Porto Murtinho ganha mais importância com a perspectiva de conexão com a Rota Bioceânica. Embarques de grãos no terminal cresceram mais de 400% no ano passado
Por Agência 24h
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) só aguarda parecer do Tribunal de Contas da União para avançar no processo de concessão da Hidrovia do Paraguai. O Plano Geral de Outorgas Hidroviário, apresentado em março para a Marinha, coloca o rio Paraguai, uma das mais antigas vias navegáveis do país, entre as prioridades, principalmente pela viabilidade econômica.
O grupo ou empresa que assumir a administração da hidrovia não poderá, segundo o Plano, cobrar frete com preço acima da tarifa atual, mas tem pela frente a perspectiva de um negócio muito rentável. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o volume de soja e milho transportado pelo modal hidroviário no país saltou de 3,4 milhões de toneladas em 2010 para 30 milhões de toneladas no ano passado, um crescimento de 782,35%.
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Segundo o diretor-geral da ANTAQ, Eduardo Nery, nenhuma hidrovia será leiloada caso o valor do frete pós licitação somado com o valor da tarifa seja maior que o frete cobrado atualmente na hidrovia. “O início da cobrança do frete nas hidrovias só vai acontecer após a implementação e operação do concessionário que vencer o leilão”.
Porto Murtinho
Segundo o Anuário Agrologístico 2024, Porto Murtinho é um dos terminais que registraram expressivo aumento no embarque de grãos. Mato Grosso do Sul elevou em mais de 80% o transporte de cargas pela hidrovia, atingindo quase 1,6 milhão de toneladas. Desse montante, o destaque foi o minério de ferro com mais de 1,3 milhão de toneladas, seguido pela soja que saiu justamente de Porto Murtinho e superou 153 mil toneladas no primeiro trimestre de 2023, um salto de mais de 400% na movimentação de cargas no terminal, que já é considerado o principal entreposto do tramo sul da Hidrovia.
O fato novo é que Murtinho será o portal da Rota Bioceânica, o que vai levar ao redimensionamento do terminal, que passará a movimentar cargas na descida e na subida da hidrovia. Produtos exportados pelo tramo norte, a partir de Cáceres, em direção ao Atlântico, que seguiriam para Nova Palmira (Uruguai) e Argentina, passarão a ter a Bioceânica como alternativa.
Mas essa perspectiva ainda está condicionada à melhoria do nível do rio Paraguai. Há expectativa de que os embarques de grãos retomem os índices de 2023 com tendência de aumento. De acordo com o Centro de Hidrografia e Navegação do Oeste, Murtinho tem hoje o melhor nível no curso do rio Paraguai, embora não seja ideal para repetir a movimentação de cargas do ano passado.
Equipe do porto FV, em Porto Murtinho, confirma que a movimentação de barcaças está aquém de 2023, quando as exportações de soja estavam a todo vapor. “As chuvas atrasaram e o rio não tem água suficiente, mas temos a expectativa de melhora”, informa a gerência do porto.
O nível do rio em Porto Murtinho neste sábado, 1º de junho, estava em 2m17. No começo de maio, chegou a quase 3m, índice bem superior aos registrados em Ládário e Corumbá, de 1,41, e Cuiabá, com a régua medindo 0,99 (veja abaixo alerta da Marinha emitido em março sobre a previsão de seca).
Para a ANTAQ, por se tratar de uma das mais antigas vias navegáveis do país, com movimentação de carga consolidada e potencial para aumentar em pelo menos quatro vezes o atual volume, a futura concessão da Hidrovia Paraguai impulsionará o transporte de commodities agrícolas e minério de ferro, uma tendência que já vem sendo sentida. “São projetos importantes para o Brasil, tendo em vista que hidrovias são a última fronteira para o desenvolvimento da infraestrutura”, diz o diretor-geral da ANTAQ, Eduardo Nery.
O volume de soja e milho transportado pelo modal hidroviário no país saltou de 3,4 milhões de toneladas em 2010 para 30 milhões de toneladas no ano passado, um crescimento de 782,35%. Em termos percentuais, este modal, que representava 8% em 2010, chegou a 23% em 2022 e 19% em 2023, segundo o Anuário Agrologístico elaborado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O documento mostra que este crescimento verificado acompanha a maior participação dos portos do Arco Norte como canal de escoamento dos grãos no país.
