Estiagem prolongada e chuvas mais intensas tornam complexas as projeções e dificultam estimativas da nova safra. Custo do seguro agrícola também fica imprevisível
“A atual safra tem a característica de ser uma das mais complexas para a estimativa de área, produtividade e produção nos últimos tempos. As dificuldades podem ser resumidas nos problemas climáticos, que geram incertezas e prejudicam a tomada de decisão pelos produtores”, diz o superintendente de Informações Agropecuárias da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Aroldo Antonio de Oliveira Neto, ao divulgar boletim de projeções da nova safra de grãos, que fica mais debilitada na medida que os eventos extremos se intensificam. Bancos e corretoras também enfrentam problemas na precificação do seguro agrícola.
O boletim, que traz dados do 4º levantamento para a safra 2023-2024, aponta pra para uma produção de grãos de 306,4 milhões de toneladas, volume abaixo do ciclo 2022-2023. De acordo com a Conab, “as condições climáticas instáveis, com chuvas escassas e mal distribuídas aliadas a altas temperaturas na região central do país, além de precipitações volumosas na região Sul, provocaram e ainda persistem no atraso do plantio da safra, além de influenciarem de maneira negativa no potencial produtivo das lavouras. Se confirmado, o volume representa uma queda de 13,5 milhões de toneladas em relação à safra passada.
Migração agrícola – Principal cultura cultivada no país, a soja deve apresentar uma produção de 155,3 milhões de toneladas. O resultado representa uma quebra de 4,2% na expectativa, uma vez que as primeiras projeções apontavam para uma colheita de 162 milhões de toneladas. Chuvas mal distribuídas e temperaturas elevadas influenciaram de maneira negativa tanto no plantio como no desenvolvimento das lavouras. As condições climáticas também foram determinantes para alguns produtores migrarem para outras culturas, contribuindo para a redução da área em relação ao levantamento divulgado em dezembro.
Mato Grosso do Sul – Em Mato Grosso do Sul, a estimativa para a safra de grãos é de 25,7 milhões de toneladas, volume menor em 2,3 milhões de toneladas na comparação com a produção anterior, que foi de 28 milhões de toneladas – a maior parte de soja, com cerca de 15 milhões de toneladas. Isso significa uma redução de 8,3% nas estimativas da Conab. Índice maior que o percentual projetado no levantamento publicado em dezembro, de 7,2%.
Eventos extremos, como as altas temperaturas, obrigaram o replantio de 107 mil hectares de soja. O clima instável também afeta a produtividade das lavouras, daí a previsão de que haja uma quebra de 10,6%, nas lavouras de soja e de milho.
A segunda safra de milho pode ter uma queda de 14,3% na produção, em razão da redução da área plantada (3,7% menor) e queda diminuição da produtividade (14,3%). Em relação à soja, a quebra na produção é estimada em 11,8% com produtividade 12,8% menor.
Bioenergia – demanda interna
No caso do milho, cultura que passou a ter peso importante no setor de bioenergia, na produção de etanol, a safra nacional está estimada em 117,6 milhões de toneladas, redução de 10,9% em relação ao ciclo anterior. O etanol vai exigir aumento da demanda interna e isso deve refletir no mercado exportador. A queda na produção do milho é reflexo de uma menor área plantada e de uma piora na expectativa de rendimento das lavouras.
A primeira safra do cereal, que representa 20,7% da produção, vem passando por situações adversas como, elevadas precipitações nos estados do Sul, baixas pluviosidades acompanhadas pelas altas temperaturas no Centro-Oeste. Segundo a Conab, para a segunda safra do grão, além de avaliar os custos, as decisões dos produtores dependem de fatores climáticos, de disponibilidade de janela para o plantio e dos preços de mercado.
Quanto às informações do comportamento de mercado das commodities brasileiras, a redução na estimativa da produção de soja deverá implicar também uma menor exportação da oleaginosa em grãos neste ano. Tanto pela quebra provocada pelos eventos extremos, como pela política energética, que estabeleceu aumento, já a partir de março, da adição de biodiesel ao diesel, de 12% para 14%, indicando que haverá incremento na demanda interna de óleo de soja.
Exportações – A estimativa de menor produção de milho para a safra 2023/24, somada à maior oferta disponível no mercado internacional (em meio à boa safra norte-americana), deverá reduzir o volume de exportações brasileiras do grão em 2024, mas de acordo com o Boletim da Conab, o Brasil deve continuar a ser o maior exportador de milho do mundo.
