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Mestiçagem na música e na comida. O lado paraguaio de MS

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A música e a culinária são os principais componentes da ‘genética’ cultural em Mato Grosso do Sul.

Num estado de tanta diversidade humana e ambiental, a cultura também é uma verdadeira colcha de retalhos de costumes e tradições

Mato Grosso do Sul é um desses estados de identidade mestiça, que se afirmam sobretudo pela música e suas comidas. As músicas associadas a polcas, guarânias, sertanejo e rock embalam um cardápio plural e exótico na culinária que nasceu híbrida, com produtos e preparos portugueses, indígenas, africanos, asiáticos e hispânicos.

Arroz-carreteiro, principal ingrediente do Quebra-Torto, prato típico pantaneiro. O carreteiro também é o prato das comitivas que conduzem o gado no Pantanal.

Em Mato Grosso do Sul é possível reunir, numa única mesa, o sobá da região central, o porco no rolete apreciado ao norte, a sopa paraguaia comum no sul, a linguiça típica no sudoeste, o peixe a pantaneira na telha do lado oeste e o arroz com guariroba e frango ao molho pardo com quiabo e pimenta malagueta, além do arroz com pequi herdados dos vizinhos mineiros e goianos.

No café da manhã tem que ter o tradicional quebra-torto – um verdadeiro almoço, onde se inclui de tudo, da linguiça ao ovo frito, arroz carreteiro com sopa paraguaia, chipa, lambreado (bife com ovo e farinha de mandioca) e ensopado de batata e carne.

Sobá – Patrimônio histórico-cultural imaterial de Campo Grande

Na cozinha sul-mato-grossense se destacam, ainda, o churrasco com mandioca, o pastel com caldo de cana, caldos de piranha e o popular “puchero”, trazido do Paraguai.

Alguns pratos, no entanto, têm a preferência em todas as regiões – chipa (pão de queijo frito ou assado), churrasco com mandioca e “sopa” paraguaia, que na verdade é um bolo de queijo, milho e cebola, iguaria indispensável na mesa dos sul-mato-grossenses. Tudo isso depois de uma roda de tereré, a bebida mais popular no Paraguai.

O tereré usa a mesma erva-mate do chimarrão gaúcho, mas se toma com água bem gelada

O tereré se toma na guampa, mas não é chimarrão. Tem que ser com água bem gelado, diferentemente do mate gaúcho, servido com água fervente, na chaleira. Outros dois costumes ‘importados’ são a chipa e a sopa paraguaia.

No auge da ferrovia, a cada estação os passageiros disputavam as vendedoras de chipa. Hoje ela é vendida nas ruas, em feiras e até pontos de ônibus, padarias e mercearias.

Existem algumas teorias quanto ao surgimento da bebida, a mais aceita é que durante a Guerra do Paraguai os soldados não podiam fazer uma fogueira para esquentar a água, justamente porque a fumaça que seria emitida poderia entregar sua localização para os inimigos. E foi aí que surgiu a ideia e o hábito de consumir a erva com a água fria. Nos dias atuais, a bebida é consumida em momentos de recreação e tranquilidade, conectando as pessoas e celebrando amizades.

Chipa paraguaia

A influência da culinária paraguaia tem razão de ser. O estado abriga 300 mil paraguaios, dos quais 80 mil concentrados em Campo Grande, região central, de onde essa cultura se espalha e impregna nos costumes sul-mato-grossenses, pois é cada vez mais aceita pela população.

A gastronomia sul-mato-grossense reflete toda mestiçagem que existe no Estado. Se o tereré virou uma instituição, a chipa é frequente na mesa e a sopa paraguaia apreciada pela maioria, mesmo realçada com a regionalidade que altera, mas não muda, a essência do prato.

Da Bolívia, Corumbá, no coração do Pantanal, herdou a saltenha, uma versão de empanado típico da cidade de Salta, no nordeste argentino e que guarda similaridade com a esfiha, trazida pelos árabes e incorporada à gastronomia sul-mato-grossense.

A história credita sua “criação” à Juana Manuela Gorriti, famosa escritora argentina e natural de Salta, exilada em 1831 em Tarija, sul da Bolívia, que adaptou a receita de empanadas de seu país para se sustentar na terra estrangeira

A saltenha nasceu na Argentina, mas ganhou nome e fama na Bolívia. Como o país faz fronteira com o Brasil, essa espécie de pastel assado ganhou o paladar também dos sul-mato-grossenses, e claro, um toque especial.

Sopa paraguaia

No Sul de MS é perfeitamente normal ligar o rádio e ouvir o apresentador falando em guarani, ir à padaria para comprar chipa e á tarde compartilhar de uma roda de tereré bem gelado com amigos. Em dias de calor escaldante, não há quem recuse o programa. Ao entardecer já virou coisa corriqueira as famílias e amigos irem para frente das casas tomarem a bebida e jogar conversa fora. Mesmo nas repartições públicas, escritórios e empresas particulares o tereré é apreciado, do patrão ao empregado.

Assim como o tereré virou instituição em Mato Grosso do Sul, o sobá trazido pelos descendentes japoneses de Okinawa também é prato obrigatório nos restaurantes e é largamente consumido nas feiras livres da Capital, sempre às quartas-feiras e sábados.

Almir Sater é o principal artista da música pantaneira

Música – Da época de ouro da música paraguaia à viola de Almir Sater, a música sul-mato-grossense tem muito a ver com o Pantanal e sofreu muita influência da viola do cocho na fronteira com a Bolívia e, sobretudo, do violão e da harpa. Não se faz festa em Mato Grosso do Sul sem uma dupla de paraguaios tocando harpa e violão. Mesmo não tendo destaque na grande mídia, a música do Paraguai influenciou demasiadamente os compositores regionais.

