A senadora Tereza Cristina (PP-MS) disse que o texto preenche lacuna na legislação federal e será uma espécie de “guarda-chuva” das leis estaduais
Por Agência 24*
A Comissão de Meio Ambiente (CMA) aprovou nesta quarta-feira (3) projeto de lei que apresenta um conjunto de regras para a conservação e restauração do bioma Pantanal. O chamado Estatuto do Pantanal (PL 5.482/2020) também estabelece princípios para o uso do ecossistema, com vistas ao desenvolvimento sustentável e ao respeito às diversidades locais e regionais.
O projeto, do senador licenciado Wellington Fagundes (PL-MT), obteve voto favorável do senador Jayme Campos (União-MT) e foi aprovado na forma de texto substitutivo do relator. Após a primeira votação, a matéria foi ratificada em turno suplementar ocorrido na mesma reunião. A proposição seguirá para a Câmara dos Deputados, se não for apresentado recurso para análise no Plenário do Senado.
O Pantanal é o menor de todos os biomas brasileiros: ocupa cerca de 150 mil quilômetros quadrados no Brasil, quase 1,8% da área total mapeada. Esse ecossistema divide-se entre os estados de Mato Grosso do Sul (65%) e Mato Grosso (35%). O bioma é destacado como Patrimônio Nacional pela Constituição e declarado Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Jayme Campos enfatizou que a matéria foi amplamente debatida em dez audiências públicas. Após a concessão de vista coletiva em 19 de junho, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou seis emendas ao projeto, todas rejeitadas pelo relator nesta quarta-feira.
— Estamos cumprindo aquilo que foi estabelecido na Constituição federal. Se passaram 36 anos para a regulamentação. Conseguimos dar um avanço para o homem pantaneiro — disse o relator, na reunião presidida pela senadora Leila Barros (PDT-DF).
Incêndios
O projeto, segundo Wellington, abrange os resultados de debates em torno de proposições semelhantes que tramitam no Congresso Nacional e também é fruto das atividades da Comissão Temporária Externa para Acompanhar as Ações de Enfrentamento aos Incêndios Detectados no Bioma Pantanal (CTEPantanal).
O autor destaca que a região tem sido palco de incêndios causados pela ação humana, principalmente as com a finalidade de implantação de atividades econômicas ligadas à pecuária e à agricultura. Na justificativa da proposta, ele defende a importância da proteção do bioma contra eventos graves, como as queimadas, por meio de uma legislação que concilie a conservação com o desenvolvimento socioeconômico.
Depois de sofrer fortemente com secas intensas e prolongadas e com incêndios florestais que destruíram cerca de 5 milhões de hectares entre 2019 e 2021 e causaram sérios danos à fauna e à flora da região, o Pantanal passa atualmente por novo momento crítico. Desde o início deste ano, já se somam 3,5 mil focos de incêndio, que já devastaram 700 mil hectares.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) reforçou a preocupação com a estiagem e disse que o Estatuto do Pantanal vem cumprir uma lacuna da lei federal. Ela destacou que os estados já fizeram recentemente leis locais, até mais severas do que a proposta federal, que será uma lei “guarda-chuva”.
— Estamos passando por uma seca muito severa no Pantanal. Temos uma vegetação em uma planície úmida, e os incêndios não são por desmatamento. (…) Temos que entregar alguma coisa para que os pantaneiros que estão lá há mais de 200 anos. Essa Casa cumpre o seu papel, entregando este estatuto.
Margareth Buzetti (PSD-MT) lembrou que o Pantanal está sob regime de seca há pelo menos 12 meses. A senadora destacou o trabalho dos brigadistas dos dois estados e de outras regiões do país no combate aos incêndios. Já o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) afirmou que, para proteger as propriedades de incêndios, é preciso fazer aceiros (desbaste de terreno em volta de propriedades) ao longo das rodovias.
Estatuto
A proposição estabelece princípios para o uso e proteção do bioma, como o desenvolvimento sustentável e o respeito às diversidades locais e regionais. Também apresenta objetivos para as políticas públicas a serem desenvolvidas na região — entre eles, a valorização de produtos e serviços oriundos do Pantanal, como forma de diversificação da economia regional, e a promoção do desenvolvimento da agropecuária por meio da capacitação e extensão rural, incluindo o incentivo a alternativas tecnológicas ao uso do fogo.
