Com ampliação da capacidade instalada para produzir 10 milhões de toneladas anuais, estado deve superar a Bahia no ranking nacional
Por Agência 24h
A evolução da indústria de celulose em Mato Grosso do Sul, por mais estranho que possa parecer, tem sua origem relacionada ao churrasco do fim de semana e com a siderurgia. É que as primeiras florestas de eucalipto, entre as décadas de 1980 e 1990, eram destinadas ao mercado de carvão vegetal, para uso doméstico e geração de calor nas pequenas indústrias e processamento do ferro-gusa.
Quatro décadas depois, Ribas do Rio Pardo, situada a menos de uma hora da capital Campo Grande, se torna o segundo polo industrial de celulose. Saia dali parte do eucalipto que fazia funcionar a siderurgia e de onde também era embarcado o carvão para abastecer o comércio varejista. Hoje quase não se vê mais carvoarias. As cepas, mudas e clones de eucalipto assumiram o lugar, formando hoje o grande maciço florestal na região Leste do Estado.
Não foi uma simples troca de receita em que o eucalipto cozido substituiu a madeira queimada. Por trás desse processo estava a visão empreendedora de um funcionário do Banco do Brasil, que atuava na carteira agrícola e no trabalho de campo viu a possibilidade de ganhar dinheiro plantando eucalipto. Época em que nem se falava em celulose.
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Não durou muito tempo acendeu a luz para o potencial do setor florestal, iniciando-se, por volta de 2004, as primeiras negociações para instalação da primeira fábrica de celulose e papel em Três Lagoas.
De lá para cá chegaram os investimentos da International Paper, VCP (Votorantim Celulose e Papel), Fibria e, por fim a Suzano. Naquele ano, uma comitiva, liderada pelo então governador Zeca do PT, junto com Simone Tebet, que era prefeita de Três Lagoas, foi até a sede da IP, em Eastover (Carolina do Sul), EUA, para as primeiras conversas sobre a vinda da companhia para Três Lagoas.
Além do conglomerado incorporado pela Suzano, com os ativos da IP (parcial) e Fibria-VCP, Três Lagoas recebeu a Eldorado Brasil, nascida, curiosamente, pelas mãos daquele burocrata que investiu nos primeiros pés de eucalipto, no fim da década de 1970 e início da década de 1980. Ideia na mesa, o mesmo visionário passou o projeto para quem conhecia do ramo, nascendo assim a Eldorado Brasil. E assim se consolidou a posição de Três Lagoas como a capital da celulose, hoje com três unidades instaladas, duas da Suzano.
As primeiras áreas de eucalipto no Vale da Celulose, que tem seu polo em Três Lagoas avançaram por grande parte da região Leste, alcançando os municípios de Inocência, Brasilândia, Aparecida do Taboado, Selviria, Santa Rita do Pardo, Água Clara e Ribas do Rio Pardo. Mas o plantio de eucalipto não se restringe apenas à costa leste do Estado. Em 10 anos, a área de eucalipto mais que triplicou. Era pouco mais de meio milhão de hectares em 2014. Hoje são mais de 1 milhão e meio de hectares, com projeção de chegar a 2 milhões de hectares nos próximos dois anos.
Dos 79 municípios de Mato Grosso do Sul, apenas oito não exploram o plantio de eucalipto. A construção da fábrica da Suzano em Ribas do Rio Pardo, por exemplo, acaba de estabelecer novas rotas de transporte de madeira conectando as regiões Leste e Oeste.
REDENÇÃO
Uma década atrás o setor florestal já dava mostra que haveria uma expansão espantosa, capaz de colocar Mato Grosso do Sul no topo da indústria de celulose. Para a Associação Sul-mato-grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas (Reflore-MS), é evidente que os produtores de eucalipto foram atraídos pelos lucros da celulose, mas a geografia de Mato Grosso do Sul também beneficiou a expansão da silvicultura.
Estudo da entidade apontava que o eucalipto seria a redenção para a recuperação do solo arenoso e degradado de Mato Grosso do Sul, observando que a produtividade e a lucratividade do eucalipto também já provocaram a inversão dos investimentos na silvicultura. Produtores de pinus optaram pelo eucalipto. Essa inversão ficou muito clara nas estatísticas. Enquanto a área de eucalipto quintuplicava, o plantio de pinus diminuía de 700% a 1.000%.