Já o escoamento de minério tem mais impacto quando o nível do rio Paraguai está baixo. Transportar minério pela Hidrovia até a Argentina se torna menos competitivo, mais ainda é mais barato que o transporte rodoviário. Normalmente, cada barcaça é carregada com 3 mil toneladas de minério de ferro e o comboio sai com 16 a 20 barcaças para exportação. Atualmente, só é possível carregar mil tonelada por barcaça.
Porto privados – De acordo com a empresa pública federal Infra S.A., os pedidos para autorização de instalações portuárias privadas após a promulgação da Lei dos Portos saltou de 3 em 2013 para 75 em 2014. Já a partir de 2015 essas solicitações por ano aumentaram em cerca de 4 vezes se comparadas com o período anterior da nova legislação. Atualmente, o país conta com 253 Terminais de Uso Privado (TUPs) e 247 Terminais Públicos.
O modal hidroviário possui um custo mais barato ao possibilitar o transporte de grande volume de grãos em uma única viagem, o que reduz a quantidade de caminhões a serem contratados pelo produtor. “Nós temos um crescimento de logística nos Rios da Amazônia que faz uma redução de custo, uma melhoria de receita ao produto e, sobretudo, não podemos esquecer que reduz o tempo de caminhão na estrada, com isso menos produção de produtos [gases] que possam afetar o meio ambiente”, ressaltou o diretor do Departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas do Ministério da Agricultura e Pecuária, Silvio Farnese, durante a divulgação do 7º Levantamento da Safra de Grãos 2023/2024 realizado pela Conab.
Desafios – Diante do crescimento da safra brasileira, a maior integração entre os modais tende a tornar os grãos produzidos pelos agricultores brasileiros mais competitivos no mercado internacional. “Quando olhamos o modal hidroviário, apesar do aumento na participação no transporte de grãos, ainda é preciso superar desafios”, pondera o superintendente de Logística Operacional da Conab, Thomé Guth, para quem é preciso gerar investimentos que visam a melhoria do desempenho das vias economicamente navegáveis, bem como na construção de terminais de transbordo, de forma a impulsionar a intermodalidade no país.
Também é preciso estimular a aplicação de recursos a fim de ampliar a utilização das ferrovias no país. De acordo com a avaliação de Guth, além das construções das linhas férreas, é fundamental ter pontos em que seja possível fazer a baldeação do produto entre um modal e outro. “A ferrovia Norte-Sul, por exemplo, amplia as escolhas do produtor ao abrir um novo corredor logístico e traz competitividade no momento de exportar seus produtos, seja pelo litoral da Região Sudeste ou pelo Norte do país”.
Intermodalidade – No entanto, A Conab reforça que ampliar o uso de novos modais não significa extinguir o uso de caminhões. “A integração traz uma nova abordagem para o uso das rodovias. Ao invés de um caminhoneiro fazer uma viagem de 3 mil quilômetros ou mais, ele tende a fazer vários trajetos curtos. Essa nova abordagem traz não só mais economia e facilidade para se manter a qualidade das vias rodoviárias, como também desgasta menos o caminhão e oferece melhor qualidade de vida aos trabalhadores”, completa.
Outras informações sobre a logística, principalmente, de exportação de soja, milho e farelo de soja, bem como a importação de fertilizantes estão no Anuário Logístico 2024, disponível no site da Conab.
Pior seca da história
O nível do rio Paraguai, em Ladário, caminha em 2024 para atingir o pior nível histórico de seca já registrada em Mato Grosso do Sul, se for considerado o parâmetro de Porto Esperança, hoje na marca de 7 centímetros, sendo que 35 cm já é considerado estiagem. A situação é crítica e pode estar relacionada com as mudanças climáticas e as consequências nas temperaturas e ciclo de chuvas.
Pesquisador da Embrapa Pantanal, Carlos Padovani, acompanha há anos o comportamento dos rios de Mato Grosso do Sul, principalmente na bacia do Paraguai e afirma que o cenário atual é preocupante. A referência usada por ele é o nível do rio Paraguai na régua de Ladário, que representa 80% da baía e tem histórico de 123 anos.