Impactos no seguro agrícola
Estudo realizado por Leonardo Silva de Oliveira, ao concluir graduação em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), aborda o impacto dos eventos extremos do clima nas carteiras agrícolas do sistema financeiro e seu reflexo no crédito e na securitização da produção.
Acadêmico do campus da UFMS em Naviraí, região de produção agrícola, Leonardo, como corretor de seguro, foi orientado em seu trabalho de conclusão de curso a observar o impacto no seguro agrícola em função dos eventos climáticos. Percebeu que, como linha especial que possui condições específicas para alcançar uma adequada diversificação da natureza dos riscos, o seguro agrícola é diretamente impactado, aprofundando seus estudos com a realidade profissional.
A pesquisa sobre a contratação de seguro agrícola foi divulgada na Revista Política Agrícola, uma publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária. Desenvolvido em parceria em com as professoras Sibelly Resch e Jaiane Aparecida Pereira, o trabalho foi orientando para a abordagem de uma questão ligada ao dia-a-dia do acadêmico – uma conexão com o seu cotidiano social, que no método do educador Paulo Freire, é a forma mais clara de aprendizado, a compreensão através do ensino prático, familiarizado e conectado às tarefas e a realidade profissional do estudante.
A professora Sibelly sugeriu o tema e foi assim que surgiu a ideia de trabalhar com os seguros, começando em apurar o impacto nas apólices de cobertura do setor agrícola e desencadeamento de prejuízo às seguradoras pelas variações de custos em razão dos eventos extremos.
Em análise dos seguros agrícolas em 2022 e os desdobramentos da seca do ano anterior, pôde-se extrair informações importantes, de natureza quantitativa e descritiva, não só de Mato Grosso do Sul, mas de todo o país, permitindo conclusões relevantes.
Primeiro, constatou-se que o reajuste no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) e o aumento do orçamento destinado à subvenção impactaram positivamente o número de produtores beneficiados por essa política pública.
Em relação às seguradoras em Mato Grosso do Sul, o estudo apontou que o prejuízo, calculado como a diferença entre prêmios e valores indenizados, foi 31,5% superior ao índice nacional em 2021. Além disso, cerca de 80% dos sinistros pagos no mesmo ano foram decorrentes da seca, sendo este o principal evento climático responsável pelos pelas perdas tanto no Brasil quanto no Estado.
Outro ponto destacado no trabalho foi a alta taxa se quebras relacionadas à safra de 2021, resultando em um aumento médio nos preços das apólices para o país como um todo, com um aumento ainda maior para Mato Grosso do Sul. Essas descobertas sinalizam desafios significativos no setor de seguros agrícolas em decorrência de eventos climáticos extremos e suas consequências econômicas.
Gestão de riscos – Para a professora, Jaiane Aparecida Pereira, coautora do estudo, o projeto foi importante também por contribuir com outros pesquisadores da área, uma vez que o tema não é muito encontrado nos livros.
“Observamos também que na literatura há poucos trabalhos que discutem essa questão. Assim, realizamos essa pesquisa, obtivemos resultados bastante interessantes e conseguimos publicá-la em uma revista da Embrapa. Com isso, esperamos auxiliar pesquisadores e produtores a tomar decisões e se preparar para os próximos anos. Destacamos a importância de considerar esses eventos extremos no planejamento agrícola e na gestão de riscos”.
O que é seguro agrícola?
O seguro agrícola é uma forma eficaz que os produtores rurais e empresas relacionadas ao agronegócio têm de se proteger contra imprevistos que possam afetar as plantações e causar perdas financeiras enormes. Ele garante cobertura contra perdas nas lavouras por fenômenos climáticos.
Normalmente, o seguro agrícola oferece cobertura desde o plantio das sementes até a colheita. Ou seja, todo o processo de produção está garantido pelo seguro. Como, exatamente, esse seguro agrícola vai funcionar, vai estar definido na apólice e isso depende do tipo de produto plantado e das coberturas contratadas.
Todos os produtores rurais conhecem o tamanho do investimento em uma lavoura: é investimento financeiro e também de tempo. Por isso, para o produtor rural é fundamental que aquele bem esteja protegido. O seguro agrícola é uma forma eficiente de fazer isso. Caso um imprevisto aconteça, o seguro vai indenizar o segurado e não haverá perdas financeiras.