O Plano Estadual de Desenvolvimento Sustentável de Florestas Plantadas, elaborado em 2006, já apontava para a expansão da silvicultura, em razão do diagnóstico sobre a queda de renda em cadeias produtivas voltadas à exportação de matérias-primas (commodities) sem agregação de valores a partir da industrialização.
Áreas de monocultura e de pecuária extensiva acabaram cedendo lugar para o eucalipto, cultura que seria capaz de atrair mais indústrias da celulose, além de estimular a expansão das atuais, o que acabou se consumando, com a Suzano expandindo com segunda unidade de produção em Três Lagoas e uma nova fábrica em Ribas do Rio Pardo, que está sendo ativada neste mês de julho.
Quem tem área de pastagem também busca conciliar a pecuária com a silvicultura, dividindo a propriedade na proporção de um terço para criação de gado e dois terços ao plantio de eucalipto. A alternativa da convivência harmônica das pastagens com as florestas renováveis fez crescer o sistema integrado.
Para Mário Celso, empresário e investidor do setor florestal e hoje prefeito de Andradina, no noroeste paulista (cidade a 37 km de Três Lagoas), o ex-funcionário da carteira agrícola mencionado no início da reportagem, que depois de acionista da gigantesca Eldorado Brasil preferiu deixar o mercado de celulose para os experts e se dedicar apenas à produção de mudas, não é inteligente colocar os ovos numa mesma cesta, ou seja, plantar eucalipto com maior espaçamento para dar lugar à pastagem, apesar de ser uma prática importante à sustentabilidade.
Do ponto de vista ambiental, há contribuição na redução da emissão de CO2, mas no aspecto econômico, não é interessante. A matéria-prima para a celulose fibra curta, branqueada, deve ser obtida sem perdas de produtividade. O consórcio pode reduzir o impacto da monocultura, mas a indústria sempre vai buscar maior competitividade.
A Eldorado Brasil, na margem do Sucuriu entrou em operação em 2013, três anos depois da Fibria, incorporada pela Suzano. Ativada a segunda unidade da Suzano em Três Lagoas e estimando a capacidade do Projeto Cerrado, como é chamada a fábrica de Ribas do Rio Pardo, e a fábrica da Arauco em Inocência, Mato Grosso do Sul vai alcançar uma produção anual de 10 milhões de toneladas de celulose anuais. Isso coloca o Estado na liderança, passando a Bahia, que hoje detém o maior volume, com 5 milhões de toneladas.
Números que impressionam
A projeção que se faz para a indústria da celulose em Mato Grosso do Sul é a seguinte:
Das atuais 5 milhões de toneladas, produção salta para 8 milhões de toneladas com a ativação da unidade de Ribas do Rio Pardo. A partir da instalação da fábrica da chilena Arauco em Inocência, volume salta para 10 milhões de toneladas anuais.
A empresa chilena anunciou que a capacidade produtiva da nova fábrica será de 2,5 milhões de toneladas de celulose por ano, com previsão de início das operações para 2028. Antes mesmo da autorização oficial, Mato Grosso do Sul já se preparava para assumir a liderança nacional no setor, impulsionado pelo início das operações da fábrica da Suzano em Ribas do Rio Pardo, além das já existentes em Três Lagoas, pertencentes à Suzano e Eldorado.
A produção combinada destas empresas em Mato Grosso do Sul ultrapassará os 5,5 milhões produzidos atualmente pela Bahia, líder nacional até então. Esse aumento na produção está posicionando o estado como o novo Vale da Celulose. Adicionalmente, a Bracell, reconhecida globalmente pela produção de celulose solúvel especial, também tem investido no estado. Desde o final de 2021, a empresa desenvolve áreas de cultivo florestal em Mato Grosso do Sul para suprir suas fábricas em outras regiões do país.
De acordo com o portal Click Petróleo e Gás, a formação deste cluster de celulose, que inclui algumas das maiores e mais eficientes empresas do setor, está transformando a base econômica do estado, consolidando-o como um centro vital para a indústria de celulose.
