Com fronteira estratégica para o crime, Estado sugere investir em pessoal e diz que não consegue bancar gastos com tantos presos
Por Agência 24h
O governo de Mato Grosso do Sul apoia PEC da Segurança, mas diz que é preciso contratar servidores para policiar fronteira de mais de mil quilômetros e mais dinheiro da União para o Estado manter traficantes presos no sistema penitenciário estadual. Dos 21.483 presos nas unidades penais, 37% foram condenados por tráfico de drogas. Além das drogas, há o tráfico de armas. A característica geográfica tornou a fronteira estratégica para o crime organizado.
O Estado faz o que pode, contando com uma unidade especial de fronteira, mas são 45 municípios na faixa de fronteira com o Paraguai e a Bolívia. Seis cidades são gêmeas, ou seja, separadas apenas por uma linha imaginária, onde brasileiros e paraguaios vivem totalmente integrados. Nessas cidades é que as forças de segurança, inclusive federais, concentram o policiamento.
Desde o governo anterior, Mato Grosso do Sul tenta dividir com o governo federal os custos pela manutenção de presos condenados por crimes transnacionais, como o tráfico internacional de drogas e de armas. O Estado tem o maior custo médio por preso do país. Em 2023 o custo médio mensal de cada custodiado no sistema penitenciário estadual era de R$ 3.199,54, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). O Conselho Nacional de Justiça calcula a média do custo nacional em R$ 2.400 nos sistemas estaduais e mais de R$ 4 mil no sistema federal. Mato Grosso do Sul gasta quase R$ 60 milhões por mês na manutenção da estrutura e população carcerária.
Mais polícia na fronteira
O vice-governador José Carlos Barbosa (Barbosinha), que já foi secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado, diz que os investimentos em tecnologia e estrutura são importantes, mas para operar o sistema com eficiência e policiar uma extensa fronteira, é preciso gente, mais policiais ocupando os espaços por onde transitam os criminosos. Barbosinha participou a reunião em que o governo federal começou a rascunhar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
“Mato Grosso do Sul é localizado em uma região de fronteira, por onde ingressam drogas, armas e munições que alimentam o crime organizado dos grandes centros e só não é um caos, do ponto de vista de segurança pública, graças ao trabalho da nossa polícia estadual. Temos um Departamento de Operações de Fronteira que é referência no país, temos uma delegacia especializada de fronteira e uma profunda integração com as forças federais, mas o efetivo é diminuto. Guarnecer a nossa fronteira é um passo fundamental para cuidar do Brasil e atingir o coração do crime organizado”, disse Barbosinha.
O vice-governador vê falhas na segurança dos presídios, mas afirma que o problema é a facilidade com que os presos se comunicam, em razão do acesso aos sinais de celular.
“Precisamos de um sistema de bloqueios de sinal telefônico mais efetivo. É impressionante! Podemos construir um presídio no lugar mais ermo que existe, que antes de terminar já tem uma torre de sinal de celular. Se é um sistema de concessão, porque não as operadoras ficam responsáveis? São elas que modificam a tecnologia. Os estados, se colocam bloqueadores, daqui a um ano não têm mais eficácia. Então, as empresas de telefonia deveriam ser as responsáveis por bloquear esse sinal e isso ser embutido nos custos”.
“Nós só iremos vencer o crime organizado, o crime transnacional com a integração de todos os estados envolvidos e, sobretudo, com a articulação e organização necessária por parte do Governo Federal. Eu compreendo que o sistema precisa de ser aprimorado e dedicada atenção especial, principalmente, aos estados fronteiriços como o Mato Grosso do Sul, que possuem características completamente diferentes dos demais que não se localizam em região de fronteira”, pondera.
Rota capilarizada – estratégica para o crime
Da mesma forma que o Estado possui uma logística importante para a economia, o fato de ter eixos rodoviários que demandam aos grandes centros consumidores, também tornou o Estado um terreno fértil para a atuação das organizações criminosas. Segundo os especialistas, baixa densidade demográfica, 45 municípios conectados à fronteira e contingente pequeno de policiais tornam a fronteira estratégica ao crime organizado.
Em artigo publicado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social das Fronteiras, Wagner Ferreira da Silva, aponta os gargalos e desafios da segurança e combate às organizações criminosas. Eis os trechos principais do artigo que apontam a complexidade da segurança.