Artistas como Paulo Simões, Geraldo Roca, Geraldo Espíndola, Almir Sater e Marcelo Loureiro flertam com guarânias, polcas e chamamés, misturam o guarani com o português e utilizam fatos da história como inspiração. Daí a referência em suas letras sobre ‘a fronteira em que o Brasil foi Paraguai’. Influenciados por esta trupe, surge a polca-rock levando ao extremo a fusão dos ritmos paraguaios com ska, reggae, funk, blues e rock’n roll. E a efervescência musical mistura o sertanejo raiz.

Outro costume que vem do Paraguai é o sapucai. A palavra quer dizer grito em guarani e são aqueles urros que se dá quando começa uma música agitada. Em MS bastam os primeiros acordes de uma polca paraguaia para alguém puxar os gritos. Os paraguaios usavam o sapucai também como sinal na lida do gado.

Em Assunção, diz-se que o sapucai vem de antes, como grito de guerra, quando os índios guaranis partiam para as batalhas, o que os soldados paraguaios também faziam nas sangrentas batalhas que tiveram com brasileiros, uruguaios e argentinos na Guerra do Paraguai.

Municípios sul-mato-grossenses como Ponta Porã, Porto Murtinho, Miranda, Bela Vista, Jardim e Maracaju foram tomados dos paraguaios após a guerra. Até a cidade de Nioaque, que fica a 200 km de Campo Grande, tudo era Paraguai, esta é a verdade. Por isso, nem podia ser diferente: o sul-mato-grossense é o brasileiro mais paraguaio do país.

Chamamé, dança no ritmo da integração com os vizinhos argentinos e paraguaios

Integração – A pluralidade, especialmente da música, porém, é a grande motivadora da integração de culturas. Durante todo ano o estado promove essa integração, por meio de festivais e festas regionais. Um deles é o Festival América do Sul |Pantanal, onde se encontram a música, dança, artesanato e preocupações comuns em relação ao desenvolvimento econômico e social, além do meio ambiente, já que essa convergência se dá no coração do Pantanal.

Geraldo Espíndola, compositor e embaixador da música de MS

No calendário cultural estão o Festival de Inverno de Bonito, que associa arte com o meio ambiente, o Banho de São João, que marca a religiosidade do povo de Corumbá, Festa Junina, que mantém a tradição dos paulistas que povoaram o nordeste do Estado, a Festa da Linguiça, em Maracaju, o Porco no Rolete, em São Gabriel do Oeste, Festa do Peixe, em Corumbá, e em Dourados e Itaquiraí, num outro extremo de Mato Grosso do Sul.

Mapa gastronômico – A degustação de pratos típicos em Mato Grosso do Sul segue um roteiro regional. São 11 pratos nos cardápio principal e uma variedade de iguarias regionais – feijão-tropeiro, arroz boliviano, quebra-torto, saltenha, sarravulho, churrasco de chão, pudim de peixe, paçoca pantaneira, caribéu, macarrão de comitiva, peixe à urucum, caldo de piranha, furrundu e frutos do cerrado

Campo Grande – O sobá está presente em outras cidades, mas é em Campo Grande, na Feira Central, onde a degustação se tornou tradicional. Como iguaria tradicional, o prato foi foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e adquiriu o status de bem cultural de natureza imaterial de Campo Grande.

Pantanal -Na gastronomia pantaneira destacam-se os peixes Pacu, Pintado e o Dourado que podem ser fritos, cozidos ou assados além do caldo de piranha. O churrasco com mandioca e a carne seca, o tereré, a chipa, a sopa paraguaia, a saltenha e a bocaiúva também fazem parte da rica gastronomia do Pantanal.

Serra da Bodoquena – Os principais pratos que podem ser degustados na região de Bonito são o arroz carreteiro, sopa paraguaia, chipa, churrasco, licor e palmito de Bacurí, frango com palmito de Bacurí, doce de Jaracatiá, locro, escondidinho de mandioca com carne seca, mandioca, maionese de mandioca e marmelada.

Região Norte – Na parte norte do Estado destacam-se destacam-se na culinária regional a paçoca de carne seca, feita com carne-de-sol e farinha de mandioca socada no pilão, prato este, colocado em segundo lugar na Feira Internacional  do I Salão de Turismo de Mato Grosso do Sul; o empamonado, pirão de carne, perfumado com pimenta bodinho, churrasco com mandioca, arroz carreteiro com pequi, com guariroba, e variados pratos à base de peixe.

Costa Leste – Como em todo o estado, o churrasco é um dos principais pratos também na chamada região do Bolsão, na costa leste do Estado. Tão característico que todos os anos, durante a Festa do Peão em Aparecida do Taboado, o Taboadão, é realizado um campeonato de Churrasco que reúne gente de todo o país. Selvíria é outro município que possui uma competição do gênero. Em Santa Rita do Pardo o prato típico é a carne de sol, que possui inclusive uma grande festa onde são apresentadas as variedades feitas no município.

Nova Andradina – Com uma cultura também diversificada, a culinária de Nova Andradina e região recebeu muita influência do processo migratório, dos pescadores do rio Paraná e da bovinocultura do interior de São Paulo, sendo apreciado cardápio variado de peixes, o tradicional churrasco de carne bovina servido com mandioca, a vaca atolada e o puchero.

 

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