Déficit de R$ 595 milhões é pouca coisa diante da explosão de crescimento do Estado, de 6% ao ano, com investimentos 12 vezes maior que o “rombo” nos próximos anos
Por Agência 24h
O ranking do rombo nas contas dos estados, divulgado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra um quadro assustador, com dívidas ingovernáveis. O ranking aponta Mato Grosso do Sul com rombo de R$ 595 milhões. A pergunta que se faz é se esse déficit atrapalha os negócios do Estado.
Se se aprofundar na crise financeira dos estados, motivada pelo volume de dinheiro destinado ao pagamento de juros e serviços da dívida com a União, a resposta é não. Exige algumas providências de ajuste fiscal, mas não atrapalha, embora gere preocupação. Além da força do motor da economia, que ganha potência também com os grandes projetos de infraestrutura e logística, a política ambiental, que coloca todo o setor produtivo no processo de descarbonização, abre muito espaço para a chegada de recursos externos de toda ordem
Com déficit que corresponde a apenas 50% da folha do funcionalismo público, que alcança a casa do bilhão a partir de junho, MS só não ficou azul porque tem um outro déficit, o da previdência, em torno de R$ 18 milhões ao mês. Só não é maior porque ainda no governo de Reinaldo Azambuja houve duas reformas, a principal no final de 2017 e a segunda em 2019. Depois disso ficou menor a diferença entre a arrecadação das contribuições (inclusive dos aposentados e pensionistas) e o desembolso dos benefícios.
Apenas três estados estão com as contas no “azul” e um estado, o Mato Grosso, está “zero a zero”, segundo levantamento da Firjan. No vermelho, com as contas deficitárias, são 23 estados. O maior rombo é do Rio de Janeiro, com déficit de R$ 10,3 bilhões. Estudo da Firjan prevê que o déficit das 27 unidades federativas alcançará R$ 29,3 bilhões neste ano.
Paradoxo – Mato Grosso do Sul, no entanto, tem elementos fiscais muito diferentes dos demais estados, segundo os indicadores de competitividade, crescimento econômico (6% ao ano), capacidade de pagamento (nota A do Tesouro Nacional), margem para captação de financiamentos (perto de R$ 3 bi) e alto índice de investimentos per capita.
Remédios
Não por acaso, Mato Grosso do Sul não só manteve a mesma política tributária, mas reduziu impostos e incentivos para mais de 60 segmentos. Pacote que estendeu a benefícios fiscais com impactos na produção e comércio de alimentos, no setor da transição energética, como o incentivo ao GNV (Gás Natural Veicular) no transporte pesado, e na descarbonização da cadeia produtiva. Essas medidas são bem recebidas pelos investidores que até incorporam parte dos investimentos em projetos que complementam as demandas do poder público nas áreas de infraestrutura, saúde e educação, principalmente no chamado vale da celulose.
Há um ambiente muito positivo de crescimento, segundo o governador Eduardo Riedel, favorecido por investimentos públicos e sobretudo da iniciativa privada. Algo em torno de R$ 75 bilhões pelos próximos anos só na agroindústria e setor florestal.
É outro paradoxo da economia estadual, pois das 27 unidades da Federação, 18 já aumentaram a alíquota do ICMS em 2024 em relação a 2022 pra recuperar um pouco as finanças. MS preferiu reduzir o imposto e garantir aumento da produção. Nos moldes de uma liquidação comercial, preço baixo aumenta vendas.
O Estado é uma das unidades da Federação com melhores indicadores de solidez fiscal, capacidade de pagamento, nível de endividamento e volume de investimentos per capita, com nota A atribuída pelo Tesouro Nacional. A taxa de crescimento é a maior entre os estados, de 6%. O problema maior está no déficit previdenciário, um “nó” na contabilidade pública. O déficit da previdência em MS está em R$ 20 milhões por mês. A pergunta de 1 milhão de dólares é: quem está com a previdência no azul?
Receita caseira – O que minimiza os efeitos da crise financeira que alimenta o rombo, pelo menos em Mato Grosso do Sul, é a gestão da dívida com a União. Renegociada ainda no governo de Reinaldo Azambuja, o Estado conseguiu reduzir o desembolso de juros e serviços da dívida, significando mais dinheiro nos cofres para o governo tocar a máquina administrativa. Em qualquer cenário, o Estado consegue pagar suas dívidas, como os salários, pontualmente e em algumas vezes até antecipadamente. Todas as metas de ajuste fiscal foram cumpridas.
De acordo como o Centro de Liderança Pública (CLP), o grau de solidez fiscal dos Estados é apurado através de indicadores que levam em conta dimensões distintas, mas inter-relacionadas, de sustentabilidade fiscal. São eles: Taxa de Investimentos, Regra de Ouro, Solvência Fiscal, Sucesso do Planejamento Orçamentário, Dependência Fiscal, Resultado Primário, Gasto com Pessoal, Índice de Liquidez e Poupança Corrente.
Segundo o secretário estadual de Fazenda, Flávio César, a solidez fiscal é um indicador importante para a atração de investimentos e nesse quesito MS está no topo da competitividade.
