Degradação ambiental provocada pela soja e mineração pode estagnar ecoturismo na Rota Bonito Serra da Bodoquena

Por Agência 24h
Bonito recebe entre os dias 29 e 31 gente de vários cantos do planeta para uma conferência internacional sobre sustentabilidade. O debate é tratado como uma prévia de discussões sobre temas que serão debatidos em novembro na COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), em Belém (PA).
A conferência acontece quando as estatísticas colocam a capital do ecoturismo como a região que mais desmatou a Mata Atlântica. Além de estar ranqueada no desmatamento, Bonito, que tem 94% de sua área na Bacia Hidrográfica do Rio Miranda, vem sofrendo degradação ambiental e perda da biodiversidade, em razão da expansão das lavouras de soja e mineração na Rota Bonito Serra da Bodoquena.
As ações para a conservação dos recursos naturais nas últimas quatro décadas não foram suficientes para conter a degradação, que se verifica em toda a rota turística. A agropecuária e a mineração já alteraram o ecossistema. Uma das fontes de água cristalina, o Rio Mimoso, fica turvo quando a chuva leva mais areia e terra no fundo do leito, que no passado era rochoso.
Espera-se que a agenda de Bonito seja mais ambiental do que bioeconômica. Os participantes estarão diante dos problemas ao vivo. De qualquer modo, os dados recém divulgados sobre a degradação na Rota Bonito Serra da Bodoquena podem ilustrar projetos a serem levados à COP 30, sinalizando o que não deve ser feito.
ECOTURISMO – De acordo com o IBGE, o ecoturismo representa algo em torno de 60% do PIB de Bonito. Manter essa participação ou até ampliar, vai depender de uma agenda ambiental de resultados. A se manter o ritmo de degradação, o ecoturismo, uma das atividades econômicas mais pulsantes do planeta, pode se estagnar.

No começo do ano, em Zurique, na Suiça, o governador Eduardo Riedel falou como Mato Grosso do Sul age no combate ao aquecimento global e as ações implementadas pelo Estado na preservação e conservação dos seus três biomas – o Pantanal, a Mata Atlântica e o Cerrado.
A fala foi no Brazil Economic Forum Zurich 2025. Riedel também comentou sobre a conferência internacional em Bonito entre quinta-feira e sábado, destacando entre os assuntos a transição energética e as alternativas de financiamento para projetos relacionados à economia verde, questões abordadas dentro do tema da mudança climática. A descarbonização é uma das principais políticas do Estado, com meta de neutralizar em 100% as emissões de carbono até 2030.
OS NÚMEROS DA DESTRUIÇÃO
De acordo com dados divulgados pelo Instituto SOS Mata Atlântica e Neotrópica, compartilhados por outros institutos de pesquisa e ensino, a maior destruição da Mata Atlântica em Bonito teria ocorrido de 2019 a 2023. Foram desmatados 5.600 hectares, uma média de 1.400 hectares por ano. Entre 1985 e 2023, a área devastada foi de 90 mil hectares, o equivalente a 126 mil campos de futebol. Florestas que se transformaram em pastagens.
Os dados mostram que a área de 39% agora é de 26%, redução de 526 mil hectares da Mata Atlântica, lembrando que ali se dá a transição com outros dois biomas, o Cerrado e o Pantanal. A presença crescente da agropecuária e mineradoras de calcário não combina com ecoturismo. Não contribui para a consciência ambiental, que é o propósito do turismo de natureza. A punição de responsáveis pela degradação ambiental com danos à biodiversidade até agora foi inócua segundo as organizações não governamentais.

O desastre ambiental no Rio da Prata, em 2018, resultou em multas de R$ 16,5 milhões aplicados pelo Ministério Público Estadual (MPE), mas não impediu que os 46 quilômetros de drenos no leito entupissem de lama um dos rios mais contemplados por suas águas cristalinas.
A degradação segue uma métrica. Considerando dados que remontam a 1985, 40 anos atrás, a área de plantio de soja na bacia hidrográfica do Miranda era de 0,4%, ou 16 mil hectares. Em 2005 saltou para 2,3%, 80 mil hectares e, em 2023, chegou a 7%, ou 300 mil hectares.
Bonito não está sozinha no ranking de desmatamento da Mata Atlântica. O desmatamento na região de Bodoquena acendeu o alerta do sistema de monitoramento da cobertura vegetal nesse bioma, identificada como um dos locais com maior destruição.
Dados de 2024 apontam que a região de Bodoquena perdeu 524 hectares. O desastre é grande se somados os números da rota ecoturística, que inclui o município de Jardim. Segundo o Sistema de Alertas de Desmatamento da Fundação SOS Mata Atlântica, Jardim perdeu 388 hectares e Bonito destruiu 329 hectares.
- No ranking nacional, Mato Grosso do Sul ocupa a quarta posição entre os estados com maiores índices de desmatamento na Mata Atlântica, sendo que a região de Bodoquena, com seus fragmentos de floresta e parques tem o maior impacto.
“A Mata Atlântica é um bioma de grande importância para a biodiversidade brasileira, abriga uma vasta quantidade de espécies de plantas e animais, e é fundamental para a garantia de serviços ecossistêmicos”, destaca a SOS Mata Atlântica, alertando que o desmatamento na região causa a perda de biodiversidade, reduz a oferta de água, aumenta o risco de eventos climáticos e compromete a qualidade de vida da população.

