O anfíbio é oriundo de uma localidade no município de Cataguases, em Minas Gerais, e está categorizado como “criticamente em perigo”, segundo a lista Nacional de Espécies Ameaçadas
O colapso climático, a destruição de ecossistemas causada pelo homem e as doenças potencializadas por esses dois fatores levaram dois de cinco anfíbios ao risco iminente de extinção. A conclusão, que revela as ameaçadas na fauna, é de extenso trabalho divulgado pela Revista Nature. Os estudos foram realizados por mais de mil cientistas do várias partes do mundo, entre eles Diego Santana, pesquisador e professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
O trabalho reúne dados científicos produzidos nos últimos vinte anos sobre o status de conservação de cerca de 8 mil espécies de anfíbios, considerados os animais mais ameaçados do planeta. Destas, 41% são classificadas como extintas, criticamente ameaçadas, em perigo ou vulneráveis. A avaliação também conclui que, desde 1980, 120 espécies de anfíbios tiveram melhoria no status de conservação devido a medidas de proteção.
A partir do trabalho, o objetivo é priorizar ações de conservação em nível global e promover políticas de conservação para reverter o grave cenário. Para o professor Diego Santana, reunir dados para além de fronteiras é fundamental na busca por soluções. “Fazer conservação de espécies a nível regional é super importante, mas existem espécies que estão espalhadas em mais de um país e com ameaças em comum. Então juntar esse time de pesquisadores do mundo todo é uma forma extremamente eficiente de planejar como conservá-los”, enfatiza.
A avaliação anterior produzida em âmbito global foi divulgada em 2004 e já elencava diversas ameaças estabelecidas a esses animais, como doenças e destruição dos seus habitats. Segundo o professor Diego Santana, a principal novidade do estudo atual é a avaliação do impacto das mudanças climáticas, que constituem a principal ameaça para 39% dos anfíbios. “Pela primeira vez, a gente está provando que as mudanças climáticas estão causando a extinção de anfíbios agora, no presente. Infelizmente, muitas espécies ainda podem ser extintas pelo mesmo motivo”, alerta.
O Brasil concentra a maior biodiversidade de anfíbios do mundo, sendo lar de mais de 1,2 mil espécies de sapos, rãs, salamandras, entre outros animais. No estudo divulgado em 2004, 37 espécies encontradas no Brasil foram classificadas em algum grau de ameaça. Já de acordo com a publicação atual, 189 espécies se encontram criticamente ameaçadas, em perigo ou vulneráveis. Além disso, 26 espécies foram definidas como possivelmente extintas, já que não foram avistadas em ambientes naturais desde a década de 1980 ou antes.
Os anfíbios são animais que estão tanto no ambiente aquático quanto no ambiente terrestre e, quando encontrados em um determinado ecossistema, são importantes indicadores da saúde ambiental. Segundo Diego Santana, a extinção dessas espécies implica em um grave desequilíbrio para os ecossistemas. “Eles são predadores de vetores de doenças, de pragas de plantações. Se forem extintos, perdemos esses serviços e a saúde dos ecossistemas. Mas precisamos pensar além da importância de um animal para o ser humano para conservá-lo. Se aqueles animais existem é porque tem todo um histórico evolutivo, toda uma carga genética importante do ecossistema que a gente tem que proteger. A gente não pode perder toda essa diversidade”, conclui.
Programa de conservação
Desde 2019 a Fundação Zoológico, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, em parceria com pesquisadores, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), realiza trabalho de proteção da perereca-pintada, para estabelecer uma população ex situ, como estratégia para a necessidade de revigoramento populacional ou reintrodução da espécie na natureza. A iniciativa foi conduzida pelos biólogos Cauê Monticelli, da Fundação Zoológico, Cybele Lisboa, da Reserva Paulista e Clodoaldo Assis, pesquisador da UFV e autor da descrição da espécie.
“A conservação ex situ trabalha com espécies fora do seu habitat natural, usando uma outra localidade para preservar e aumentar essa população ameaçada de extinção”, explica Cybele.
O trabalho foi iniciado no Centro de Conservação de Fauna Silvestre do Estado de São Paulo (CECFAU), uma das unidades da Fundação Zoológico, localizada em Araçoiaba da Serra, interior do Estado. Atualmente são 11 indivíduos da espécie vivendo no processo ex situ, compondo o trabalho de pesquisa.
“Em 2019 estávamos em busca de indivíduos fundadores para compor a população ex situ inicial, etapa que foi finalizada em 2021. Nosso próximo passo é trabalhar para que a reprodução da espécie ocorra fora do seu ambiente natural”, informa Cauê.
Os pesquisadores que trabalham com a espécie em campo acreditam que a perereca-pintada corre risco de extinção em curto espaço de tempo sendo, portanto, o manejo ex situ (sob cuidados humanos) é altamente recomendado e urgente. Dessa forma, ela foi incluída na lista de 25 espécies prioritárias do Programa de Manejo ex situ de Espécies Ameaçadas da AZAB (Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil), em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade).
Neste programa, a Fundação Zoológico foi escolhida como detentora do Studbook da espécie, uma ferramenta para gerenciar populações em cativeiro. Para dar andamento às ações, formou-se a parceria entre pesquisadores da UFV e técnicos do Zoológico de São Paulo com o objetivo de desenvolver um protocolo de manutenção e reprodução da espécie sob cuidados humanos.
O anfíbio é oriundo de uma localidade no município de Cataguases, em Minas Gerais, e está categorizado como “criticamente em perigo”, segundo a lista Nacional de Espécies Ameaçadas. Pelo fato de a espécie ocorrer em apenas uma área pequena, não protegida e com diversos impactos antrópicos conhecidos, as estratégias de conservação ex situ foram definidas como prioritárias para evitar a extinção.
A perereca-pintada contribui com o equilíbrio do ecossistema e das interações ecológicas naturais a partir da integração na cadeia alimentar. Cybele ressalta outra característica fundamental do anfíbio. “Além de servir como recurso alimentar para espécies de répteis e mamíferos por exemplo, ela atua no controle natural dos insetos, pois se alimenta de invertebrados.”
“O grande benefício do trabalho é evitar a extinção de mais uma espécie. Afinal, estamos vivendo um período de defaunação e extinção relacionadas ao Antropoceno, com florestas cada vez mais vazias e com perda considerável de biodiversidade”, finaliza o biólogo Cauê Monticelli.
Com texto de Alíria Aristides e informações da Fundação Zoológico de São Paulo, Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Centro de Conservação de Fauna Silvestre de SP.. Fotos: Diego Santana – Arquivo Pessoal e UFV e Centro de Conservação de Fauna Silvestre – SP