Em entrevista ao Plural, o fotógrafo que está no Mata Atlântica Ecofestival (16 e 17/08) falou sobre seu trabalho no Pantanal
Por Luciana Nogueira Melo – Plural
O fotógrafo autodidata José Medeiros nasceu em Campo Grande (MS) e atualmente mora em Cuiabá, capital do Mato Grosso. Com uma trajetória que parte do fotojornalismo e chega ao documental, com destaque para o olhar antropológico, conquistou premiações como Leica de Fotografia, Mérito Rondon Melhor Fotojornalista, Fotojornalismo Editora Globo e Já Fui Floresta Sesc Amazônia das Artes. Exposições com suas fotos já circularam por diferentes cidades do Brasil e exterior, estiveram em cartaz na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, por exemplo.
Ele, que se define como um pantaneiro que vive e respira o Pantanal, veio ao Paraná para a 4ª edição do Mata Atlântica Ecofestival, nos dias 16 e 17 de agosto, no Campo das Artes (em São Luiz do Purunã), com programação cultural, atrações da economia criativa local e ainda gastronômica.

Para o evento, Medeiros traz a série “Céu e Inferno em Terras Alagadas”, com fotos do projeto “Pantanal +10”, que acompanha a situação do povo, o impacto ambiental e os reflexos das mudanças climáticas ali. O fotógrafo esteve nos incêndios que devastaram a região nos anos de 2020 a 2023, então se propôs registrar as transformações a longo prazo.
Além da mostra, quem visitar o festival pode conversar com o artista, que estará também autografando quatro de seus livros publicados: “O Pantanal de José Medeiros” (2015), “Céu e Inferno em Terras Alagadas” (2022), “Dia de Festa” (2024) e “Pantanal” (2025).
José Medeiros conversou com o Plural sobre seu trabalho, sobre fotografia e cinema. Ele também contou sobre suas experiências e as urgências que o urbano precisa enxergar para entender de um bioma rico e fundamental para todos. Confira a entrevista do “fotógrafo colecionador de histórias” a seguir.
Quando a fotografia entrou em sua vida?
A fotografia entrou na minha vida aos 16 anos de idade, quando fui trabalhar em um jornal como laboratorista, onde revelava os filmes e as fotos de outros fotógrafos. Ali vi que a fotografia poderia me abrir portas e me levar a vários lugares. Como fotojornalista sempre atuei em pautas ambientais, como desmatamento, garimpo e outras. Eu documento o Pantanal há mais de três décadas, estou imerso nesse bioma e, hoje, sou um fotógrafo colecionador de histórias.
O que o público da 4ª edição do Mata Atlântica Ecofestival vai poder ver do seu trabalho?
Eu apresento no festival o projeto “Pantanal +10”. É uma reflexão sobre o futuro do bioma Pantanal após os incêndios de 2020. A ideia é documentar o Pantanal até 2030, fazendo um raio-x de como ele se comporta ao longo do tempo, e a cada dois anos eu apresento um resultado. O que trago agora são os dois primeiros anos, que mostram os impactos dos incêndios. Já estou na segunda fase, chamada Pantanal no Tempo das Águas, que foca na resiliência do bioma.
E os meus livros. O primeiro, “O Pantanal de José Medeiros”, dedicado ao homem pantaneiro; “Céu e Inferno em Terras Alagadas”, documenta os incêndios de 2020, é um registro histórico; depois, “Dia de Festa” é sobre manifestações populares do Mato Grosso, e “Pantanal”, em preto e branco, mistura fauna, flora e figura humana.
Você esteve lá durante os incêndios de 2020. Como foi presenciar tamanha catástrofe?
Foi devastadora. Eu estava na divisa entre Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bolívia. Vi os clarões, mas não imaginava que o fogo se tornaria tão descontrolado. Fui um dos primeiros a documentar os incêndios e cheguei a combater o fogo. Mas era uma batalha sem vitória. A natureza parecia brincar com a gente, apagávamos um foco e outro surgia. Depois, o silêncio… sem canto de pássaros, sem vida. Parecia o fim do mundo.
A fotografia é uma ferramenta documental poderosa. O que motivou o trabalho também em cinema?
A ideia de fazer um filme sobre os incêndios no Pantanal nasceu da necessidade de dar voz às pessoas que viveram aquilo de perto. Foram anos de devastação — 2020, 2021, 2022, 2023 — em que o fogo tomou conta da região. Como fotógrafo, percebi que as imagens sozinhas não davam conta da dimensão humana daquela tragédia, eu precisava registrar os relatos de quem estava ali, vivendo aquele cenário surreal de destruição e perda.
