Entidades civis reconheceram ao mesmo tempo avanços e possibilidades para frear combustíveis fósseis e desmatamento
Por Aldem Bourscheit – Portal ((o)) eco
Sem menções no texto oficial à eliminação dos combustíveis fósseis e do desmatamento – as duas maiores fontes globais de emissões – ou a de onde virá todo o dinheiro necessário para conter a crise do clima, a COP30 se tornou alvo de críticas, especialmente da sociedade civil internacional.
Para a diretora-executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali, alguns países seguem não tratando urgência como urgência, ou crise como crise.
“A COP da Verdade revelou as verdades que, infelizmente, já sabemos: o lobby dos fósseis, dos gigantes do agro e de outros setores que seguem lucrando com a nossa destruição tem sido bem sucedido em segurar avanços e embaralhar o jogo”, disse.
Diretor para a América Latina e o Caribe da ong 350.org, Ilan Zugman reforçou que a falta de compromissos concretos no texto final da COP30 mostra quem continua se beneficiando do atraso. “É a indústria de combustíveis fósseis e os ultra milionários, não aqueles que vivem a crise climática dia após dia”.
Conforme Laura Restrepo Alameda, da Climate Action Network Latin America (CANLA), a recusa dos países desenvolvidos em permitir nos textos de algo concreto para a transição revelou uma falta de vontade política incompatível com o limite de 1,5 °C.
“Esse fracasso coloca em risco os direitos intergeracionais, especialmente os das crianças, que herdarão uma crise que não criaram. Também evidencia a necessidade urgente de conversas honestas sobre justiça, reparações e responsabilidade estrutural”, ressaltou.
Todavia, sobretudo o Sul Global não tem mais tempo para esperar outra COP que não considere seriamente a necessidade de fazer a transição para além dos combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, ressaltou Carolina Sánchez Naranjo, coordenadora da Rede do Grande Caribe Livre de Fósseis.

“Todos os anos, muitos dos nossos países do Caribe precisam de entre 5% e 10% do seu PIB apenas para se recuperarem de furacões e desastres climáticos causados pelas emissões do Norte Global”, relatou.
Sobre a falta de dinheiro, Ana Carolina González Espinosa, diretora-sênior de Programas, Natural Resource Governance Institute (NRGI), disse que converter palavras em ação também exigirá uma mudança profunda no apoio financeiro para que a transição energética seja justa e viável.
“Sem isso, esperar que as pessoas e comunidades das regiões produtoras de petróleo do Sul Global empreendam transições de alto risco continuará sendo um sonho impossível”, apontou.
Além disso, a dramática ausência de decisões sobre os roteiros da transição energética e para reduzir o desmatamento mundial acaba não reforçando o multilateralismo, avaliou Fernanda Carvalho, líder Global de Política Climática e Energética do WWF Internacional.
“Esses roteiros permitiriam avançar a partir do compromisso firmado em 2023, em Dubai (COP28), especialmente num momento em que as metas nacionais de corte de emissões, as NDCs, seguem insuficientes para manter o aquecimento médio global em até 1,5°C”, detalhou.
Além do horizonte da COP
Marcando uma década após o Acordo do Clima de Paris, na COP21, que trouxe as metas atuais para evitar o colapso do clima, a COP30 acabou colhendo avanços em outras frentes de negociação, avaliaram fontes de entidades civis.
Para Zugman, a mobilização mundial nas ruas de Belém impulsionou uma coalizão de quase 90 países apoiando o fim da produção e uso de combustíveis fósseis. “Esse impulso já é imparável, começando com a conferência sobre a eliminação dos combustíveis fósseis na Colômbia, em abril próximo”.
“Esperamos avançar no diálogo para acelerar a transição para a eliminação dos combustíveis fósseis após a COP30”, acrescentou Naranjo sobre o evento.

Nesse sentido, Tatiana Oliveira, líder de estratégia internacional do WWF-Brasil, avaliou que a COP30 foi um divisor de águas ao reconhecer que a ação climática vai além das salas formais da UNFCCC. “A distância entre a força social e as páginas frágeis do acordo mostra que as soluções vêm das pessoas e dos territórios”.
“Muitas vitórias das que realmente importam, como a inclusão de afrodescendentes no texto e a menção aos direitos territoriais dos povos indígenas e ao Consentimento Livre, Prévio e Informado, são passos históricos que ajudam a garantir direitos”, destacou.
Sobre esse contexto, Gisela Hurtado, coordenadora de campanhas pela Amazônia na Stand.earth, destacou o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas – incluindo seu direito à autodeterminação –, como uma vitória da COP, “realizada pela primeira vez na Amazônia, lar da maioria dos povos isolados do mundo”.
Quanto a essas populações, Pasquali destacou a participação histórica indígena que levou à homologação e ao reconhecimento de terras, a gigante Marcha Global pelo Clima e recursos mobilizados para florestas.
“Certamente, há um legado de engajamento e mobilização que ainda não conseguimos medir, mas que trará impactos positivos para o nosso país”, apontou.
Já o diretor-executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic, contou que foram mobilizados 117 planos para acelerar soluções em larga escala, envolvendo setores em todo o Brasil e no mundo, numa conferência marcada pela forte inclusão de grupos sociais como povos indígenas e comunidades locais.
“A COP30 apresentou resultados importantes que vão além dos textos oficiais de negociação, e isso deve ser levado em consideração. A ação climática não está – e não deveria estar – restrita a conversas formais”, ressaltou.




