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Crescimento do Vale da Celulose acelera e florestas de eucalipto avançam para o Alto Taquari

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Há impactos econômicos positivos, mas  cidades enfrentam forte pressão sobre habitação, serviços públicos e infraestrutura

Expansão da celulose está mudando a dinâmica urbana nas cidades da região Leste de Mato Grosso do Sul (foto: Divulgação)
Por Agência 24h*

A Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado Federal realizou na terça-feira, 25, uma audiência pública para discutir os efeitos socioeconômicos e ambientais do crescimento acelerado do Vale da Celulose, região formada por 12 municípios no leste de Mato Grosso do Sul. Impulsionada por megaprojetos industriais, a área já superou R$ 75 bilhões em investimentos privados e se aproxima de 11 milhões de toneladas de produção anual, consolidando-se como um dos principais polos de celulose do país.

A audiência pública abordou a alta dos aluguéis, a pressão urbana, os impactos ambientais do plantio de eucalipto e a necessidade de planejamento urbano. O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) ressaltou que o desenvolvimento é positivo, mas exige organização para evitar agravamento de problemas sociais e de saúde pública com a emigração para a região em razão da fábrica de celulose.

Atualmente, Mato Grosso do Sul responde por quase 24% da produção nacional de celulose. Em 2025, o produto ultrapassou a soja como principal item da pauta exportadora sul-mato-grossense, movimentando US$ 1,44 bilhão no comércio internacional. O dado é ressaltado pelo senador Nelsinho Trad, presidente do debate, que reuniu prefeitos da região, representantes dos ministérios da Saúde, Educação e Integração, além de órgãos estaduais e entidades do setor florestal.

Hexatrem transporta eucalipto em estrada vicinal no Vale da Celulose (Foto: Divulgação Suzano)

O avanço da atividade, que já superou a soja e a pecuária nas exportações do estado, redesenha o perfil econômico e social do Vale da Celulose, mas também desperta preocupações ambientais. Entidades alertam para o impacto da expansão do eucalipto sobre bacias hidrográficas e para a necessidade de maior monitoramento.

O crescimento, puxado por Suzano, Arauco, Eldorado e Bracell, altera a dinâmica urbana dos municípios. A valorização dos imóveis pressiona famílias de baixa renda, enquanto hospitais e escolas enfrentam sobrecarga. Em algumas cidades, o fluxo migratório aproxima o número de trabalhadores recém-chegados do total de moradores locais.

Três Lagoas, maior polo de celulose do estado, ilustra a transformação: em uma década, o PIB local cresceu cerca de 16 vezes, e a população aumentou 13% entre 2021 e 2024. A geração de empregos mais que dobrou desde 2010, contribuindo para que Mato Grosso do Sul registre uma das menores taxas de desemprego do país, com salários 43% superiores à média estadual.

Rota de Celulose tem a BR-262, entre Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, o seu principal eixo (Fotos: Osmar Veiga)

O senador Nelsinho Trad defende que a expansão seja acompanhada de políticas integradas: “Nenhum desenvolvimento pode ser desenhado sem ouvir as pessoas que vivem e trabalham no Vale da Celulose. Essa audiência é o espaço para isso”.

A expectativa é que o debate permita diagnósticos logísticos, sociais e ambientais da expansão, além de suas repercussões nacionais. O parlamentar também destaca a relevância do setor, lembrando que o papel do Brasil na cadeia global de celulose contribuiu para a retirada da sobretaxa de 10% aplicada pelos Estados Unidos ao produto brasileiro.

ALTO TAQUARI

Segundo o diretor-executivo da Reflore/MS, Benedito Mário Lázaro, a silvicultura começa a avançar para municípios do Alto Taquari, como Camapuã e Figueirão, situados mais ao Nordeste do Estado, onde o complexo industrial tem potencial para dobrar a área de produção para 13,5 milhões de hectares. A projeção representa a maior expansão territorial já estimada para a cadeia de base florestal sul-mato-grossense, que avança para além da área tradicional do Vale da Celulose.

Empresas do setor começam a atuar nesses novos municípios tanto para abastecer o polo industrial, especialmente a Arauco, em processo de implementação em Inocência — quanto para projetos de crédito de carbono, que ganham força no mercado global.