Empregos
Com a expansão industrial, Mato Grosso do Sul fortalece sua vocação agrícola ao explorar a silvicultura, essencial para abastecer as indústrias de celulose, agregando valor à matéria-prima local, que se transforma em um insumo crucial para diversos produtos. O governador Eduardo Riedel enfatiza que a transformação econômica do estado demanda uma colaboração intensa entre entidades públicas e privadas, gerando centenas de empregos para a população local.
Riedel ressalta que o estado tem procurado desenvolver projetos em parceria com o setor privado para investir em infraestrutura, como rodovias e ferrovias, com o objetivo de oferecer condições competitivas para esses empreendimentos e gerar mais oportunidades de emprego. Ele acredita que, apesar dos desafios que surgirão nos próximos quatro anos, as oportunidades criadas beneficiarão consideravelmente o estado.
Carlos Altimiras, CEO da Arauco Brasil, informou que as obras de terraplanagem para a nova fábrica em Inocência estão programadas para começar neste mês de julho. Segundo ele, a construção, quando atingir seu pico, deve gerar até 12 mil empregos, representando um desafio para a empresa chilena em termos de contratação de mão de obra.
Brasil é líder na produção e exploração de celulose
Em 2022, o Brasil consolidou sua posição como maior produtor e exportador mundial de celulose, alcançando marcas históricas na atividade florestal e fortalecendo sua liderança no mercado global. O país registrou uma receita anual impressionante de R$ 250 bilhões.
De acordo com dados da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), a produção nacional de celulose em 2022 foi de 25 milhões de toneladas, representando um aumento de 10,9% em relação ao ano anterior. As exportações também cresceram, com um aumento de 22%, totalizando 19,1 milhões de toneladas.
Atualmente, o Brasil mantém quase 10 milhões de hectares de áreas cultivadas com florestas destinadas à produção e 6 milhões de hectares dedicados à conservação de florestas nativas, demonstrando o compromisso do país com a sustentabilidade em suas práticas industriais. A projeção é que em quatro anos Mato Grosso do Sul responderá por 20% de toda área de floresta plantada no país.
Marco histórico da Suzano – Em Três Lagoas, onde tudo começou com a chegada da International Paper, a Suzano, com 14 anos e duas unidades em operação, fechou o ano de 2023 com marco histórico para a companhia, ao atingir 30 milhões de toneladas de celulose produzidas, sendo a primeira fábrica do mundo a alcançar esse marco em tão pouco tempo. Para transportar esse volume até o Porto de Santos (SP) foram percorridos 10 milhões de quilômetros, o suficiente para dar a volta ao mundo 250 vezes.
“Esse marco representa o empenho de todos da nossa equipe e a parceria de sucesso que temos com Três Lagoas e o Mato Grosso do Sul. São 30 milhões de toneladas de celulose com o selo três-lagoense para o mundo, cuja produção, de forma direta e indireta, teve a participação e beneficiou toda a população local. E não estamos falando somente de emprego ou de arrecadação de tributos, mas do desenvolvimento orgânico gerado pela nossa unidade”, destaca Eduardo Ferraz, gerente Executivo da Unidade de Três Lagoas.
A primeira fábrica da companhia entrou em operação no ano de 2009. Na época, eram cerca de dois mil postos de trabalho entre diretos e indiretos, além de centenas de empreendimentos abertos para atender a nova indústria e as novas demandas que surgiram com o desenvolvimento acelerado.
Em 2017, a companhia inaugurou a segunda fábrica, fazendo da Unidade Três Lagoas a maior unidade em capacidade produtiva do mundo, com 3,25 milhões de celulose ao ano, volume que se mantém até hoje. Com isso, o número de colaboradores teve que acompanhar a nova demanda e mais que dobrou: hoje são cerca de seis mil empregos diretos e indiretos, muitos deles destinados ao setor florestal.
Para chegar ao marco de 30 milhões de toneladas, a Suzano colheu nada menos que 100 milhões de metros cúbicos de madeira, o que equivale a algo em torno de 500 milhões de eucaliptos plantados pela companhia ao longo de quase duas décadas.
Atualmente, a Suzano mantém uma base florestal de 599.996 hectares de florestas plantadas de eucalipto e nativas em Mato Grosso do Sul. Deste total, 143.129 hectares são exclusivamente para a conservação da biodiversidade.