Para a entidade, é preciso apertar a fiscalização e exigir o cumprimento da legislação ambiental, que muitos descumprem porque a atividade econômica comporta o custo das multas. Sugere também ações de restauração florestal, educação ambiental e políticas públicas efetivas. As chamadas soluções sustentáveis da “economia verde” são temerárias. A SOS Mata Atlântica reconhece ter havido em 2025 uma pequena redução do desmatamento, mas a supressão vegetal ainda ameaça, pois a diminuição apontada é de áreas menores que 50 hectares, quando há grandes derrubadas.
MOTO-SERRA – Uma das soluções sustentáveis teria resultado no licenciamento do poder público para desmate de 48 mil hectares em Bodoquena, no ano de 2023. A área seria a soma de “centenas de autorizações de supressão vegetal e de corte de árvores nativas isoladas”, segundo o Ministério Público, que cobrou, através da 2ª Promotoria de Justiça de Bonito, uma avaliação ambiental integrada para que o Instituto de Meio Ambiente (Imasul) considerasse a emissão das licenças.
Parecer técnico feito nas investigações do MPMS divulgado pela imprensa teria identificado que entre 2014 e 2022 foram emitidas 166 licenças ambientais pelo Imasul. Dessas, 74 para supressão vegetal e 92 para corte de árvores nativas isoladas.

“Ao todo, são 48.562,88 hectares autorizados para desmatamento na região das Bacias Turísticas da Serra da Bodoquena. Já na sub-bacia do rio Salobra, foram mais de 25 mil hectares de desmatamento autorizado e mais de 7 mil hectares em cada sub-bacia dos rios Formoso e do Peixe”, apontou a Promotoria de Justiça.
Além disso, entre 2013 e 2022, na região das Bacias Turísticas da Serra da Bodoquena, foram constatados 5.254,87 hectares desmatados, sendo 3.140,47 hectares autorizados pelo Imasul. Por outro lado, 2.114,40 hectares são de desmatamentos não autorizados.
Na apuração de impactos ambientais, conforme divulgação do site Midiamax News, além do desmatamento, o MPMS indicava que o avanço das atividades do agro na região de Bodoquena tem levado a mudanças drásticas no uso do solo.
“Principalmente através do desmatamento e da derrubada de árvores nativas para a substituição de áreas de pastagem por monoculturas”, diz trecho da recomendação feita à época ao Imasul, com advertência de que as autorizações ambientais devem se sustentar em vistorias in-loco para que não haja degradação. Principalmente quando há dispensa de licenciamento, prevista numa resolução em que o órgão se ampara com o objetivo de justificar suas medidas
ALERTA DE REPORTAGEM

Há aproximadamente um ano o site Campo Grande News abordou o problema da mineração e da agropecuária para a paisagem da Serra da Bodoquena e o impacto dessas atividades no turismo de natureza. Em junho do ano passado as autoridades ambientais acumulavam pedidos e pesquisa para mineração em quase toda a Serra da Bodoquena. A região poderia ser melhor protegida não fosse a caducidade da região como parque nacional.
Lucas Mamédio, repórter do Campo Grande News, escreveu:
A região do Parque Nacional da Serra da Bodoquena é uma das áreas mais deslumbrantes de Mato Grosso do Sul. Criado em novembro de 2000, como parte de um esforço da União para preservar a região, tem 76.400 hectares de extensão.
Situada na borda sudoeste do Complexo do Pantanal, se destaca por ser um importante “encrave” de Mata Atlântica em meio ao bioma Cerrado, abrange as cidades de Porto Murtinho, Bonito, Jardim, Miranda e Bodoquena.