“Há necessidade de aumentar esse raio. A capacidade de produção daqueles 11 ou 12 municípios gira em torno de 7,8 milhões de hectares. Agora, com a projeção para outros municípios, o potencial sobe para 13,5 milhões de hectares que poderão ser plantados com eucalipto”, disse Lázaro.

Demanda da indústria de celulose faz crescer áreas de floresta plantada (Foto: Divulgação)

A área total compreende de 14 a 16 municípios entre Leste e o Nordeste sul-mato-grossense. A título de comparação, as florestas ocupadas pela silvicultura _ quase a totalidade por eucalipto _ em Mato Grosso do Sul terão, conforme as projeções, cerca de 135 mil quilômetros quadrados, o equivalente a 1,6% do território nacional e uma superfície maior que países como a Nicarágua ou igual a Estados como o Ceará.

De acordo com o diretor da Reflore-MS, são regiões marcadas pela degradação do solo, o que abre espaço para um grande potencial de recuperação ambiental. Ou seja, são áreas pobres para grãos, mas viáveis para florestas. O zoneamento agroecológico feito pela Embrapa Solos, em conjunto com o governo estadual, classificou a área como de alta vocação florestal por conta dos solos arenosos e quartzosos, além de condições do solo e clima favoráveis ao plantio de árvores. Para culturas como soja e milho, porém, a viabilidade é baixa devido à irregularidade de chuvas. “Como plantar soja que em 120 dias precisa ser colhida? Um veranico derruba a safra inteira.”

Na avaliação do executivo, a região é mais adequada para culturas agrícolas de ciclo mais longo, como eucalipto, seringueira e citricultura, que se adaptam melhor ao solo.

Apesar da expansão territorial, não há, por ora, negociações para novos projetos industriais na nova fronteira, nem previsão de deslocamento de investimentos do Vale da Celulose para essa região. As áreas plantadas servirão para reforçar o abastecimento das fábricas atuais, sobretudo a Arauco, em Inocência, dentro do raio de alcance.

O secretário-executivo de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), do governo estadual, Rogério Thomitão Beretta, tambném faz a mesma projeção, Segundo ele, o consumo de eucalipto para celulose deve mais do que dobrar nos próximos anos. O uso do eucalipto como fonte de biomassa — especialmente em indústrias de etanol de milho e secagem – também cresce de forma significativa.

Mesmo como o avanço do setor, Mato Grosso do Sul – que possui três biomas (62% Cerrado, 27% Pantanal e uma pequena área de Mata Atlântica) – mantém 38% da sua vegetação nativa preservada.

No contexto de eventuais impactos ambientais, Beretta disse que o Estado monitora o uso e ocupação do solo de forma contínua desde 2010. “Identificamos mudanças importantes, como a redução de mais de 5 milhões de hectares de pastagem e o aumento das áreas de remanescentes nativos”, disse.

Dessa forma, a preocupação com a questão ambiental fica superada, uma vez que esses 5 milhões de hectares de pastagens “vêm sendo realocados para ampliar nossa produção de grãos, nossas florestas plantadas e a produção de cana. Isso comprova que temos um modelo de crescimento sustentável.”

Colheita do eucalipto (foto: Divulgação)

Conforme Beretta, o Plano Estadual de Desenvolvimento Florestal, revisado em 2021/2022, estabelece ainda diretrizes baseadas no desenvolvimento sustentável, consolidação da cadeia de papel e celulose, diversificação da base florestal e fortalecimento da matriz econômica, com foco em competitividade. Além disso, o setor contribui fortemente para a meta estadual de carbono neutro até 2030.

Liderado pelo Vale da Celulose, formado por 12 municípios, Mato Grosso do Sul é o segundo maior produtor de eucalipto do Brasil, atrás apenas de Minas Gerais – por enquanto. “Esperamos alcançar essa liderança em breve.”

Segundo Beretta, o plantio de eucalipto já se aproxima de 2 milhões de hectares cultivados no Estado. “Temos 1.897.000 hectares de eucalipto, considerando também áreas de pinus e seringueira. Esse número vem das medições semestrais de uso e ocupação do solo; a última, em outubro, confirmou esse avanço.”

