Reportagem da Folha de S. Paulo revela “bronca” de Lula por falta de iniciativa e assessoramento técnico em reunião com presidente paraguaio para discutir tarifa de Itaipu
Reportagem da Folha de S. Paulo assinada por Catia Seabra e Ricardo Della Coletta, revela que o presidente Lula teria sido deixado em situação constrangedora ao ser obrigado a discutir assuntos técnicos relacionados à tarifa da energia de Itaipu Binacional com o presidente do Paraguai, Santiago Peña. “Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu”, publicou a Folha de S. Paulo, informando que o presidente “se irritou com ministros por falta de coordenação”.
Faltou “desempenho” da equipe de Lula durante a reunião que teve com o líder do Paraguai, Santiago Peña, no dia 15, em Brasília. A Folha ouviu de auxiliares que Lula manifestou sua contrariedade durante encontro com ministros na manhã da última quarta-feira (17), queixando-se dos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Fernando Haddad (Fazenda), do que “avaliou como falta de iniciativa e sintonia dos seus subordinados para defender a posição do Brasil nas negociações sobre a usina hidrelétrica de Itaipu”.
“A principal reclamação de Lula foi com a pauta da audiência. Os paraguaios desembarcaram em Brasília dispostos a pressionar Lula pelo aumento do preço da energia elétrica cobrado pela binacional”, diz a reportagem.
“Eles querem que os recursos oriundos do reajuste sirvam para financiar projetos de desenvolvimento e infraestrutura no país vizinho, um dos mais pobres da região”.
A Folha informou que o Brasil e Paraguai estão no meio da renegociação das bases financeiras do tratado que concretizou a usina, que é gerida pelos dois países.
“O governo Peña quer elevar a tarifa para os valores cobrados antes da quitação da dívida bilionária contraída há cerca de 50 anos para a construção da hidrelétrica, enquanto o Brasil se opõe com medo dos impactos desse reajuste na conta dos consumidores. Lula já entrou contrariado na reunião com Peña e sua equipe, por considerar que não cabia aos presidentes discutirem questões técnicas como tarifa de energia”.
O presidente avalia que esse debate caberia ao corpo diplomático e aos representantes do Brasil no conselho de Itaipu. Penã insistiu para conversar diretamente com Lula, sem que as autoridades brasileiras conseguissem convencer os paraguaios que a pauta deveria antes ser resolvida em nível técnico.
Frente a frente – A Folha apurou que “Lula se queixou de não ter sido devidamente preparado por seus auxiliares sobre os argumentos que poderiam ser apresentados pelos paraguaios. Nesse sentido, a equipe de Lula não ajudou a mudar o quadro adverso para o presidente. Por sua vez, Peña, ex-ministro da Fazenda do Paraguai, entrou na sala munido de dados técnicos para argumentar em prol do aumento da tarifa”.
No Paraguai, as condições do tratado de Itaipu são consideradas um tema existencial para o governo, com potencial de gerar crises e até ameaçar presidentes. Assuntos da usina são centrais na pasta da Fazenda paraguaia.
A reportagem destaca que o conservador Peña é um economista de direita que foi eleito para governar o país vizinho em abril de 2023. Sua vitória garantiu mais cinco anos de hegemonia ao partido Colorado, que já comanda o país há quase 70 anos. A exceção foi a gestão do ex-bispo de esquerda Fernando Lugo, de 2008 a 2012, que sofreu um impeachment a meses de completar o mandato.
Queda-de-braço – “Durante a reunião no Itamaraty, Peña chegou a apresentar um documento assinado por Lula e Lugo, em 2009, no qual os dois países se comprometeram a trabalhar contra a desigualdade regional no continente. Embora não cite diretamente a tarifa agora em negociação, o texto foi exibido como prova de um compromisso passado de Lula pela manutenção dos preços praticados por Itaipu durante o pagamento da dívida da empresa”.
Principais trechos da reportagem
“De acordo com pessoas que testemunharam a audiência, Haddad e o diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, intervieram para contestar alguns dos argumentos levantados pelos paraguaios. As autoridades brasileiras alegam que a tarifa deve permanecer mais baixa após o pagamento da dívida da construção, o que ocorreu no final de 2023”.
“O governo defende manter o patamar de US$ 16,71 por kW (quilowatt). Já o Paraguai reivindica cerca de US$ 22 por kW. Cada dólar representa uma receita adicional superior a US$ 136 milhões à estatal, a ser partilhada entre os dois países”.
“(…) Lula tentou contornar a pressão paraguaia citando de memória fatos de negociações anteriores sobre Itaipu que ele conduziu com outros dois presidentes do país vizinho: Nicanor Duarte e Lugo. Quando Peña lançou mão da declaração conjunta assinada em 2009, por exemplo, Lula esquivou-se ao brincar que havia sido mais fácil negociar temas relacionados a Itaipu com Nicanor, de direita, do que com líderes ideologicamente próximos, em uma referência a Lugo”.
“O documento firmado por Lula e Lugo serviu como base para que, pouco depois, o Brasil se comprometesse a financiar a montagem de uma linha de transmissão entre Itaipu e a região de Assunção. Nesse sentido, Lula também afirmou a Peña que, na época do acordo com Lugo, havia sido muito difícil convencer a população brasileira e parlamentares de que o investimento seria bom para o Brasil”.
Funcionários sem salário
“Outra fonte de insatisfação de Lula está na recusa do governo paraguaio em firmar um acordo que permitiria o funcionamento administrativo de Itaipu até que um consenso sobre a tarifa seja alcançado. Tradicionalmente, as diretorias das duas margens, brasileira e paraguaia, selam um procedimento provisório para evitar a paralisação das atividades enquanto o preço não é definido”.
“Desta vez, os sócios paraguaios se recusaram a avalizar o procedimento. Com isso, fornecedores e funcionários ficaram sem receber. Na sexta-feira (19), a diretoria-geral de Itaipu divulgou uma circular aos funcionários explicando a situação e informou estar em busca de uma solução consensual. Depois da reunião com Peña, Lula deu declarações no Itamaraty em que reconheceu as divergências com o líder paraguaio sobre Itaipu”.
“O petista disse querer finalizar a renovação do contrato da usina o mais rápido possível e afirmou que irá ao Paraguai para seguir as negociações. Eu disse ao companheiro [Peña] que vamos rediscutir a questão das tarifas de Itaipu. Nós temos divergência na tarifa, mas estamos dispostos a encontrar solução conjuntamente e nos próximos dias vamos voltar a fazer reunião”, afirmou.