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Pesquisadores defendem uso do “boi bombeiro” no combate aos incêndios no Pantanal

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Estudo aponta que manejo integrado da pecuária é uma solução estratégica complementar na prevenção de queimadas

Balé do gado segue ciclo das águas no Pantanal (FOTO – EDEMIR RODRIGUES)
Por Agência 24h

Depois de 13% do Pantanal ser consumido pelos incêndios, está de volta uma expressão criada há 40 anos – o “boi bombeiro”, numa referência ao papel da pecuária extensiva na prevenção às queimadas no bioma. Equipe de oito pesquisadores divulgou documento em que defendem o manejo integrado da pecuária como solução “complementar” na prevenção de queimadas.

O documento relata, com base em informações da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), que “nos últimos meses, os incêndios em Mato Grosso do Sul causaram graves danos ao agronegócio do estado, resultando em perdas estimadas em R$ 12 bilhões”. Diante desse impacto econômico e dos grandes danos ambientais, segundo os pesquisadores, há que se considerar o papel do “boi bombeiro”.

Nessa temporada de incêndios, segundo a Famasul, as áreas mais afetadas incluem a pecuária de corte, o setor sucroenergético e a silvicultura, “que são pilares fundamentais da economia local”. Entre junho e agosto, mais de 500 propriedades rurais foram afetadas,  sobretudo nas regiões do Pantanal. O Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ (Lasa-UFRJ) calcula que em torno de 13% do bioma foram consumidos pelos incêndios.  As estimativas de impacto econômico foram feitas com base em mapeamentos de focos de calor e na receita gerada por hectare, sendo que as pastagens, plantações de cana-de-açúcar e áreas de eucalipto foram as mais prejudicadas.

O estudo que sugere considerar o papel do “boi bombeiro” foi divulgado pelo Centro de Inteligência da Carne Bovina, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e é assinado pelos pesquisadores Urbano Gomes Pinto de Abreu (Embrapa Pantanal), Gelson Luís Dias Feijó, Guilherme Cunha Malafaia,  Luiz Orcírio Fialho de Oliveira e Paulo Henrique Nogueira Biscola (Embrapa Gado de Corte), Sergio Raposo de Medeiros (Embrapa Pecuária Sudeste), Vinícius do Nascimento Lampert (Embrapa Pecuária Sul) e Arnildo Pott (UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

Segundo os especialistas, “o manejo do gado é utilizado como ferramenta natural para o controle da biomassa vegetal, reduzindo o acúmulo de material combustível nas áreas mais vulneráveis”.

Mas, afinal, o “boi bombeiro” apaga fogo?

Para essa pergunta os pesquisadores ressalvam que não é uma ação direta e sim uma contribuição “complementar” a outras ações de prevenção às queimadas. O “boi bombeiro”, segundo os pesquisadores, “realiza um serviço ecossistêmico fundamental de prevenção”.

A expressão “boi bombeiro” surgiu “com base em um experimento realizado na Fazenda Nhumirim, da Embrapa, em uma área de 600 hectares fechada ao gado. Em apenas um ano, as gramíneas baixas foram abafadas por capins altos, e no quarto ano ocorreu um incêndio que atingiu as copas das árvores, enquanto em volta da área não houve fogo. Essa observação levou os peões à conclusão de que o fogo havia sido causado por um raio seco, fenômeno bem conhecido na região pantaneira, no qual o raio ocorre sem haver chuva”.

Pastejo antes da seca

“Ao combinar o pastejo com a queima prescrita de gramíneas não consumidas, como capim carona, “rabo de burro” e “fura-bucho”, o gado contribui para prevenir o acúmulo de palha combustível. Paradoxalmente, as áreas onde há mais inundações tendem a ter mais queimadas, pois nelas não há gado, e a matéria orgânica se acumula nos anos de cheia, favorecendo o “fogo de chão”, que ocorre abaixo da superfície devido ao alto teor de húmus no solo. O “boi bombeiro” deve agir antes da seca, durante o período de crescimento rápido do capim, ou seja, na época das chuvas. Nesse momento, é necessário controlar o excesso de massa vegetal, que, se não for consumida, se transformará em palha e, eventualmente, em combustível para incêndios”.