As árvores estão distribuídas entre Ribas do Rio Pardo (32%), Três Lagoas (21%), Água Clara (11%) e Brasilândia (10%), totalizando quase 1,7 milhão de hectares no Vale da Celulose.

A região concentra ainda as principais indústrias transformadoras. Além das fábricas de celulose, Água Clara hospeda ainda uma indústria de painéis e outras madeireiras com potencial de expansão.

Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (Foto: Divulgação Semadesc)

O Estado também investe, paralelamente, no programa de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. “Somos o primeiro Estado na adoção dessa tecnologia, que combina agricultura, pecuária e floresta, diversificando a produção e fortalecendo especialmente a indústria de celulose”, disse Beretta.

IMPACTOS

Já o diretor de Relações Institucionais da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), José Carlos da Fonseca, afirma que a indústria investe em pesquisa para mitigar eventuais impactos do eucalipto, especialmente no uso intensivo de água. Segundo ele, nos últimos 40 anos o setor se desenvolveu muito no Brasil, em meio às polêmicas sobre monoculturas que poderiam afetar o balanço hídrico ou a biodiversidade. Esse conhecimento gerado em manejo florestal tornou-se tema de estudos em universidades e centros de pesquisa.

“Trabalhamos com um conceito de manejo conhecido como mosaicos de paisagem, em que intercalamos florestas cultivadas – monoculturais – com áreas de vegetação nativa. A silvicultura funciona como uma atividade agrícola: plantamos eucalipto, em grande parte das regiões onde atuamos – e também pinus –, da mesma forma que se planta café, tomate ou laranja, mas com todo o rigor científico, desde o melhoramento genético até a logística. Sem isso, não alcançaríamos a capacidade produtiva atual, que envolve o plantio de até 1,8 milhão de árvores por dia.”

“Investimos em pesquisa e desenvolvimento para que essas espécies sejam adequadas a cada microclima e microrregião do Brasil. Hoje, graças ao melhoramento genético, isso é plenamente possível, e certificações internacionais atestam esse processo. Assim, conseguimos produzir mais consumindo menos recursos.”

Fábrica da Eldorado Brasil, em Três Lagoas (foto: Divulgação Eldorado)

PALMO A PALMO

A demanda por eucalipto, de agora em diante, é crescente e já provoca uma corrida pela expansão de florestas. A Eldorado, por exemplo, anunciou que vai dobrar a área de plantio a partir de 2026, acompanhando a Suzano, que este ano adquiriu terras para garantir matéria prima. Eldorado projeta passar de 25 mil para 50 mil hectares plantados de florestas por

Inaugurada em 2012, a planta produz 1,8 milhão de toneladas de celulose por ano, o que já é 20% mais do que a fábrica foi projetada para entregar.

Segundo o portal The AgriBiz, hoje a Eldorado administra um total de 300 mil hectares de florestas. As fazendas têm 670 hectares em média, um número que vem subindo ao longo dos últimos quatro anos. Uma das maiores propriedades, que veio nesse momento mais agitado para o setor de celulose no Mato Grosso do Sul, é a fazenda Debrasa, com cerca de 3 mil hectares, localizada em Brasilândia, a 65 quilômetros de Três Lagoas.

Mesmo com a vinda de diferentes empresas para Mato Grosso do Sul, cada uma ainda consegue áreas para plantar sem tanta sobreposição, dada a baixa densidade populacional do estado e, principalmente, a quantidade de terras a serem convertidas da pecuária.

Num exemplo prático desse momento, a Eldorado já conseguiu arrendar 15 mil hectares (dos 25 mil adicionais que vai precisar para o plantio de eucalipto a ser realizado a partir do ano que vem). Arrendar, ainda assim, é só primeiro passo (um passo em que, inclusive, a Eldorado foi pioneira no setor).

A diferença para conseguir manejar as florestas de forma adequada depende cada vez mais de tecnologia, que vai da semente até a colheita.

Produzir árvores altas, resistentes à escassez hídrica e com o máximo de aproveitamento para a produção de celulose é uma equação complexa. E que depende de um esforço intenso de pesquisa para descobrir as melhores variedades de eucalipto — ainda levando em consideração a adaptação ao solo.

(*) Fontes: Agência Senado, Semadesc e Portal Celulose

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