O filme é sobre isso: sobre sensibilizar através da escuta. São falas de pessoas simples, que talvez nunca tenham aparecido em um documentário antes, mas que carregam uma profundidade imensa. Elas contam como é ver o lugar onde nasceram e vivem há gerações ser tomado pelo fogo. Eu queria mostrar como somos pequenos diante da natureza e como ela nos cobra, diariamente, por nossas ações.
Existe uma questão sobre o distanciamento entre o fotojornalista e o fato, entre o documentarista e o objeto de sua obra. Alguns julgam que a abordagem é contaminada se houver aproximação, se o profissional se envolver com a situação. Qual o seu ponto de vista sobre isso?
Essa escolha também me levou a refletir sobre a diferença entre o fotojornalista e o fotodocumentarista. O fotojornalista precisa de certo distanciamento; ele registra, mas sem interferir. Existe uma frieza necessária para conseguir documentar com precisão. Já o documentarista precisa viver a história, não tem como contar algo de verdade se você não sentiu aquilo. E foi isso que eu fiz.
Eu sou um pantaneiro. Vivo o Pantanal, respiro o Pantanal, conheço as pessoas e sou parte dessa terra. Isso me dá um outro tipo de intimidade com o lugar e com as histórias. Não estou ali por uma semana para “cobrir uma pauta”, estou ali porque é o meu chão. E isso muda tudo. A lente passa a ser uma extensão da minha vivência, não uma barreira entre mim e o mundo.
Esse tipo de imersão leva tempo. E o tempo gera confiança. Quando as pessoas deixam de te enxergar como fotógrafo e passam a te ver como alguém do grupo, você deixa de ser um observador e passa a ser um canal. É aí que as histórias verdadeiramente profundas aparecem.
As outras regiões do Brasil ainda encaram o Pantanal, com seu bioma e sua população, como algo exótico? Como isso interfere na preservação ambiental e socioeconômica?
As pessoas ainda têm uma visão estereotipada do Pantanal, acham que é só onça na rua, jacaré por todo lado. Mas o Pantanal é um bioma, como a Floresta Amazônica ou o Cerrado, e precisa ser compreendido em toda a sua complexidade. Existe uma população que vive ali, pessoas reais, com histórias, rotinas e dificuldades, que costumam ser invisibilizadas quando se fala da região. E quando se pensa no Pantanal, muitas vezes, esquecem desse povo pantaneiro. E ele existe, resiste e sofre.
Qual o maior risco para a região hoje?
O bioma enfrenta ameaças constantes, como os projetos de hidrovias, que vêm sendo apresentados como soluções para o desenvolvimento da região. Mas eu me pergunto: desenvolvimento para quem? Para quê? O Pantanal é uma planície alagável, não tem nascente própria. A água que inunda o bioma vem do Cerrado, e já há estudos mostrando que muitas dessas nascentes estão contaminadas.
O trabalho que desenvolvo busca justamente trazer essas reflexões para o ambiente urbano. É por isso que eu conto essas histórias: para mostrar que a água que uma comunidade ribeirinha consome pode estar sendo contaminada pelo lixo que alguém joga a centenas de quilômetros dali. Documentar o Pantanal é dar visibilidade a essas conexões, revelar que tudo está interligado, e que há consequências.
Serviço: Lançamento livro Pantanal, de José Medeiros
Sábado (16/08), às 16h, no Campo das Artes – Estrada da Lage, 370, São Luiz do Purunã (Balsa Nova/PR).
Mata Atlântica Ecofestival
Dias 16 e 17 de agosto, das 10h às 18h, no Campo das Artes – Estrada da Lage, 370, São Luiz do Purunã (Balsa Nova/PR).
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Link para a compra de ingressos:*
Dia 16: https://www.sympla.com.br/evento/campo-das-artes-no-mata-atlantica-ecofestival-2025-16-08-2025/3054790
Dia 17: https://www.sympla.com.br/evento/campo-das-artes-no-mata-atlantica-ecofestival-2025-17-08-2025/3054799
*Moradores(as) de Balsa Nova pagam meia-entrada
Saiba mais sobre o Campo das Artes: https://www.campodasartes.com.br/
Saiba mais sobre a programação do Ecofestival: https://mataatlanticaecofestival.com.br/programacao/
Fotos de José Medeiros
Reportagem divulgada no Portal Plural Curitiba – José Medeiros: um fotógrafo pantaneiro que coleciona histórias