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Nomes aos bois

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Por Nelson Araújo Filho*
Nelson Araújo Filho

No mais recente episódio de incêndio e ocorrendo em parte da planície pantaneira, assistimos com apreensão as diversas versões que divulgam os grupos de interesses. Os conflitos, seus erros sistemáticos no estágio atual, não estão construindo solução que a preservação do patrimônio natural demanda diariamente. A desinformação dá cor ao alarde. A começar pelo fato de que o Pantanal não está sendo consumido por incêndios. Existem focos sim, mas exclusivos de uma parte menor da planície, sem atividade econômica, isolada, desabitada e de difícil acesso (não por coincidência, ocupada grandemente por reservas públicas e particulares: reino do proibido e o paraíso do fogo). Um pantanal diferente e desconhecido.

Estamos referindo ao Y do Alto Paraguai, verdadeiro corredor de extremos, região delineada pelos rios Paraguai e Cuiabá – São Lourenço e respectivos terrenos marginais, entre o sul de Cáceres e Poconé até Corumbá.

Assim tem sido desde 2020. A causa direta deve ser atribuída ao assoreamento dos rios e o início de um novo ciclo de seca na planície. Pelo assoreamento, a areia indevidamente derramada do planalto expulsou, para largas extensões laterais, as águas que deveriam estar nas calhas dos rios, provocando o alagamento permanente desses terrenos, que assim permaneceram por várias décadas. Nos ciclos de predominância, água e seca alternam influência na dinâmica da vida no Pantanal.  É uma característica da região observada por quem vive ou conhece o Pantanal. De 1975 à 2019 assistiu-se o ciclo de predominância das águas, com diversas cheias de porte e sem registro de estiagem enxugando os campos que haviam sido alagados no período. Anteriormente, de 1959 à 1974, foi observado o predomínio da estiagem. O Pantanal inteiro era só areia e campinas sem alagados permanentes sobre elas.

Todavia, em 2020 a situação mudou. O fluxo de água oriundo do planalto, ao norte, diminuiu drasticamente. O rio Paraguai e seus afluentes, Cuiabá – São Lourenço, foram atingidos de tal modo que o volume disponível coube integralmente nas calhas. As águas que eles haviam espalhado, escoaram de volta ou foram consumidas pela evaporação.

Os campos nos períodos, longos anos, de alagamento viram proliferar abundante vegetação aquática, mesmo nos espelhos d’água, onde brotam as plantas. Quando elas foram embora, camalotes, aguapés e baceiros de capim morreram, secaram e queimaram. Como tinha muito para queimar, tanto maiores foram os incêndios que, a propósito, estouraram em março, junto com a pandemia, em pleno mês de início da cheia, a qual naquele ano e no seguinte não deu o ar de sua graça.

Os incêndios de novembro passado não são diferentes. Temos uma situação de seca que avançou no período de início das águas, agravada por ondas incomuns de calor. Parte dos alagados que haviam recuperado as águas, outra vez secaram e chamaram de volta o fogo, com diferença na quantidade, menor, de material de combustão impactando no vigor e repique. As imagens de satélites da NASA e UFRJ atestam o que dizemos. E o conhecimento do status e da morfologia das áreas impactadas pela areia concluem o suporte.

O fogo nas proximidades da BR-262 está fora do eixo que referimos acima, mas ocorre em região de mesmo perfil, sendo ainda de mais fácil visualização e compreensão. Naquele local, por décadas o alagamento proporcionou entretenimento de pesca e de observação de jacarés às margens da estrada. É uma lembrança recente e comum. Ocorreu a estiagem em 2020, o brejo secou, queimou e não se recuperou totalmente. Tornou a secar e ardeu em 2023. Como “local”, não é extenso, é desabitado, sem atividade econômica, inacessível para além do corte da rodovia e só por causa dela, uma exceção, deixou de ser isolado.

Nesse cenário pantaneiro, restrito e específico, surgem os focos de incêndio

Compreender o contexto do fogo, permite avaliar os efeitos da devastação que ele sempre estabeleceu.

O que quer possa parecer, durante a ocorrência do incêndio, o certo é que, como mostra o exemplo da BR-262, as perdas não são definitivas e a recuperação surpreende. O mesmo trecho de hoje também queimou espetacularmente em 2020 e nos dois anos seguintes apresentou recuperação bem diversa do previsto no drama divulgado a época.

Também merece um olhar mais cuidadoso as estatísticas de danos a fauna de pequeno porte em diante, em se tratando de incêndio em áreas alagadas recentemente atingidas pela seca. No caso ficamos indagando que quantidade de população teria ali se instalado em tão pouco tempo no lugar dos peixes e anfíbios.

Pantanal é assim mesmo. Lugar de extremos. Tem suas defesas ainda incompreendidas.

Lógico que não advogamos minorar genericamente efeitos de danos. Alertamos para os exageros do empoderamento do oposto. Para a valorização indevida da devastação (como os jornais de antigamente com manchetes pingando sangue). As regiões do Morro do Azeite e do Buraco da Piranha invocamos como nossas testemunhas imediatas.

Para o restante, clamamos por pesquisa abrangentes que investiguem a invasão das areias e por um estudo acerca dos efeitos da introdução da pecuária no Pantanal.

Vamos desmistificar e dar nomes aos bois.

(*) Nelson Araújo Filho é ativista ambiental e diretor do Instituto Agwa, focado em Soluções Sustentáveis no Pantanal

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