José Hamilton Ribeiro, jornalista mais premiado do Brasil, assina o Prefácio de “Diálogos do Ócio”, escrito pelo jornalista Bosco Martins
Para muitos o nome Globo Rural traz logo a imagem de José Hamilton Ribeiro, repórter que por muitos anos mostrou o interior do Brasil em reportagens documentais. O interior sempre foi a praia do jornalista, que já viveu fatos épicos, como a Guerra do Vietnan, e se descobriu no jornalismo literário. Não foi por acaso, portanto, que ele se encarregou do Prefácio do livro que traz confidências do poeta Manoel de Barros ao amigo Bosco Martins.
Há uma coisa em comum entre José Hamilton e Bosco Martins. São do interior paulista e se assumem “caipiras”, pela origem interiorana e gosto pela vida no meio rural. Para os dois, caipira é o gosto pela cultura, não só a intimidade com o mato e sua diversidade, como Manoel de Barros enxergava em seu “quintal”. O lançamento do livro de Bosco Martins marca o reencontro com o conterrâneo de “priscas eras” José Hamilton. Desta vez, Bosco leva o colega ao personagem central do seu livro, e não à pessoa, como no último encontro, quando o poeta ainda vivia.
Plugado – Mais cedo ou mais tarde José Hamilton se encontraria com Manoel de Barros. E o encontro proporcionou a reaproximação com Bosco Martins, um jornalista da época em que o repórter tinha que chegar “plugado” no acontecimento. Na Globo, Bosco era repórter de Rede em Mato Grosso do Sul e Hamilton repórter do Globo Rural. Os dois permanecem “plugados”, testemunhando a história a seu tempo.
José Hamilton Ribeiro se identificou com Manoel de Barros e Pantanal tem muito sentido como se poderá ver no desenrolar das confidências. Ao levar José Hamilton ao poeta, Bosco Martins promoveu o encontro simbólico entre o imaginário e o real, a interação do lugar do eu com o lugar do ser.
Hamilton e Manoel de Barros tinham, em comum, a íntima relação com o Pantanal. Trilharam caminhos totalmente diferentes, mas o destino os colocou no universo pantaneiro. O jornalista começou a fazer reportagens, em 1954. Pela revista Realidade – publicação que revolucionou o chamado jornalismo literário, com o repórter vivendo os fatos -, Hamilton foi cobrir a Guerra do Vietnã em 1978. Durante o trabalho, ele mesmo virou notícia ao ser mutilado e perder uma das pernas.
Atualmente aposentado, Hamilton tem uma lista imensa de prêmios. Só de Prêmio Esso, a distinção mais importante da imprensa brasileira no século passado, foram sete.
Natural de Santa Rita do Viterbo, no interior paulista, hoje é fazendeiro no Triângulo Mineiro. Ganhou projeção como repórter do Globo Rural e atribui-se a ele a visibilidade dada ao Pantanal, território ainda desconhecido. Visibilidade que se tornou mais emblemática na poesia de Manoel de Barros, conhecido como o poeta das “pequenas coisas”.
José Hamilton foi um precursor da difusão da música sertaneja e lançou “As 270 Maiores Modas de Todos os Tempos”. Em mais de 12 de reportagens, o Globo Rural rendeu tributo à música caipira, na voz do José Hamilton. Levou Mário Zan para conhecer uma chalana de verdade na beira do rio Paraguai. E o pôs a cantar com Almir Sater e Renato Teixeira. No programa Globo Rural, exaltou e pregou a preservação do Pantanal.
- As reportagens no Pantanal inspiraram duas publicações de José Hamilton – o livro “Pantanal, Amor Baguá” (um hino de amor à vida simples, bela e selvagem da região), e “Rio Paraguai – Das Nascentes à Foz”. Nas obras de Manoel de Barros e de José Hamilton, o mundo viu a importância de lutar pela preservação do Pantanal, a possibilidade de uma vida solta e livre de cercas e muros.
Sobre nada, inutilidades, pequenezas, deleite do ócio, introspecção, timidez crônica, facilidade em lidar com os estímulos da natureza e capacidade em transmitir a beleza do imperfeito. Há genialidade nessas características que moldam o perfil do poeta e José Hamilton aponta, no prefácio de “Diálogos do Ócio, a compreensão sobre a feição do poeta pós-modernista.
Amigo pessoal, Bosco Martins fez um inventário de décadas de amizade. Além do círculo familiar, ninguém conviveu tão próximo do poeta como Bosco Martins a ponto de Manoel de Barros torná-lo confidente, porta-voz de suas criações e até da própria existência.
Embora buscasse conjugar elementos regionais à considerações existenciais e surreais sobre o ambiente à sua volta, Manoel de Barros falava das pequenas coisas ao mesmo tempo que via o mundo menor que o seu quintal criativo. Muito mais tímido do que temperamental, Manoel de Barros tinha grande dificuldade de falar em público, mas todas suas “inquietudes” transbordavam na escrita.
“Ele era muito simples, enxergava como ninguém a importância das pequenas coisas e as criações ‘sobre nada’ abalaram as estruturas literárias, mas sempre estiveram na vanguarda. Suas obras surpreendiam porque eram transcendentais. Manoel de Barros cultivou a infância até os seus últimos dias”, conta Bosco Martins.
No Prefácio de Diálogos do Ócio, José Hamilton Ribeiro diz que Manoel de Barros não quis ser professor de ninguém. Tampouco pretendeu atiçar paixões. “Escrevia para deleitar, suponho que, primeiro, a si próprio. Uma conquista literária vinda de surpresa na biblioteca do colégio, ou no “caderno de rascunhos” onde fazia seus poemas, comparando a criação ao orgasmo, como relata em um dos “Diálogos do Ócio” deste livro”.
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“Desde meu primeiro contato com Manoel de Barros rolou entre nós uma simpatia que chegou ao ponto dele me indicar, ao Diretor e Produtor de TV Cláudio Savaget, para que eu fosse narrador de alguns de seus poemas no documentário “Paixão pela Palavra” da Globo News. Estive com Manoel de Barros na exibição do programa mais de uma vez, ora acompanhando Bosco Martins em algumas de suas constantes visitas ao poeta, ora levado por Pedro Spíndola”, conta José Hamilton.
- José Hamilton diz que “Diálogos do Ócio” é uma contribuição riquíssima para o entendimento do poeta e “uma celebração da sua finíssima cabeça”.
“Bosco Martins sempre esteve próximo do mundo de Manoel de Barros. Tendo sido seu precoce e sincero admirador, desde que, caipira do interior de São Paulo, escolheu viver no Mato Grosso do Sul no início da década de 1980. Acompanhou de perto a vida do poeta, e guarda, na memória e em documentos, eventualmente tudo que foi publicado (e o que não foi publicado…) sobre o poeta. Bosco usa a usina de ideias que tem permanentemente na cabeça para promover movimentos de celebração de Manoel de Barros como um grande autor e um poeta de lugar assegurado na História da Literatura Brasileira”.