Com o Paraguai são 436,9 km de fronteira seca, ou seja, delimitada artificialmente por meio de marcos de concretos fixados a cada cerca de 900m. Ainda há uma fronteira fluvial de pouco mais de 641 km de extensão compostas pelos Rios Estrela, Apa e Paraguai.
Já com a Bolívia há uma fronteira de 401,9 km de extensão, dos quais 135,3 km entre fronteira fluvial e áreas alagadiças do Pantanal, com destaque ao Rio Paraguai.
Uma outra característica de Mato Grosso do Sul que facilita o enraizamento do crime são as cidades gêmeas, aquelas onde os municípios são cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, integrada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar a unificação da malha urbana com cidade do país vizinho e com população superior a 2 mil habitantes, são importantes polos de comunicação e interação econômica e social, inclusive do mundo marginal, a exemplo de Corumbá (BRA) e Puerto Quijarro (BOL); Porto Murtinho (BRA) e Capitain Carmelo Peralta (PY); Bela Vista (BRA) e Bella Vista Norte (PY); Ponta Porã e Pedro Juan Caballero (PY); Coronel Sapucaia (BRA) e Capitain Bado (PY); Paranhos (BRA) e Ypejhú (PY); e Mundo Novo (BRA) e Salto del Guairá (PY).
Estes pontos impactam diretamente tanto na aplicação das medidas de repressão ao crime e violência, quanto na aplicação de outras políticas públicas que vão interagir com a segurança pública.
Rota Bioceânica – desafio para a segurança
A Rota Bioceânica num traçado de 2.396 Km de corredor rodoviário ligando os dois maiores oceanos do planeta, Atlântico e Pacífico, percorrendo Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, fazendo a conexão do Porte de Santos aos portos de Iquique e Antofagasta também estabelecerá em Mato Grosso do Sul uma nova rota tanto do tráfico de entorpecentes quanto do contrabando, já que é muito comum a utilização das estruturas estatais para ação de organizações criminosas, que promove uma espécie de simbiose com o estado para obtenção de poder e lucro.
A tudo isso acrescenta-se o projeto de construção de uma ponte internacional sobre o Rio Apa ligando os municípios de Porto Murtinho e Valemi (PY) na busca da consolidação da integração entre os países, desenvolvimento de suas economias, fortalecimentos de seus laços culturais e sociais, além do fomento ao turismo local.
Todo esse cenário é importante para demonstrar o quanto as fronteiras em Mato Grosso do Sul se tornaram espaço estratégico para a atuação de diversas organizações criminosas, sobretudo aquelas que praticam o tráfico de drogas.
O crime atua em rede e consegue conectar apoio, logística, execução e administração financeira das diversas práticas ilícitas, nos territórios do Brasil e de seus vizinhos. Pode-se dizer que organizações criminosas de origem nacional, do Paraguai e da Bolívia fazem “negócios” nos mais diversos ramos do crime na fronteira e potencializam a violência na região e a irradiam.
Com frequência é possível acompanhar o crescente número de assassinatos violentos na região de fronteira. Esses episódios cada vez mais comuns estão diretamente relacionados a busca por domínio de território e poder por parte do crime organizado e revela problemas estruturais, que carece de tomada de medidas bilaterais do estado brasileiro e seus vizinhos. É um problema complexo e que não vai ser solucionado apenas com medidas repressivas de polícia, necessita de respostas complexas, atacando algumas das raízes como a disponibilidade de mão-de-obra, a legislação conflitante, o aperfeiçoamento da cooperação internacional, o investimento em educação e em uma cultura de resistência à atividade criminosa e valorização da segurança pública, entre outras ações.
Não se pode falar em enfrentar a violência nas fronteiras, sem fortalecer os vários ramos da repressão, quais sejam, a retenção de cargas ilícitas, a investigação e consequente prisão de lideranças, o rastreamento dos canais de lavagem de dinheiro, a recuperação de ativos, o enfretamento à corrupção de agentes públicos e a efetiva incapacitação dos criminosos, entre outras ações, mas também do outro lado da gangorra fortalecer as atividades preventivas de ampliação da presença do estado, reformulação da legislação penal brasileira e o tratamento de dependentes, de forma a fazer com o que o território brasileiro seja impróprio para o ingresso de drogas e esses sirvam de fatores dissuasivos para o cometimento de crime, seja pela baixa demanda de consumo interno, seja pela impossibilidade de escoamento ao mercado consumidor europeu ou africano, seja pela alta probabilidade de que uma vez preso seja efetivamente sancionado pelo estado.