Avanço das tecnologias de ia no jornalismo exige profissionais melhor preparados
Com o desenvolvimento acelerado das tecnologias de IA, a ferramenta autônoma vem ganhando espaço no mundo corporativo. Ao redor do mundo, cerca de 50% das redações jornalísticas usam inteligência artificial para otimizar ou até substituir o trabalho de jornalistas, de acordo com a Wan-Ifra (Associação Mundial de Editores de Notícias, na sigla em inglês).
O seu uso não é simples e deveria partir de um acordo entre os coordenadores do veículo e os funcionários, além de uma “alfabetização tecnológica”. É o que afirma Silvio Roberto Mieli, mestre em multimeios e professor no curso de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
“A gente tem que estar dentro do processo, não tem que ser uma coisa disciplinar, a ética é um acordo social”, afirma.
Lilian Ferreira, gerente geral de estratégia e métricas do UOL, defende a incorporação das IAs e define como “mandatória”. “Temos que abraçar novas tecnologias e usá-las para melhorar nossos trabalhos”, afirma.
Para isso, destaca, porém, a necessidade de profissionais “cada vez mais letrados em tecnologia e com capacidade para exercer atividades mais complexas”. “O jornalista que acha que seu trabalho é só apurar, investigar e escrever está preso no tempo”.
Ingrid Fernandes é pós-graduanda em jornalismo de dados e faz parte de um grupo que pesquisa maneiras de integrar inteligência artificial na rotina da redação do UOL. Ela criou um sistema de transcrição de áudio para auxiliar redatores do portal utilizando o sistema de reconhecimento de fala da Whisper, da OpenAI, criadora do ChatGPT. A experiência possibilitou futuros testes e a criação de outras estratégias para o portal.
Outros jornalistas também têm usado IA em sua rotina, mas em menor escala. Milena Casaca, jornalista no mesmo portal, usa o ChatGPT na criação de títulos e nas ideias iniciais de suas pautas. A ferramenta não fornece sempre informações corretas, por isso ela afirma pesquisar em outras fontes que considera confiáveis.
Já Luan Gabriel, jornalista na Record, utiliza IA com pouca intensidade e destaca a importância de fazer perguntas como jornalista. “A IA tem as respostas, mas precisa que sejam feitas perguntas. A nossa função enquanto jornalistas é perguntar”, alega.
Tanto Mieli quanto Fernandes enfatizam a necessidade de revisão crítica, sobretudo no momento em que essas ferramentas estão se estabelecendo sem muitos parâmetros legais e sociais.
Para Lilian Ferreira, o uso desse recurso possibilita a redução de funções manuais e automáticas, como reescrever textos publicados em outros veículos, traduzir e decupar áudios. “Vamos usar a capacidade intelectual humana para fazer o que o robô não faz”, destaca.
“Saber quais perguntas fazer às fontes, quais perguntas do leitor responder e de que maneira, só o bom jornalista sabe. Os estudantes mais do que nunca terão que aprender e estudar como criar um pensamento crítico e analítico para sobreviver neste novo mundo”, analisa.
Mieli considera isso um “desdobramento natural da evolução tecnológica” e alerta sobre os filtros de desigualdade presentes na automação. Ele explica que pela IA ser um recurso criado por pessoas que têm determinados pontos de vista, esse recurso pode sofrer implicações disso.
Nos Estados Unidos, em Berkeley, uma IA usada no campo imobiliário cobrava mais taxas de negros e hispânicos do que de pessoas brancas que moravam no mesmo bairro.
No Brasil, o Senado analisará um projeto de lei para regulamentar a inteligência artificial. O PL 2.338/2023, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estabelece regras para disponibilização e uso de sistemas de IA, define direitos das pessoas afetadas e prevê punições por violações.
Os sistemas serão classificados como de alto risco ou risco excessivo, e a regulamentação será feita pela autoridade competente. O projeto lista atividades consideradas de alto risco e destaca a importância da transparência, envolvimento humano em decisões e prevenção de discriminação.
O professor destaca também a importância de preservar a sensibilidade e a qualidade humana no processo jornalístico.
Assim como Lilian Ferreira, ele afirma que o uso dessa ferramenta em textos mais padronizados, pode “libertar” os jornalistas de um determinado veículo para “cuidar da profundidade, qualidade, criação e relação dessa notícia com outros aspectos”.
Em maio de 2020, o jornal americano The Guardian substituiu parte de seus jornalistas por sistemas de inteligência artificial. Segundo o relatório “Digital News Project: Journalism, Media, and Technology Trends and Predictions 2021”, o fato não se trata de um acontecimento isolado, mas faz parte de uma tendência dentro do jornalismo nos próximos anos.
No momento, os algoritmos de IA têm como principal função vasculhar e classificar publicações em diversos canais, como mídia, redes sociais, relatórios privados e públicos, comunicados, entre outros.
A seção de “comentários” do New York Times, por exemplo, que é moderada por 14 jornalistas que revisam manualmente mais de 11.000 comentários diários, está em processo de ser assumida pelo sistema de IA desenvolvido pela Jigsaw/Alphabet, empresa controladora do Google.
Em maio de 2021, foi debatido o que a inteligência artificial representa para o setor da mídia na Conferência “Artificial Intelligence and the future of journalism: will artificial intelligence take hold of the fourth estate?”, organizada pela Federação Europeia de Jornalistas (EFJ).
Na visão do Mogens Blicher Bjerregard, do presidente da EFJ, as questões mais urgentes a serem enfrentadas são como o uso da IA pode aumentar o risco de ampliar a desigualdade entre os grandes e pequenos veículos de comunicação, necessidade de desenvolvimento de habilidades em dados pelos jornalistas e desafios éticos.
Uma pesquisa recente da World Association of News Publishers (WAN – IFRA), realizada em colaboração com a Schickler Consulting, escancara o cenário de como as redações jornalísticas estão lidando com as Inteligências Artificiais generativas.
O estudo foi realizado entre abril e maio de 2023, com mais de 100 jornalistas e gerentes editoriais para tratar sobre o uso de IAs generativas em suas redações. A pesquisa chegou à conclusão que 49% das redações de jornalismo utilizam ferramentas de IAs parecidas com a do Chat GPT.
Levando em consideração que a grande maioria de Inteligências Artificiais generativas foram disponibilizados ao público recentemente, é bastante notável que quase 50% das redações utilizem estas ferramentas.
Em entrevista ao Tilt UOL, Daniela Braga, CEO e fundadora da Defined.ai, empresa portuguesa que alimenta algoritmos de IA, alegou que esse tipo de engenho é a nova Revolução Industrial.
“É indispensável para todos os setores da indústria e será, nos próximos anos, o que a internet é hoje para nós. Vai afetar todo mundo, em todos os segmentos”, afirmou.