“Um governo que consegue fechar suas contas em dia ganha credibilidade e confiança por parte dos contribuintes, empresas e investidores nacionais e internacionais. Solidez Fiscal nada mais é do que cuidar bem do dinheiro público. Arrecadar e aplicar com seriedade, investindo em todas as áreas que importam ao cidadão. É mérito da nossa equipe econômica que a muitas mãos vem trabalhando de forma competente para manter Mato Grosso do Sul cada vez mais competitivo”, afirma Flávio César.
Para o governo de Mato Grosso do Sul, garantir que as finanças públicas estejam equilibradas e que o governo tenha recursos para investir na melhoria dos serviços públicos é tudo. Nesse ambiente chegam os investimentos privados e lá na frente vem o resultado que é o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Para a especialista em estudos econômicos da Firjan Nayara Freire, um problema estrutural comum aos entes federativos é a rigidez orçamentária. “Quase 50% do orçamento dos estados brasileiros é destinado a pagar despesas com pessoal ou juros e amortizações da dívida – que são despesas de caráter obrigatório”, diz o estudo.
Entre os gaúchos, porém, esse comprometimento chega a 70,6% do orçamento. Em Minas, o engessamento é de 67,9% e no Rio, de 64,9%. No Rio Grande do Norte, o caso extremo nesse aspecto, o número chega a 77,7%.
Nó previdenciário
Outro entrave estrutural que complica a situação fiscal dos estados é o desequilíbrio previdenciário, com despesas que superam as receitas. Nesse caso, o déficit do Rio é de R$ 13,7 bilhões. Em Minas e do RS, ele fica em R$ 10,1 bilhões e R$ 8,8 bilhões, respectivamente. O buraco total da Previdência das 27 unidades federativas é de R$ 86,1 bilhões, de acordo com o estudo da Firjan.
Esse nó previdenciário, na avaliação da Firjan, tende a ficar mais complicado daqui em diante. “Hoje, para citar um exemplo, existem quase três aposentados e pensionistas para cada trabalhador na ativa no Rio Grande do Sul”, diz Nayara. “Esse é o maior nível de desequilíbrio na Previdência entre os estados.”
Entre as unidades federativas que podem servir de destaque positivo, Nayara cita o Espírito Santo. “Ele apresentou o menor percentual de rigidez orçamentária e o mais baixo nível de endividamento”, diz. “Como resultado, consegue destinar uma parcela significativa do orçamento para atender às necessidades da população.” Algo, para dizer o mínimo, raro entre os demais estados.
Velhos paliativos
O estudo destaca que, a cada ciclo de menor crescimento das receitas, o país volta a discutir medidas de socorro aos estados sem implementar reformas no orçamento. E mesmo com a aprovação da reforma previdenciária e a implementação da reforma tributária, as mudanças aplicadas não foram suficientes para garantir o equilíbrio fiscal. Isso no caso da primeira, a da Previdência. Em relação a segunda, a tributária, seu potencial só será observado no médio prazo.
“De forma geral”, acrescenta o trabalho, “a solução encontrada se resume em dois caminhos: aumento de carga tributária e pedido de suporte financeiro para a União”.
Efeito no curto prazo
O levantamento da Firjan indica que bater na porta da União e aumentar impostos representam um alívio de curto prazo frente ao remédio amargo de reformas estruturais. As mudanças, assim, deveriam alcançar a rigidez orçamentária, que torna os estados vulneráveis diante da queda de receitas, e a questão da Previdência.
Responsabilidade fiscal
O estudo cita ainda a questão das regras de responsabilidade fiscal. “Na legislação brasileira são muitos os decretos e leis que assumem a função de determinar as penalidades para o não cumprimento de regras fiscais. Entretanto, apesar das irresponsabilidades administrativas, nos últimos anos, muitos agentes públicos encontraram brechas para não serem punidos com as devidas sanções, que dependendo da infração pode resultar em perda de mandato ou ainda em detenção ou reclusão”, diz o texto.
O levantamento acrescenta que, para que as regras de responsabilidade fiscal de fato cumpram seu papel, “é fundamental que as restrições e sanções já determinadas sejam concretizadas”. “Caso contrário”, conclui a análise, “a gestão ineficiente e irresponsável dos recursos públicos se tornará uma prática ainda mais comum”.
Quem está no vermelho
Rio de Janeiro – R$ 10,3 bilhões
Minas Gerais – R$ 4,2 bilhões
Ceará – R$ 3,9 bilhões
Paraná – R$ 3,5 bilhões
Rio Grande do Sul – R$ 3,1 bilhões
Bahia – R$ 2,1 bilhões
Goiás – R$ 1,8 bilhão
Santa Catarina – R$ 1,4 bilhão
Roraima – R$ 1,2 bilhão
Amazonas – R$ 843 milhões
Distrito Federal – 812 R$ milhões
Paraíba – R$ 700 milhões
Pará – R$ 655 milhões
Mato Grosso do Sul – R$ 595 milhões
Piauí – R$ 558 milhões
Pernambuco – R$ 497 milhões
Rio Grande do Norte – R$ 417 milhões
Sergipe – R$ 363 milhões
Maranhão – R$ 133 milhões
Tocantins – R$ 74 milhões
Acre – R$ 47 milhões
Alagoas – R$ 33 milhões
Rondônia – R$ 2 milhões
Quem está no azul ou no zero a zero
São Paulo + R$ 7,1 bilhões
Amapá + R$ 1 bilhão
Espírito Santo + R$ 141 milhões
Mato Grosso = zero
(Foto do destaque: Bruno Rezende)