é considerada “cheia pequena”. Entre 5m e 6m, “cheia normal” e, a partir desse nível, “cheia grande”. A maior cheia aconteceu em 1988, quando o nível alcançou 6,64m.
A estação fluviométrica de Ladário é uma das referências para acompanhar o comportamento do nível do rio Paraguai, por estar na região central do Pantanal. Desde 1900 a estação é monitorada, e são gerados dados.
Seca no Pantanal – Desde 2019, o Rio Paraguai reflete os impactos da estiagem na região. Nesse ano, o nível de água alcançou, no máximo, 3,92 m. Em 2020, reduziu ainda mais e atingiu 2,06m e, em 2021, registrou um dos mais baixos níveis de cheia da série histórica: apenas 1,84 m. Desde o início da década de 1970, os níveis não ficavam tão baixos durante a cheia. Já em 2022, a cota máxima foi de 2,64m.
Os níveis baixos de água do rio Paraguai afetam todo o ecossistema pantaneiro, que é caracterizado por ser uma planície de inundação. Considerado a “calha d’água da bacia hidrográfica”, o rio acumula água e, quando cheio, transborda, gerando o pulso de inundação, o que contribui para o equilíbrio ecológico do bioma. A dinâmica de estiagem e cheia faz parte do ecossistema do Pantanal. No entanto, entre 2019 e 2022, o bioma esteve exposto a um evento de seca extrema.
(Foto do destaque: Antonio Ruiz)