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MS é o estado que mais elegeu mulheres ao Senado, revela pesquisa

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A hereditariedade no Senado, que completa 200 anos com homens e herdeiros políticos ocupando a maioria das cadeiras

Por Lucas Pordeus León – ABr

O Senado Federal completa 200 anos nesta segunda-feira (25), com predominância de parlamentares homens e herdeiros políticos. Desde a redemocratização até a última eleição, cerca de dois em cada três senadores eleitos vieram de famílias políticas. Além disso, nove de cada dez eleitos são homens. Apenas quatro mulheres negras foram eleitas para o Senado entre 1986 e 2022.

No recorte da pesquisa relacionado a gênero, Mato Grosso do Sul aparece como o estado que mais elegeu mulheres. Segundo o levantamento, o Senado foi e ainda é dominado por homens, que ocupam 89% dos cargos disputados entre 1986 e 2022. Os estados do Amapá e Piauí, por exemplo, nunca elegeram uma senadora. Quem mais elegeu mulheres foi Mato Grosso do Sul, com quatro mandatos: Marisa Serrano (PSDB), Simone Tebet (MDB), Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (Podemos), sendo que apenas a última não possui vínculos político-familiares, de acordo com a pesquisa.

Dos 407 mandatos disputados nesse período, 274 deles, o equivalente a 67% dos cargos, foram ocupados por pessoas com vínculos familiares com políticos já eleitos. Com isso, os senadores acabam herdando o capital político da família e se elegem apoiados pelo sobrenome. Esse levantamento é parte da pesquisa do cientista político Robson Carvalho, doutorando da Universidade de Brasília (UnB).

“O que a gente tem na prática é que, muitas vezes, a condução das instituições públicas é tratada como se fossem capitanias hereditárias, distribuídas e loteadas para quem apoia aqueles grupos político-familiares e também tratam os gabinetes como se fossem a cozinha de suas casas”, destacou o especialista.

Além disso, das 407 vagas disputadas, 363 foram ocupadas por homens, o que representa 89% dos mandatos disputados nas urnas. Apenas 44 vagas foram ocupadas por mulheres. Já as mulheres negras foram apenas quatro: Marina Silva, eleita duas vezes pelo PT do Acre, Benedita da Silva (PT-RJ), Eliziane Gama (PSD-MA) e Fátima Cleide (PT/RO).

“São resultados indicativos da reprodução das desigualdades políticas e prejuízos ao recrutamento institucional, à igualdade de disputa, à representação de gênero e raça; à edificação de uma democracia plural”, conclui o artigo do especialista, que foi apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Sociologia, em julho de 2023.

Para Robson Carvalho, a pesquisa mostra que o Senado é majoritariamente ocupado por famílias poderosas. “Parecem suceder a si mesmas, como numa monarquia, onde o poder é transmitido por hereditariedade e consanguinidade”. Segundo o analista, isso traz prejuízos à representação democrática do povo brasileiro.

“Grupos que lá também poderiam estar representados: mulheres, negros, quilombolas, indígenas, indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, dentre outros. Isto ocorre em detrimento do acesso, quase que exclusivo, de homens brancos, empresários, originários de estratos superiores da pirâmide econômico-social e de famílias políticas”, afirma o artigo.

Segundo o cientista político Robson Carvalho, o fenômeno do familismo “está presente nos mais diversos partidos de todos o espectro político, da direita à esquerda”, mas nem por isso deve ser naturalizado.

Entre os políticos que estiveram no Senado entre 1986 e 2022 com ajuda da herança política estão Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; Lobão Filho (MDB-MA), filho do ex-senador Edison Lobão; Renan Filho (MDB-AL), filho do atual senador Renan Calheiros; Ronaldo Caiado (União-GO), neto de Antônio Totó Ramos Caiado, ex-senador por Goiás na década de 1920; e Rogério Marinho (PL-RN), neto do ex-deputado federal Djalma Marinho.

Outros parlamentares que entraram no Senado no período e são de famílias de políticos eleitos são Flávio Dino (PSB-MA), Roberto Requião (MDB-PR), Flávio Arns (PSB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Romeu Tuma (PL-SP), Espiridião Amim (PP-SC), Jorginho Mello (PL-SC), Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), Otto Alencar (PSD-BA) e Davi Alcolumbre (União-AP).

Todas as regiões

A pesquisa destaca que a herança política é uma realidade de todos os estados e de todas as regiões do país. “Não é uma característica só do Nordeste, como muita gente acha, ligada ao coronelismo lá na região”, destacou o doutorando.

No estado de São Paulo, por exemplo, dos 15 mandatos disputados para o Senado entre 1986 até 2022, nove foram de pessoas identificadas como de famílias-políticas. Mesmo número do Rio de Janeiro, o que representa 60% do total de mandatos disputados na urna.

