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Risco ao Pantanal não impedirá conexão Hidrovia-Bioceânica

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Dragagem do Rio Paraguai enfrenta auditoria do TCU e denúncia de desastre ambiental com riscos de desaparecimento do Pantanal

O projeto de conectar a Hidrovia Paraguai-Paraná à Rota Bioceânica ressuscita a discussão  sobre as intervenções no rio Paraguai para incrementar a navegação. E a discussão chega junto com auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que aponta problemas nos serviços de dragagem, obra licitada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

Ambientalistas alertam para os impactos ambientais com a dragagem, mas o governo vai seguir com as obras. A conexão com a Bioceânica é uma consequência natural, porque a rota cruza o porto fluvial de Murtinho, que está ampliando seus terminais para atender o aumento no fluxo de embarcações. A cidade vai contribuir e se beneficiar com a intermodalidade do corredor de exportação que liga o Atlântico ao Pacífico. No futuro, será conectada a ferrovia, que está dentro do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Em meio ao avanço do corredor de exportação, estudo aponta o risco do “desaparecimento do Pantanal” por conta das intervenções no leito do Paraguai. Para lideranças pantaneiras, no entanto, essa preocupação se arrasta há 40 anos e veem o estudo com desconfiança, atribuindo a oposição sistemática de ONGs, apesar da nova concepção de obras, que traz o foco para a sustentabilidade, tanto ambiental quanto econômica.

Transporte fluvial opera desde a década de 1990 no Rio Paraguai se, licenciamento (Foto: Divulgação Governo de MS)

Artigo publicado na revista Science of The Total Environment, assinado por 42 cientistas brasileiros e estrangeiros, aponta que o aprofundamento de 700 km do canal natural do Rio Paraguai em seu trecho superior pode extinguir o Pantanal, porque a dragagem, ocorrendo permanentemente, afetaria toda a biodiversidade. “As obras desconectarão o rio de sua planície, encolherão o período e a área alagada anualmente, resultando em grave degradação da diversidade biológica e cultural do Pantanal”, diz o artigo, que já foi divulgado em plataforma digital e será destaque da revista Science of The Total Environment em edição impressa a ser publicada em 15 de janeiro de 2024.

Revista onde artigo de cientistas sobre impacto da Hidrovia Paraguai-Paraná.

A parte brasileira da Hidrovia Paraguai-Paraná começa em Cáceres (MT), chega a Corumbá e vai até o rio Apa, no município de Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul, num percurso de 1.270 km. Em toda essa extensão o Governo Federal, através do DENIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), licitou obras de dragagem no canal navegável do rio Paraguai, justificando a importância da hidrovia para a integração política, social e econômica da América do Sul.

Os serviços de dragagem, no entanto, não estariam sendo executados de acordo, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), que não aborda a questão ambiental, apenas a importância das obras para a navegabilidade do Paraguai. “A hidrovia tem papel de oferecer alternativa de transporte de passageiros e de cargas em grandes volumes, incluindo produtos agrícolas, minerais, combustíveis e produtos manufaturados, com menor custo em comparação com outros modais, como o rodoviário e o ferroviário”.

Para os pesquisadores, o ressurgimento do projeto de navegação ameaça a integridade do Pantanal.

  • “Essas alterações no canal do rio desconectariam o rio de sua planície de inundação, encurtariam o período de inundação e diminuiriam a área úmida, resultando em grave degradação da diversidade biológica e cultural do Pantanal, mundialmente notável. Os sedimentos do rio são principalmente arenosos e exigiriam dragagem perpétua”, diz o estudo, apontando que “os trechos que necessitam de dragagem mais intensiva são aqueles de maior valor ecológico, protegidos como Parque Nacional, Patrimônio Mundial da UNESCO e Reservas da Biosfera, além de diversas reservas indígenas e sítios Ramsar (zonas úmidas protegidas)”. 

Citando a crise hídrica entre 2019 e 2021, quando a navegação foi impossível mesmo nos trechos já aprofundados do rio Paraguai, os pesquisadores lembram que “apesar dos esforços financeiros e técnicos consideráveis, o sucesso do projeto de navegação é duvidoso, embora possam ser previstos enormes impactos ambientais, culturais e sociais. Por estas razões, o governo brasileiro já havia recusado o projeto em 2000. Sugerimos modos alternativos e menos impactantes de transporte de mercadorias, por exemplo, via ferroviária”.

Não há, conforme o artigo publicado pela Science of The Total Environment, nenhuma certeza de que o projeto de navegação se apoiará de forma sustentável em grande escala.

“O Rio Paraguai que flui através do Pantanal é a última grande paisagem fluvial da América Central do Sul que ainda possui uma estrutura quase natural. Representa o patrimônio biocultural do povo brasileiro e de todo o mundo, tendo status de Patrimônio Nacional, Patrimônio Mundial da UNESCO, Reserva da Biosfera e dois sítios Ramsar. A sua existência depende do regime natural de fluxo, que proporciona um padrão natural de cheias e secas numa vasta área”.