O principal alerta é que, nesta época do ano, a região pantaneira encerra o período de cheias e inicia a estiagem, mas os rios não encheram como era esperado. As altas temperaturas, aliadas a irregularidade e pouco volume de chuvas, afetam diretamente a bacia do Pantanal e, consequentemente, o nível dos rios.
A chuva que caiu de outubro para cá não refletiu no nível dos rios porque é necessária muita chuva para infiltrar no solo e encher os rios, mas as precipitações estão irregulares e abaixo da média. Com chuvas irregulares e rios secos, os impactos são falta de navegabilidade na hidrovia e tendência a incêndios.
No início de março, a Marinha do Brasil emitiu um estudo técnico sobre a bacia do rio Paraguai no Pantanal, onde alerta para a probabilidade do rio atingir níveis negativos nos próximos meses, assim como ocorreu em 2020 e 2021.
Considerando o histórico de chuvas, a Marinha acredita que o acumulado de precipitação atinja de 700 a 800 mm, ficando abaixo da média histórica de 1.113,3 mm. Fato similar ao ocorrido em 2020 e 2021, quando foi observado período de forte seca na região, com queimadas e baixo nível do rio Paraguai.
Em 2024, o nível máximo anual do rio Paraguai é esperado para este início de junho, com a cota variando em torno de 1,50m. Em relação à cota mínima anual, espera-se que atinja cotas negativas na régua de Ladário ao final do período de vazante, semelhante ao que ocorreu em 2020 (-0,32 m).
Vantagens – Atualmente existem 42 mil quilômetros de vias navegáveis, no entanto, o país explora menos de 20 mil quilômetros. Com a aprovação, por parte do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), do PGO, que foi elaborado pela ANTAQ, a intenção é que esse número aumente significativamente, além de permitir a melhoria da infraestrutura das hidrovias que hoje são utilizadas.
As hidrovias poluem cinco vezes menos que o transporte rodoviário, tem menor custo de implementação e de operação entre os modais de transportes rodoviário e ferroviário, reduzem o percentual de acidentes fatais e diminuem o percentual de roubo e extravio de carga.
A HIDROVIA
A hidrovia do Paraguai corta metade da América do Sul, desde Cáceres, em Mato Grosso, até Nova Palmira, no Uruguai. O trecho brasileiro vai até a confluência com o rio Apa e tem 1.272 km de extensão e define a fronteira com o Paraguai por cerca de 330 km e com a Bolívia por cerca de 48km. É importante via de transporte de minérios, produtos agrícolas e grãos do Centro-Oeste do País. Por suas águas são realizadas exportações para exportações e importações para os Países da Bacia do Prata.
O rio Paraguai nasce na Serra de Araporé, encosta meridional da Serra dos Parecis, no Estado de Mato Grosso (MT) e sua bacia hidrográfica se estende sobre uma chapada pantanosa, denominada de Brejal das Sete Lagoas, onde se verifica as separações das bacias hidrográficas do Prata e Amazônica. A hidrovia atravessa o Paraguai e desagua no rio Paraná, na fronteira Paraguai – Argentina, próximo à cidade de Paso de Pátria.
As cidades mais importantes na área de influência da hidrovia são: Cuiabá, Cáceres e Poconé em Mato Grosso; Corumbá, Ladário, Miranda, Aquidauana e Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul.
O rio Paraguai possui dois segmentos distintos do ponto de vista da navegação: Tramo Sul – da foz do rio Apa até Corumbá, o rio é navegável por grande comboios comerciais, sem grandes empecilhos; e, no Tramo Norte – entre Corumbá e Cáceres (MT), é navegável por pequenas e médias embarcações, apresentando dificuldades e empecilhos de maior relevância, que se devem principalmente à ilhas fluviais, assoreamentos e excesso de sinuosidade.
As características do Tramo Sul permitem a navegação de comboios com 290 metros de comprimento, 48 metros de largura, calado de 2,7 metros e capacidade para 24 mil toneladas. No Tramo Norte podem trafegar comboios de até 140 metros de comprimento e 24 metros de largura, com calado de 1,5 m, e capacidade para até 500 toneladas de carga. As embarcações transportam soja, arroz, milho e madeira, além de cimento e derivados, minérios de ferro e manganês.
Referências da notícia:
Com informações da Semadesc, Conab, ANTAQ, Marinha do Brasil, Tribunal de Contas da União e Ministério dos Portos
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