No Paraná, 13 dos 15 senadores eleitos no período são de famílias políticas. O Rio Grande do Sul tem o menor percentual de eleitos com ajuda do capital político da família. Apenas 4 dos 15 mandatos foram ocupados com a ajuda da herança política das famílias no estado gaúcho, o que representa 26% do total. Dois estados aparecem com 100% de eleitos com vínculos político-familiares: Paraíba e Piauí.

Robson Carvalho destacou ainda que o fato de nascer em famílias com grande capital político já constitui uma vantagem, “tendo em vista a herança simbólica, o acesso a diversos capitais, que vão sendo construídos desde a infância, no espaço em que o agente se encontra posicionado”.

Mulheres

Além de Mato Grosso do Sul, elegeram mais mulheres os estados de Sergipe (SE) e do Rio Grande do Norte (RN), três vezes cada. No caso de Sergipe, foram três vezes a mesma mulher: Maria do Carmo Alves (DEM), marcada pela presença de capital político-familiar.

O Rio Grande do Norte elegeu três mulheres, duas com capital político-familiar, Rosalba Ciarlini (DEM) e Zenaide Maia (PROS) “respectivamente membro de longevas e entrelaçadas famílias políticas (Rosado e Maia) e Fátima Bezerra do PT, professora, de origem popular e sem conexões com famílias políticas”.

“Considerando os dados por região, o Nordeste elegeu mais mulheres por mandato, chegando a 13, seguido das regiões: Norte, com 12; Centro-Oeste, com 10; Sudeste com 5; e, por último, a região Sul, elegendo apenas quatro mulheres”, acrescenta o estudo.

Robson Carvalho conclui que essa realidade enfraquece a democracia brasileira. “Como é possível pensar em República sem representação de negros e mulheres que são a maioria da população, de índios que são os povos originários da nação e de cidadãos de origem popular que são a grande maioria dos brasileiros?”, questiona.

Não importa a ideologia

Em um outro artigo, assinado por Maria Cristina de Queiroz Nobre, doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), a herança familiar na política é abordada como uma situação “fundante, definindo a composição do poder governamental e parlamentar em suas várias instâncias”.

Situação exemplar, dentre tantas, é o longínquo domínio da família Sarney no Maranhão que perdurou por 50 anos. Há situações em que uma mesma família tem passagem na política desde o Brasil Colonial ou no Império e mantém representações ainda hoje na Câmara de Deputados e/ou Senado.

Se essa característica da política brasileira vem de longe em setores mais conservadores, na atualidade é extensiva a partidos progressistas. No Acre o PT tem estado à frente do governo em quatro mandatos sob a liderança dos irmãos Jorge Viana (eleito em 1998 e 2002) e Tião Viana (2010 e 2014), enquanto os dois também se revezaram no Senado Federal.

No Ceará os irmãos Ciro e Cid Ferreira Gomes (PDT) marcaram presença no comando do governo estadual: o primeiro com um mandato (1990-1994) e o segundo no período de 2007 até 2014. Os dois tiveram também passagem pelo legislativo estadual, assim como o terceiro irmão Ivo. A família tem longa tradição em Sobral, onde Cid foi duas vezes prefeito (1997-2003), o pai Euclides governou de 19771983 e o bisavô foi o primeiro intendente no período republicano. As eleições de 2016 mantiveram o comando municipal de Sobral diretamente com o clã em função da vitória de Ivo Gomes (2017-…), enquanto os outros três mandatos do intervalo estiveram com aliados próximos.

O pertencimento a famílias com tradição na política viabiliza o ingresso nas estruturas de poder político por acessar o capital político construído como o negócio da família. Há que se questionar essa prática, a despeito da tradição e do perfil ideológico do grupo familiar e/ou suas lideranças, isto porque se perde o princípio da igualdade de condições para outros sujeitos postularem mandatos no parlamento e no executivo e expressarem outros interesses ou compromissos mais amplos.

A força da herança familiar persistindo nos processos eleitorais provoca discussão sobre o caráter e os limites da democracia brasileira, reflexão necessária em meio ao cenário de crise política e institucional em curso desde os primeiros episódios que envolveram a perda de mandato da Presidenta Dilma Rousseff. O golpe à democracia foi deflagrado pela mídia e por mobilizações de ruas organizadas por lideranças e grupos conservadores, concretizado por processo duvidoso no âmbito parlamentar e consubstanciado pela omissão do judiciário frente às ilegalidades do impeachment.

O cenário da crise expôs as fraturas do Brasil com a intensa polarização entre as classes sociais; tornou nítido o caráter patrimonialista de mandatos parlamentares e a submissão da pauta do legislativo a segmentos do capital; mostrou o desconhecimento da sociedade brasileira quanto à composição do parlamento. No geral, essa crise revela os limites da democracia e o inconcluso processo de revolução burguesa no país ao tempo em que tem permitido novo ciclo de contrarreforma neoliberal com fortes impactos nos direitos sociais e trabalhistas.

Texto editado pela Agência 24h com acréscimo de informações
Foto do destaque: Marcos Oliveira – Agência Senado

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