O documento destaca que “em resposta a essa crise, a Famasul lançou o programa “SuperAção Pantanal”, que visa oferecer suporte e alternativas para a recuperação dos produtores rurais, minimizando os impactos produtivos e reduzindo os prejuízos dos pantaneiros. Embora o programa ofereça suporte importante, os danos à infraestrutura das propriedades ainda não foram totalmente contabilizados”.

  • Nesse contexto, o conceito do “boi bombeiro” surge como uma solução estratégica complementar, desempenhando um papel crucial na prevenção de queimadas.

O manejo do gado é utilizado como ferramenta natural para o controle da biomassa vegetal, reduzindo o acúmulo de material combustível nas áreas mais vulneráveis.

Para entender a ação do pastejo, os pesquisadores notam que o processo é simples: o consumo de material vegetal pelos herbívoros reduz a massa disponível, enquanto o material não consumido permanece no ambiente para ser decomposto ou queimado.

“Os bovinos, como grandes herbívoros, têm excelente capacidade de consumo, o que os torna muito úteis para o equilíbrio do ecossistema. Essa sinergia entre o pastoreio de gado e o manejo de incêndios pode ser especialmente benéfica no Pantanal, onde o ecossistema é vulnerável tanto aos incêndios quanto aos impactos das mudanças climáticas”.

Redução da carga de biomassa

Os especialistas lembram que desde 2000, a Embrapa Pantanal tem contribuído com documentos técnicos que regulamentam o uso da queima controlada em áreas de campo nativo. “O uso do gado como ferramenta de manejo de incêndios no Pantanal representa uma abordagem promissora para reduzir o risco de queimadas e, ao mesmo tempo, fortalecer a pecuária na região, gerando emprego e renda. Ao aproveitar os comportamentos naturais do gado, os produtores pantaneiros podem reduzir efetivamente as cargas de biomassa, aumentar a biodiversidade por meio de maior área de pastagens para fauna campestre e melhorar a resiliência dos ecossistemas frente aos incêndios”.

O estudo aponta que o Pantanal possui variados ambientes de pastoreio, mas a maioria das forragens não é intensamente consumida. Um levantamento sobre a dieta de bovinos na Fazenda Nhumirim mostrou que, apesar da existência de 286 espécies de forragem, apenas 9 espécies preferidas representavam 70% da dieta dos animais. “Em áreas onde predominam as forrageiras preferidas, o manejo do pastejo é um fator importante para a redução da massa vegetal. Por outro lado, em regiões com grande presença de forrageiras pouco consumidas, é necessário combinar o pastejo com outras práticas de controle do excesso de massa, como roçadas e queima controlada”.

“A suplementação proteica pode melhorar a digestibilidade de forrageiras com baixos teores de proteína, aumentando o consumo individual dos bovinos e auxiliando na redução da massa de forragem. Um estudo na Fazenda São Bento do Abobral estimou uma produção de 12.577 kg de matéria seca (MS) por ano para campos de B. humidícola e 6.138 kg para pastagens nativas, com uma taxa média de acúmulo diário de 25,64 kg de MS. Esses dados indicam que, em modelos de pastejo nas paisagens pantaneiras, o manejo adequado pode contribuir significativamente para a redução da carga de biomassa”.

“Estudos realizados na América do Norte antes da colonização europeia mostraram que a interação entre o fogo e o pastejo, promovida pelos bisões, levou a mudanças significativas na estrutura e função das pastagens, criando um mosaico de diferentes padrões de uso. A aplicação do manejo de queimadas controladas, aliada ao pastejo dinâmico, pode ser valiosa tanto para a produção pecuária quanto para a conservação de habitats de vida selvagem”.

Os especialistas concluem que “as práticas de manejo integrado, como o uso do “boi bombeiro”, combinadas a iniciativas de apoio como o programa “SuperAção Pantanal”, evidenciam a importância de soluções sustentáveis e colaborativas para mitigar os impactos dos incêndios no Pantanal. O agronegócio do Mato Grosso do Sul, essencial para a economia local, depende de ações que conciliem a preservação ambiental com a viabilidade produtiva, visando tanto a recuperação das áreas afetadas quanto a prevenção de futuras catástrofes. A sinergia entre o manejo de pastagens, a redução da biomassa e o suporte aos produtores reforça a necessidade de estratégias integradas para garantir a resiliência do bioma e a sustentabilidade do setor”

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