Mato Grosso do Sul foi criado quase um século depois de iniciado movimento separatista. Criado em 1977 e implantado em 1979, o Estado tem uma história marcada por movimentos políticos, sociais, econômicos e culturais.
Muito antes de sua afirmação como território independente do gigante Mato Grosso, já nas primeiras décadas do século XX, a ligação com o estado de São Paulo pela antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) tornou as relações entre o Sul de Mato Grosso com Cuiabá cada vez menos relevantes no contexto da busca do desenvolvimento e dinamização da economia.
A história político-social e econômica remonta, porém, a acontecimentos do fim do século XIX, que deram início às mobilizações e manifestos em favor da divisão do MT, que aconteceria quase um século depois. Quando já era considerado uma causa perdida, o movimento ganhou força com o recrudescimento do regionalismo sul-mato-grossense, mas lideranças políticas à época asseguram que pesou no desmembramento do uno Mato Grosso a visão militarista sobre a geopolítica brasileira.
Para a historiadora Maria Bittar, a conjugação de interesses regionais entrelaçou as condições que possibilitaram a vitória de uma causa considerada perdida. Os interesses da oligarquia agrária sulista, a rivalidade política entre Cuiabá e Campo Grande e a elite da pecuária foram os componentes principais do movimento separatista.
Ciclos da mobilização – Por volta do ano de 1889 políticos corumbaenses propuseram, por meio de manifesto público, a transferência da capital de Mato Grosso para Corumbá, iniciando aí o movimento divisionista que, gradativamente, foi se estabelecendo com os debates políticos e manifestações populares. O movimento separatista pode ser dividido em quatro grandes fases que acompanham a evolução histórica do Estado no período republicano.
A primeira fase, de 1889-1930, é marcada pela formação das oligarquias sul-mato-grossense que lutam pelo reconhecimento da posse da terra, fazendo oposição aos privilégios do monopólio da exploração da erva-mate, principal base da economia à época.
Inicialmente, o movimento não tem um plano, um programa político definido. Os objetivos divisionistas quase sempre se confundiam com interesses do coronelismo. Percebe-se, neste período, que era uma elite, formada pelos fazendeiros, que defendia a ideia separatista.
A partir de 1920, com a transferência do comando da Circunscrição Militar para Campo Grande e o aumento do contingente militar no Sul de Mato Grosso, as oligarquias sulinas, decepcionadas com as antigas alianças, aliam-se aos militares e adotam sugestões de outros movimentos vindos de fora do Estado como forma de fortalecer a causa local.
A segunda fase, de 1930-1945, é o período em que o movimento começa a se organizar. As lutas armadas, gradativamente, são substituídas por pressões políticas junto ao governo federal. Em 1932, os sul-mato-grossenses aliam-se aos paulistas e lutam na Revolução Constitucionalista.
Este confronto armado foi liderado por Bertoldo Klinger, comandante da Circunscrição Militar em Mato Grosso e Comandante-Geral das tropas rebeldes instaladas no sul de Mato Grosso. Para o Governo Dissidente é nomeado Vespasiano Martins. Essa revolução serviu para divulgar a ideia divisionista e Campo Grande torna-se o centro político de difusão do movimento.
Após a promulgação de nova Constituição, com a derrota da tese e dos movimentos divisionistas, Getúlio Vargas adota a política nacionalista “Marcha para o Oeste”, a qual visava, entre outros objetivos, a segurança das fronteiras. Para isso mandou instalar novas unidades militares no Sul de Mato Grosso.
Em 1943, Getúlio Vargas, em nome da segurança das fronteiras cria o Território de Ponta Porã, excluindo Campo Grande, a principal cidade divisionista. Nesse período, o Sul de Mato Grosso é marcado por grande prosperidade, mas sem poder, contudo, assegurar o equilíbrio das finanças estaduais.
A terceira fase vai de 1945 a 1964. Após a deposição de Getúlio Vargas, o novo Presidente da República é o General Eurico Gaspar Dutra, que era mato-grossense de Cuiabá. Ele adota uma política de redemocratização do país, a qual reforça a política de integração nacional que incentiva a manutenção da unidade estadual.
Em 1946, após a promulgação da Constituição, o governo federal extingue o Território de Ponta Porã reintegrando a região ao Estado de Mato Grosso. Apesar dessa política, os divisionistas, durante as reuniões da Assembleia Constituinte, reorganizam-se e tentam a transferência da capital de Cuiabá para Campo Grande.
