Artesanato indígena de Mato Grosso do Sul, descoberto pelo “etnoturismo involuntário” tornou-se objeto de estudos e, além de ganhar espaço em museus da Europa e “ateliês” de estilistas do mundo da moda, inspirou e deu contorno a projeto cultural, científico e socioeconômico.
O “Projeto de Pesquisa em Cerâmica e Promoção da Comunidade e Cultura Kadiwéu” é realizado em parceria entre a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a University of Manitoba, no Canadá, a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia (Fundect) e Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, sob coordenação do professor Antônio Hilário, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFMS, e da antropóloga Viviane Luiza de Souza, pela University of Manitoba.
Eles investigam como se dá a conexão dos povos indígenas de várias etnias com o passado, sua influência nos dias de hoje, como se expressam através dos trabalhos manuais e de que modo a arte se constituiu em pilar de subsistência e sobrevivência. No processo de investigação antropológica, a equipe de pesquisadores viu que o artesanato, além do seu simbolismo e valor artístico, é uma atividade rentável e capaz de promover o empoderamento das mulheres indígenas.
Daí o surgimento do projeto, dividido em duas fases, começando pela Aldeia Alves de Barros, da comunidade Kadiwéu, em Porto Murtinho, na fronteira com o Paraguai. Em dezembro do ano passado o Governo do Estado inaugurou as obras de revitalização do Centro Cultural Kadiwéu, onde foram investidos R$ 295,4 mil. O espaço ganhou estrutura para a produção artesanal e também vai contribuir para as atividades extracurriculares dos estudantes. Além da revitalização do Centro Cultural Kadiwéu, foi criada uma associação com as artesãs, que fará a análise econômica e ativará um site para a comercialização das artes nos mercados nacional e internacional. O artesanato será mostrado em exposições virtuais. Em uma segunda fase, o espaço terá também uma loja-museu.
Para realização da segunda fase, o Governo do Estado irá investir R$ 640 mil no projeto científico, em convênio assinado pelo governador Reinaldo Azambuja e o reitor Marcelo Turine. Mais comunidades da etnia Kadiwéu terão espaços para capacitação e produção artesanal, incluindo a organização das mulheres em associações.
Em Mato Grosso do Sul, além dos índios da etnia Kadiwéu, os Terena também têm intensa atividade na produção de peças à base de argila. Praticamente todos os centros culturais e lojas de artesanato e exposição no Estado dispõem de uma diversidade de cerâmicas Kadiwéu e Terena. Peças e fotografias largamente compartilhadas por turistas despertaram a atenção de um outro setor – da moda. Por conta do grafismo, o povo Kadwéu descobriu, tudo por acaso, através do etnoturismo involuntário, uma estratégia de sobrevivência.
O que chama a atenção são os grafismos. O sucesso das pinturas corporais, em cerâmicas e objetos de design é comemorado agora, mas o trabalho de divulgação da arte começou há mais de seis anos e há quatro anos Viviane e equipe desenvolvem o “Projeto de Pesquisa em Cerâmica e Promoção da Comunidade e Cultura Kadiwéu”.
Coexistência pacífica e produtiva
O pesquisador Antônio Hilário Urquiza vê com satisfação o processo de empoderamento das mulheres indígenas, situação que vai deixando para trás o estigma de pobreza e isolamento das comunidades indígenas. Segundo ele a produção de cerâmica e de outros tipos de artesanato não contribui apenas com o sustento – ela desempenha um papel importante na vida familiar, na transmissão da cultura e também conecta as artesãs indígenas com a natureza.
Em reportagem publicada pelo site UOL, no ano passado, Keyciane Lima Pedrosa, da Funai (Fundação Nacional do Índio), destacou o processo produtivo, que começa com a seleção do barro, moldura dos potes e a marcação dos desenhos com fibras de caraguatá [uma espécie de bromélia] e a cobertura dos potes com resina de pau-santo.
Riqueza dos grafismos Kadiwéu e Terena
O grafismo Kadwéu é marcado pela disposição de elementos geométricos, considerado como características das sociedades hierárquicas e impressionam pela riqueza de suas formas e detalhes. Os finos desenhos constituem-se em uma forma notável da expressão de sua arte. Hábeis desenhistas estampam rostos com desenhos minuciosos e simétricos, traçados com a tinta obtida da mistura de suco de jenipapo com pó de carvão, aplicada com uma fina lasca de madeira ou taquara.
As mulheres Kadiwéu produzem, igualmente, belas peças de cerâmica: vasos de diversos tamanho e formato, pratos também de diversos tamanhos e profundidade, animais, enfeites de parede, entre outras peças criativas. Decoram-nas com padrões que lhes são distintos, que segue a um repertório rico, mas fixo, de formas preenchidas com variadas cores. Os pigmentos são envernizados com a resina do pau-santo.
Já os padrões do grafismo usados pelos Terena são basicamente o estilo floral, pontilhados, tracejados, espiralados e ondulados. Assim como os Kadiwéu, os Terena produzem peças utilitárias e decorativas: vasos, bilhas, potes, jarros, animais da região pantaneira (cobras, sapos, jacarés que são chamados de bichinhos do Pantanal), além de cachimbos, instrumentos musicais e adornos. Os Guarani-Kaiowá produzem, além dos utensílios, instrumentos musicais, como o afoxé (chocoalho), armas (arco e flecha) e variados adornos, cocares, pulseiras e colares.
Expansão da produção Artesanal
O objetivo da historiadora Viviane Luiza de Souza é promover o empoderamento de mulheres também de outras etnias, como a Terena e isso se dará também com a revitalização dos centros culturais rurais e urbanos, onde a produção artesanal é exposta e comercializada.
Segundo Viviane, ela e os antropólogos Hilário Urquiza e Andrea Caravaro agora vão se dedicar em promover a produção das etnias oleiras Terena e Kinikinau, com extensão à aldeia São João, “que tem uma configuração especial, pois lá residem os três povos oleiros: Terena, Kinikinau e Kadiwéu na terra do povo Kadiwéu. “Pretendemos agregar os Kinikinau e os Terena no projeto de geração de renda e iniciar um trabalho de etnoturismo na aldeia Alves de Barros, com capacitação para recepção dos turistas atendendo a uma vontade dos próprios moradores da aldeia”, antecipa.