Os principais seguros agrícolas são:
- Seguro de Custeio
No Seguro de Custeio, o LMI (Limite Máximo de Indenização) é calculado com base no custo da lavoura segurada. O produtor (contratante do seguro) recebe indenização quando a produtividade da lavoura é inferior à garantida na apólice. Ou seja, se algum imprevisto fez com que aquela produção ou colheita resultasse em um número menor do que o esperado, o produtor poderia acionar o seguro. Isso porque, com uma produção mais baixa do que o esperado, a capacidade de pagar o custo daquela lavoura fica comprometida. O valor do seguro vai proteger o produtor desse rombo financeiro.
- Seguro de Produção (Produtividade)
Nesse tipo de seguro agrícola, o LMI é calculado levando-se em consideração a produtividade da área segurada, multiplicada por um preço fixado no momento da contratação do Seguro de Produção. Esse valor total estimado na apólice, será o mesmo valor pago na indenização, caso ocorra algum problema com a lavoura e o seguro seja acionado.
- Seguro de Faturamento ou Receita
No seguro agrícola de faturamento ou receita, o LMI é calculado com base no faturamento estimado com a produção: ele considera a produtividade esperada e também o preço do produto no mercado futuro.
Nesse tipo de seguro, o produtor recebe uma indenização quando a produtividade da safra ou o preço de mercado do produto, reduzem o faturamento da safra até que ele seja mais baixo do que o faturamento garantido na apólice.
- Seguro de Índices Climáticos (Paramétrico)
Nesse tipo de seguro agrícola, o LMI é calculado pelo valor esperado com a produção. Aqui, a apólice é customizada de acordo com uma necessidade específica, levando em conta oscilações climáticas, como temperatura alta e enchente. Os detalhes da cobertura são definidos usando estimativas de informações meteorológicas.
A cobertura básica do seguro agrícola constará na apólice e funcionará como um pacote: um número mínimo de coberturas básicas necessárias.
Normalmente, essa cobertura básica abrange:
- Chuva excessiva;
- Incêndio;
- Ventos frios;
- Ventos fortes;
- Raio;
- Geada;
- Granizo;
- Seca;
- Variação excessiva de temperatura.
Além da cobertura básica, ainda é possível adicionar itens de proteção adicional que façam sentido com o tipo da sua produção ou o local do plantio. Mas para que seja possível contratar coberturas extras, é obrigatório contratar a cobertura básica.
Essas coberturas extras são as Coberturas Opcionais ou Adicionais, e dois exemplos são:
Cobertura de Replantio
Nesse tipo de cobertura adicional do seguro agrícola, a seguradora indenizará o segurado para que ele replante uma área de plantio que tenha sido afetada por um dos seguintes motivos:
- Chuva excessiva;
- Tromba d’água;
- Granizo.
Cobertura de Qualidade
Nessa cobertura há garantia sobre a perda de qualidade do grão no momento da colheita. Isso pode significar danos como grãos mofados, putrefatos ou germinados, por exemplo. Quando acontece essa quebra de qualidade, os grãos perdem valor perante armazéns, traders, cooperativas e cerealistas, e o produtor recebe menos do que esperava por aquela colheita.
Em 2006, o governo federal instituiu, por meio do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), um programa de subvenção ao prêmio do seguro agrícola. Desde 2006 até aqui, o programa passou por várias mudanças, tanto no funcionamento, quanto nos orçamentos anuais disponibilizados para essa ação.
Todas essas alterações ao longo dos anos, para a sorte do produtor rural, foram bastante positivas e ajudaram a fomentar o setor rural no país. Em 2020, o programa disponibilizou cerca de R$ 955 milhões para esse fim.
O Programa paga uma porcentagem do prêmio para quem contrata seguro agrícola. Esse percentual varia de acordo com o produto plantado e o tipo de seguro contratado. O pagamento é feito às seguradoras, mediante um termo de responsabilidade do produtor, assinado com a proposta de seguro.
Alguns estados e alguns municípios também têm seus próprios programas de subvenção ao seguro agrícola, que funcionam da mesma forma que o programa federal. São iniciativas que tornam o seguro agrícola mais barato para quem o contrata, permitindo que mais produtores rurais possam contratá-lo para proteger suas lavouras.
(*) Com informações do Portal da Conab (estimativas de produção) e reportagem de Elton Ricci no Portal da UFMS (seguro agrícola)
Foto do destaque: Agência de Notícias do Paraná- BRDE