Nações em desenvolvimento detêm a maior parte das reservas de minerais essenciais para energias limpas
Elton Alisson, de Belém | Agência FAPESP
A necessidade de acelerar a transição energética – um dos principais temas da COP30 – representa uma oportunidade única para os países do Sul Global atraírem investimentos, talentos e desenvolverem suas indústrias, uma vez que detêm a maior parte das reservas dos minerais essenciais para tecnologias limpas e têm experiência e pioneirismo na criação de novos mercados, como o de bioenergia, no caso do Brasil, e de veículos elétricos pela China. Para concretizar esse plano, contudo, será preciso aumentar a cooperação científica e tecnológica entre esses países e buscar novas fontes de financiamento para o desenvolvimento de tecnologias e inovações, entre outros obstáculos.
A avaliação foi feita por especialistas da África do Sul, Brasil, China e Índia em uma mesa-redonda sobre os desafios e oportunidades para a cooperação Sul-Sul no cenário de descarbonização da economia global até 2050, promovida pela FAPESP, que aconteceu sábado (15/11) no Pavilhão do Brasil, durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30).
“Os países em desenvolvimento são os que melhor compreendem os desafios uns dos outros. Como enfrentamos muitos desafios comuns, tanto climáticos como ambientais e também de desenvolvimento econômico, é fundamental que nos apoiemos mutuamente, compartilhando o melhor conhecimento e as melhores tecnologias e soluções disponíveis” disse Pu Wang, professor do Instituto de Ciências e Desenvolvimento da Academia Chinesa de Ciências (CAS, em inglês).
“Países como Brasil, Índia e a África do Sul, por exemplo, possuem vastos territórios, o que é excelente para o desenvolvimento de energia eólica e solar e também para atrair investimentos em energias renováveis e profissionais qualificados na área”, avaliou o especialista, que é diretor de pesquisa no Instituto de Estratégias de Desenvolvimento Sustentável da CAS.
Na opinião de Wang, o exemplo da China no desenvolvimento da indústria de carros elétricos é bastante ilustrativo de como os países do Sul Global podem aproveitar as oportunidades no campo da transição energética.
“Há 20 anos, a maioria dos países americanos acreditava que as mudanças climáticas eram um obstáculo ao desenvolvimento econômico. Mas o que aconteceu na China nos mostrou que isso pode ser uma grande oportunidade. Hoje, o país é um grande exportador de automóveis. Isso era totalmente inacreditável há dez anos e se deve ao desenvolvimento de veículos elétricos”, disse Wang.
“Acredito que outros países do Sul Global possam, por meio da comunicação e do intercâmbio com a China, realizar feitos semelhantes no desenvolvimento de suas indústrias”, avaliou.
Financiamento à pesquisa
O financiamento à pesquisa teve um papel crucial no desenvolvimento das energias renováveis na China e será fundamental para impulsionar a criação de novas tecnologias na área pelos outros países do Sul Global, apontou Wang.
Para aproveitar essa oportunidade, os países em desenvolvimento podem começar pelos passos mais fáceis, como a fabricação de painéis solares e baterias ou a montagem de diferentes produtos. E se continuarem investindo em pesquisa científica e tecnológica terão cada vez mais capacidade tanto na fase inicial como no desenvolvimento de tecnologias mais avançadas, aconselhou.
“Isso representa um ciclo muito positivo para modernizar nossas indústrias, aprimorar nossa estrutura e, finalmente, dominar a economia e alcançar a transição energética. Acredito que esta seja uma oportunidade em um século para esses países.”
Uma das áreas nas quais os países do Sul Global podem colaborar é na busca de soluções para o aprimoramento e a modernização de suas redes elétricas de alta tensão, que são cruciais para a energia renovável por permitirem o transporte eficiente de eletricidade de áreas de geração (como usinas solares e eólicas) para os centros de consumo, com perdas mínimas de energia, apontou Dipak Dasgupta, membro do Instituto de Energia e Recursos da Índia (TERI, em inglês) e do Conselho Científico da COP30.
“A capacidade das redes de transmissão de alta tensão para lidar com a energia renovável é um problema comum a todos nós [os países do Sul Global]. Na Índia, enfrentamos isso de forma muito intensa. Quando se chega a cerca de 26% de capacidade de renovável, surge o problema da transmissão de alta tensão. Isso é algo muito complexo, mas que já resolvemos”, afirmou Dasgupta.
“Por isso, não há absolutamente nenhuma razão para que nossos engenheiros na Índia não conversem com os operadores de redes de energia do Brasil ou da China, por exemplo. Há muito conhecimento que pode ser compartilhado.”
O especialista indiano, que foi o principal conselheiro econômico do Ministério das Finanças da Índia, onde estabeleceu uma unidade de financiamento climático e liderou negociações financeiras em várias COPs, avalia que esse é um dos principais entraves para o desenvolvimento de novas tecnologias em energias renováveis no Sul Global.
“Precisamos de um instrumento especial para começar o financiamento. Caso contrário, não passaremos para o próximo nível”, estimou.
Além disso, na avaliação dele, é preciso organizar as instituições financeiras para aportar estrategicamente recursos em projetos voltados ao desenvolvimento de tecnologias de energias renováveis nos países em desenvolvimento.
Transição justa
Assegurar a transição energética justa é crucial nos planos de aceleração da indústria de energias renováveis nos países do Sul Global, ponderou Harald Winkler, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Cape Town, na África do Sul.
“Enquadrar a transição energética como justa é absolutamente crucial. Os objetivos não podem ser apenas para ter emissões zero líquidas para não ultrapassar 1,5 °C de aquecimento global. É preciso fomentar a participação das comunidades para liderarem o processo de determinação de seu futuro”, avaliou.
Outro desafio para os países em desenvolvimento aproveitarem as oportunidades apresentadas pela urgência da transição energética é desenvolver cenários nacionais e regionais de emissões líquidas zero, apontou Thiago Barral, ex-secretário nacional de Transição e Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia do Brasil.
“Uma vez que os países em desenvolvimento habilitem a capacidade de construir cenários e entender como suas condições e circunstâncias específicas podem ser abordadas no contexto de uma transformação global, acredito que isso nos dará a base para fortalecer a cooperação Sul-Sul.”
O evento teve a mediação de Gilberto Jannuzzi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessor da Diretoria Científica para o Programa de Transição Energética da FAPESP.
“O objetivo foi trazer a perspectiva de atores-chave que podem ser potenciais parceiros na aceleração e promoção da inovação em relação à descarbonização e à transição energética”, disse.
Legenda da imagem do destaque:
Atores-chave, como China, Índia e África do Sul, podem ser potenciais parceiros na aceleração e promoção da inovação em descarbonização e transição energética (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)