Nos últimos anos, toda a região vem sendo objeto de interesse de atividades que são diametralmente opostas à conservação deste ecossistema. Dentre essas atividades estão a agropecuária e mineração.
Segundo relatório de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), elaborado pela Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), a região tem importantes reservas de calcário dolomítico e calcítico, fosfato e mármores, que servem para correção de solo em atividades agrícolas.
A estes bens minerais se somam a extração de água mineral, folhelho, filito (indústria cimenteira) granitos (brita e rochas ornamentais) e materiais de uso na construção civil (areia, cascalho e basalto) e na indústria cerâmica (argila).
De acordo com os dados disponibilizados pela Agência Nacional de Mineração, as empresas que realizaram operações envolvendo minério em Mato Grosso do Sul até junho de 2023 somaram 156 empresas. Tais empresas produziram em CFEM, ainda conforme relatório, mais R$ 36, 5 milhões.
Esses números representam, respectivamente, 93,41% do verificado em todo o ano de 2022. Considerando o período entre 2015 e 2023, a arrecadação da CFEM somou R$ 381,71 milhões, enquanto operaram em média 149 empresas. Desconsiderando o ano de 2023, os valores mostram uma tendência de aumento em relação a quantidade de empresas e de aumento no que diz respeito a arrecadação.
São lavras concedidas desde 1974, como é o caso da Horii Agro Industrial. Ainda em Bodoquena, pelo menos mais outras duas mineradoras realizam extração de bens minerais, a Betionne que trabalha com calcário e a IterCement, indústria de cimento.
TRANSFIGURADA – Bonito é outro polo de mineração que atrai cada vez mais empresas. Pensando nas ameaças ambientais com as quais Serra da Bodoquena convive, dentre as principais a mineração e lavoura, mas não só, um grupo de pessoas criou o coletivo Grupo Unidos Serra da Bodoquena, cujos membros fazem parte da sociedade civil e podem ser especialistas ou não. Ideia do coletivo é tentar proteger a Serra da Bodoquena denunciando casos de abuso por parte da iniciativa privada ou negligência pelo poder público

Taynara Moraes, educadora ambiental nascida no Pantanal e criada em Bonito, é integrante do Unidos Serra da Bodoquena e ataca, principalmente, o arcabouço legal vigente, por ser fraco e dar margem para degradação em níveis alarmantes.
“Eu não conheço mas o lugar onde cresci. Toda essa água cristalina da região é de uma especificidade, que é o solo, seu nível de calcário. Toda essa atividade de desmatamento, extração de bens minerais, afeta os rios e você vê rio turvando (ficando sujo) de um jeito que não se via antes”.
Os rios da região são conhecidos por suas águas muito cristalinas e de gosto salobro. Tal transparência se deve a nascente com pouquíssima turbidez (pouca sujeira). Nas nascentes, rochas calcárias muito puras evitam a presença de argila. Este calcário presente nos rios que vêm das rochas presentes nas nascentes age como um filtro, depositando as impurezas no fundo, onde rochas encontram-se em permanente dissolução e através de fraturas no solo formando cavernas, abismos e condutos subterrâneos,
Soja – Uma preocupação permanente é quanto a expansão da agropecuária. Segundo consta, área de grãos no município de Bonito cresceu 26% entre 2014 e 2018, em uma proporção seis vezes maior que a do estado de Mato Grosso do Sul, de acordo com levantamento de impactos feito no âmbito da estudo de impactos da implantação da Rota Bioceânica. Em 2010, eram 5.400 hectares de milho, passando para 32.250 em 2018.
A área de soja saltou de 14.200 hectares para 46.000 no mesmo período. Já em Jardim, em 2010, a área de soja era de 2.500 hectares e em 2018, alcançou 11.084 hectares. A de milho saiu de 1.400 hectares para 8.879 no mesmo período.
Há um ano Taynara sugeria uma legislação mais específica para a Serra da Bodoquena, cuja principal opção seria o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), instrumento legal que demarca um território a fim de desenvolvê-lo economicamente aliado com a conservação ambiental.
“É preciso criar leis específicas para Serra da Bodoquena. Um desenvolvimento que vai contra nossos recursos naturais, não faz sentido. São atividades concorrentes, ecoturismo e mineração com lavoura”.
Ainda conforme Taynara, a mineração tem uma agravante em relação à atividade agropecuária. “Caso haja um zoneamento que estabeleça que em tal lugar não pode mais ter lavoura, em 10, 15 anos de trabalho de reflorestamento o lugar pode voltar a ter características próximas a original. Já quando você coloca um morro a abaixo, no caso da mineração, não tem como subir de novo”.
Cavernas – Uma espeleologista, profissional da espeleologia, a ciência que se dedica ao estudo das cavernas, e que não quis se identificar, conta que várias das cavernas na região são ameaçadas por conta da mineração e agropecuária.
A mais conhecida da região de Bodoquena é a Gruta do Urubu Rei, localizada na região do Distrito de Morraria Sul, a gruta está a uma altura de 15 metros. Seu nome se deve a concentração dessas aves. Possui uma trilha íngreme que acompanha uma corredeira, possui nascente e uma cascata de aproximadamente 10 metros na sua facha frontal.
No Assentamento Canaã, a Caverna do Morro do Jericó é a terceira maior de Bodoquena, com 258,21m. Sua localização é através de trilhas a margem e por dentro das águas cristalinas do córrego Canaã.
“Existe uma quantidade numerosa de espécies novas catalogadas em cavernas da Serra. É uma biodiversidade que precisa ser preservada, mas que sofre demais com atividades antrópicas (realizadas pelo homem)”, lamenta a especialista.