Entre as diretrizes gerais apresentadas para a proteção e recuperação nativa do bioma, destaca-se a gestão descentralizada e integração entre as políticas públicas das três esferas de governo, em especial no monitoramento e fiscalização ambientais, assegurada a participação da sociedade civil e dos setores científico, acadêmico e privado nos processos de formulação de políticas e de tomada de decisão.
O texto ainda aborda diretrizes para as políticas nacionais de prevenção e de combate ao desmatamento não autorizado no Pantanal, como a regularização fundiária, o combate às ocupações desordenadas e o incentivo à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), com o fim de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais e compor uma base de dados para controle.
O autor do projeto inseriu itens relacionados a instrumentos econômicos de incentivo a atividades que promovam o desenvolvimento sustentável no bioma, como o pagamento por serviços ambientais prestados e programas de compensação pelas medidas de conservação ambiental adotadas.
Manejo do fogo
Outra preocupação do futuro Estatuto é quanto aos planos de manejo integrado do fogo, de forma a garantir seu uso de forma responsável e evitar a formação e propagação de incêndios florestais.
O plano de manejo integrado do fogo, segundo o texto, é o instrumento de planejamento e gestão elaborado por pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a execução da queima prescrita ou controlada do fogo, do seu uso tradicional e adaptativo, da construção de aceiros preventivos, e do curso de formação de Brigadas de Prevenção e Combate aos incêndios florestais.
Entre as diretrizes previstas para as políticas nacionais, estaduais e municipais desse manejo, estão o mapeamento de zonas de risco para incêndio florestal, o monitoramento dos focos de calor por sensoriamento remoto e a criação de programas de brigadas florestais permanentes no combate de incêndios.
O novo Estatuto também prevê que o uso do fogo na vegetação será permitido apenas em práticas agrossilvipastoris (como agricultura e pecuária), queimas prescritas, atividades de pesquisa científica, práticas de prevenção e combate a incêndios, práticas culturais e de agricultura de subsistência por povos indígenas ou tradicionais, e na capacitação de brigadistas.
Turismo no bioma
O texto traz normas gerais, de competência da União, em relação a políticas públicas para o desenvolvimento do turismo do bioma Pantanal, a serem seguidas pelos estados e municípios. Essas políticas terão como objetivo buscar, entre outros, o estímulo e a capacitação do profissional de turismo por meio de parcerias públicas e privadas, viabilizando a inserção desse profissional e de comunidades locais no mercado.
As políticas públicas serão divididas em áreas estratégicas: desenvolvimento de destinos turísticos; certificação de atividades e empreendimentos turísticos sustentáveis; promoção e apoio à comercialização de produtos turísticos em prol do desenvolvimento sustentável; e gestão e fomento ao turismo com bases sustentáveis.
Selo “Pantanal Sustentável”
A criação de um selo “Pantanal Sustentável” para produtos e atividades sustentáveis originárias no bioma é incluída no texto como forma de valorizar e estimular essa produção, fomentar a prática de atividades turísticas e culturais e identificar boas práticas que resultem na preservação dos recursos naturais.
A autorização para o uso do selo terá validade de cinco anos, podendo ser renovada indefinidamente, mediante nova avaliação e vistoria do poder público ou entidade certificadora.
Regulamentação atual
De acordo com a Constituição, os biomas nacionais serão utilizados na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Contudo, apenas o bioma Mata Atlântica foi objeto de uma regulamentação própria federal.
Apesar disso, Jayme Campos destaca que, dada a competência concorrente entre União e estados para legislar sobre proteção do meio ambiente e do patrimônio turístico e paisagístico, os estados pantaneiros vêm regulamentando o uso do Pantanal há longa data.
Segundo o senador, Mato Grosso do Sul estabeleceu diversos avanços legislativos sobre a ocupação e uso estadual do bioma, como a lei que cria o Programa de Gestão Territorial e aprova a Primeira Aproximação do Zoneamento Ecológico-Econômico do estado (Lei 3.839, de 2015). Essas normas, para Jayme Campos, garantem aos produtores rurais maior segurança jurídica, além de terem sido aprovadas com ampla discussão da sociedade.
Já no âmbito de Mato Grosso, o relator destacou a lei que institui a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso (Lei 8.830, de 2008) e a consulta pública sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da região, o que denota avanços na instituição desse instrumento de gestão territorial.
Contudo, o senador ressalta em seu relatório que a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), em 2021, para questionar a demora do Congresso Nacional em editar lei que regulamente a conservação do Pantanal mato-grossense. Em junho, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão e decidiu que o Legislativo deverá regulamentar o tema num prazo de 18 meses.
Fonte: Agência Senado