Ação de partículas carregadas de antibióticos e outros compostos antimicrobianos em células infectadas pela bactéria causadora da doença é capaz de reverter o quadro de resistência aos medicamentos
País com o maior número de casos de tuberculose notificados nas Américas, o Brasil registrou cerca de 78 mil infectados em 2022, de acordo com o Ministério da Saúde, quase 5% a mais que no ano anterior. Além do aumento da incidência, a doença transmitida pela inalação do bacilo Mycobacterium tuberculosis, que atinge os alvéolos pulmonares e provoca inflamação nos tecidos, preocupa pelo surgimento de cepas multirresistentes aos medicamentos disponíveis. Entre as novas estratégias apontadas como promissoras por cientistas de todo o mundo está o uso de nanotecnologia.
O estudo da Unesp, financiado pela FAPESP (projetos 20/16573-3, 22/09728-6 e 23/01664-1), analisou a atividade antituberculose de nanopartículas feitas de N-acetilcisteína-quitosana (combinação entre um fármaco e o composto natural extraído de exoesqueletos de camarões) funcionalizadas com peptídeos antimicrobianos – nesse caso, provenientes da secreção da pele de uma espécie de sapo encontrada no Cerrado brasileiro e carregadas com a tradicional droga rifampicina.
Os resultados obtidos indicam uma potente ação inibitória de Mycobacterium tuberculosis e a reversão da resistência ao medicamento, sem causar danos e lesões às células – o estudo foi realizado com fibroblastos (células do tecido conjuntivo) e macrófagos (células imunológicas) in vitro.
“Apesar de a rifampicina já ser considerada obsoleta para certas cepas da bactéria causadora da tuberculose, em nosso estudo ela foi reaproveitada e otimizada com peptídeos antimicrobianos que possuem atividade comprovada contra a doença”, diz Laura Maria Duran Gleriani Primo, primeira autora do trabalho, bolsista de iniciação científica e estudante do curso de graduação de farmácia da Unesp.
“Esses peptídeos interagem com diversos receptores em diferentes localizações da bactéria, tanto na membrana quanto no periplasma [matriz localizada entre a membrana citoplasmática interior e a membrana bacterial exterior na bactéria], e mostraram capacidade de revitalizar a rifampicina, que passou a ter ainda mais atividade dentro dos macrófagos”, completa Cesar Augusto Roque Borda, doutorando do Programa de Biociências e Biotecnologia Aplicadas à Farmácia da Unesp e coorientador do estudo.
Perspectivas
O tratamento convencional da tuberculose requer o uso concomitante de diversos tipos de antibióticos e dura aproximadamente seis meses. Esse tempo pode ser ampliado para até dois anos, de acordo com a resposta do hospedeiro e a resistência da bactéria. A ideia dos pesquisadores é que o sistema desenvolvido minimize esse prazo.
“Por meio desse estudo, já sabemos que é possível inserir nos macrófagos uma concentração considerável de antibiótico e peptídeos, suficiente para potencializar o tratamento”, diz Fernando Rogério Pavan, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp e coordenador do estudo. “Para o futuro, a expectativa é avançar os estudos para que se possa utilizar esse tipo de sistema nanotecnológico também com outros fármacos, inclusive os de liberação lenta. Desse modo, o paciente não precisaria ingerir a medicação diariamente.”
O próximo passo dos pesquisadores será confirmar in vivo os resultados obtidos em células e estudar o uso das nanopartículas em outras doenças de longa duração, que também requerem períodos de tratamento prolongados.
O artigo Antimicrobial peptides grafted onto the surface of N-acetylcysteine-chitosan nanoparticles can revitalize drugs against clinical isolates of Mycobacterium tuberculosis pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0144861723009141?via%3Dihub.