As iniciativas separatistas desse período são frustradas, em parte, devido a grande representatividade política dos sul-mato-grossenses nas esferas estadual e federal, e também, por causa da política de integração nacional do governo federal.
A quarta fase é de 1964-1977. O golpe de 31 de março de 1964 põe fim a um período de democracia e inicia um regime militar autoritário. Os militares, buscando um maior controle dos problemas da sociedade, adotam a política do desenvolvimento com segurança, o que permitiu a criação de programas que facilitam o desenvolvimento de alguns Estados, entre eles Mato Grosso. Nesse período, os políticos divisionistas aproximam-se dos militares o que lhes permite tomar parte de algumas comissões que estudam (secretamente) as potencialidades políticas que impediam a divisão de Mato Grosso.
A decisão de desmembrar Mato Grosso e criar Mato Grosso do Sul foi tomada em abril de 1977 pelo terceiro presidente do regime militar, Ernesto Geisel, seis meses antes da assinatura da Lei Complementar nº 31, em 11 de outubro. A divisão efetivamente aconteceu em janeiro de 1979 com a instalação do governo do novo Estado.
“Foi uma visão militarista”, disse Garcia Neto sobre decisão de Geisel criar MS
Governo militar preferiu criar MS com medo de MT crescer demais e buscar independência, segundo ex-governador
Mato Grosso do Sul foi criado quase um século depois de iniciado o movimento separatista. Quando já era considerado uma causa perdida, o movimento ganhou força com o recrudescimento do regionalismo sul-mato-grossense. Mas o que favoreceu o desfecho do processo de criação do novo Estado, na opinião do ex-governador Garcia Neto, foi a visão militarista do general Ernesto Geisel sobre a geopolítica brasileira. Pesou na decisão, segundo o ex-governador de Mato Grosso, o medo do presidente Geisel de MT buscar sua independência.
Para a historiadora Maria a Bittar, a conjugação de interesses regionais entrelaçou as condições que possibilitaram a vitória de uma causa considerada perdida. Os interesses da oligarquia agrária sulista, a rivalidade política entre Cuiabá e Campo Grande e a elite da pecuária foram os componentes principais do movimento separatista.
José Garcia Neto, um dos principais personagens desse período da história, morreu em 2009 sem esconder o inconformismo com a divisão de Mato Grosso, ato que classificava como “uma barbaridade”. Em 2007, em uma de suas últimas entrevistas, disse que sempre foi contrário, mas não conseguiu convencer Geisel. Garcia Neto chegou a ser o vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, antes de ser nomeado por Geisel depois de ter o nome incluído em lista tríplice elaborada por José Fragelli.
No governo, Garcia Neto chegou a “lotear” o poder com os sulistas, escolhendo o corumbaense Cássio Leite para ser o vice na tentativa de frear o processo divisionista. O esforço foi em vão. O ex-governador reconheceu que o processo de disputa política e econômica ajudou, mas o que pesou foi a visão militarista.
Geisel insistia que Mato Grosso era muito grande e difícil de controlar, disse Garcia Neto, lembrando que logo depois da posse, em 1975, se reuniu com o presidente Geisel para externar a preocupação sobre a possível divisão. “Disse ao presidente sobre o que os jornais e a população comentavam referente à divisão. Disse também que eu era contra e que queria saber a opinião dele. O presidente disse que não havia pensado ainda no assunto, mas, quando fosse pensar, que eu seria o primeiro a saber. Desta forma, não toquei mais no assunto”, contou Garcia em sua última entrevista.
Em abril de 1977 o general chamou Garcia Neto para tratar da divisão. “Ele disse que queria começar a pensar na divisão de Mato Grosso. Pedi para dar minhas razões contrárias e as encaminhei em forma de um documento”.
Garcia Neto apontou as razões, como o custo administrativo, fracionamento da receita, implicações políticas e reação popular, mas não convenceu Geisel.
De 15 a 20 dias após receber o documento, Geisel chamou Garcia Neto e disse que optara pela divisão de Mato Grosso. “Ele disse que leu bem as minhas razões, mas que Mato Grosso com tantas potencialidades, e quando se igualasse a São Paulo, poderia abalar o conjunto da federação brasileira. Era uma visão muito militarista”, disse. O medo de Geisel era de que Mato Grosso crescesse e decidisse brigar pela independência, segundo Garcia Neto. A decisão de dividir o Estado foi tomada em abril de 1977, seis meses antes da assinatura da lei. A divisão efetivamente aconteceu em janeiro de 1979.