Fluxo de barcaças de grãos e minérios descendo o rio Paraguai. (Foto: Canal Aberto)

Os pesquisadores sustentam que os sítios mais bem preservados e sensíveis do Pantanal estão localizados na área de influência direta do projeto de navegação planejado. “Aumentar a capacidade do canal do rio para drenar as águas das cheias reduziria a extensão e a duração das inundações sazonais no Pantanal e, portanto, colocaria em risco as suas funções ecológicas e a sua diversidade biológica e cultural”.

BENEFÍCIO ECONÔMICO

O principal argumento a favor da extensão da hidrovia pelo Pantanal é que o transporte de commodities agrícolas por barcaças reduziria custos e tempo em comparação ao atual transporte por caminhões. Os minerais também seriam transportados, embora a maior parte da produção de minerais (ferro e manganês) seja exportada através de portos de Corumbá. Para os pesquisadores, no entanto, a afirmação da redução dos custos de transporte “não considera os custos para o Pantanal em termos dos impactos ambientais e sociais negativos que já se tornaram evidentes. A utilização não licenciada do rio para transporte em barcaças desde a década de 1990 forneceu provas da gravidade dos potenciais danos ambientais e culturais dentro e ao longo do corredor fluvial”. 

FISCALIZAÇÃO APONTA PROBLEMAS

Relator da auditoria do TCU, ministro Augusto Nardes (Foto: Divulgação )

Auditoria TCU) constatou falhas nos serviços de dragagem nos trechos entre Cáceres, em Mato Grosso, e Corumbá, em Mato Grosso do Sul, numa extensão de 680 quilômetros. A equipe especializada em infraestrutura portuária e ferroviária do tribunal considerou frágeis os levantamentos hidrográficos, cuja medição da temperatura da água é feita com termômetro manual. As constatações ocorreram após trabalhos de fiscalização feitos entre 17 de abril e 30 de junho deste ano.

O relatório de auditoria foi aprovado pelo plenário do tribunal em final de outubro e publicado no início de novembro. O alto custo pago pelo Governo pelos serviços de dragagem motivou a fiscalização. Há quatro contratos em vigor para os próximos cinco anos, totalizando R$ 107.312.967,72, para manutenção, desobstrução de vegetação e adequação da sinalização do canal navegável. No entanto, não foram encontradas irregularidades em relação a sobrepreço dos serviços contratados.

O tribunal concluiu que há falha no trabalho de medições das réguas. Além das réguas oficiais, cujos resultados podem ser consultados diariamente pelo site da Marinha, são utilizadas réguas não oficiais. Elas são lidas diariamente por moradores locais, pagos para executarem o serviço. “Tais medições são utilizadas diretamente como fator de correção ao final do cálculo e podem distorcer o levantamento hidrográfico técnico realizado 

O TCU identificou ainda a falta de canal de comunicação do DNIT com os usuários da hidrovia, que permita o controle público da navegação no Rio Paraguai. Segundo o tribunal, o órgão adota procedimento de receber comunicações através de contatos diretos das pessoas que usam a hidrovia. “Isso pode fazer com que usuários, uma das principais fontes de dados quanto à situação encontrada ao longo do canal hidroviário, deixem de prestar informações que seriam relevantes ao gestor dos contratos da hidrovia”, avalia o relator.

Nas diligências feitas ao longo da hidrovia, segundo o TCU, foram localizados desafios à navegação em determinados trechos, em razão da existência de bancos de areias e curvas com raios de curvatura mínimos nos canais de tráfego. “Assim, previu-se a execução dos serviços de dragagem no período de vazante do rio, entre os meses de maio e outubro, podendo ser estendido até o mês de novembro”, explica o relatório.

“Foi verificada também grande quantidade de vegetação flutuante levadas pelas águas, como aguapés, galhadas, formando “balseiros”, sob a forma de tufos isolados ou aglomerados, causando paradas sucessivas para limpeza dos detritos vegetais acumulados nos sistemas propulsores das embarcações”.

O ministro Augusto Nardes diz que a fiscalização resultará em benefícios à hidrovia, como melhoria na gestão e fiscalização de editais e contratos. Na decisão de suspensão das obras, o TCU esclarece que a desobstrução da vegetação superficial será feita com a passagem de rebocador em meio às ilhas de plantas aquáticas, com apoio de barcos pequenos. “A vegetação será dispersa pela passagem da embarcação e não será removida do leito do rio. O serviço será realizado especialmente no período de cheia, sempre que necessário”, recomenda.

Diligência do TCU na Hidrovia do Rio Paraguai (Foto: Divulgação )

Tráfego reduzido – O tribunal aponta ainda o “inexpressivo” tráfego de transporte comercial de cargas entre Cáceres e Corumbá, chamado de Tramo Norte: “O DNIT pontuou que a ausência de movimentação de cargas no Tramo Norte está relacionada com as estruturas portuárias nesse trecho da hidrovia que, até o momento da elaboração dos estudos e do último plano de dragagem, não haviam entrado em operação”. 

Sobre esse ponto, o DNIT esclareceu ao TCU que há previsão de instalação de terminais de uso privado no Tramo Norte, além da reativação do Porto de Cáceres para retomada do transporte fluvial. 

 

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