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Literatura expõe a indignação. Contos retratam morte literal da natureza

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Nos quatro cantos, ganha voz a indignação. Primeiro pela ação humana focada na destruição e, segundo, a falta de proteção e conservação da biodiversidade.

Em dois contos publicados no portal BUG LATINO a contista Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV, e a professora e jornalista Ana Santos, expõem a deliberada ação do homem para enforcar a natureza. O que ficou mais evidente depois que constatou-se que o Pantanal está sendo queimado de forma criminosa.

O conto “300 GRAUS NO PANTANAL” é ilustrado com imagem de escultura da artista plástica Tomie Ohtake, uma das principais representantes do abstracionismo informal. Nascida em  21 de novembro de 1913, na cidade japonesa de Quioto, faleceu em 21 de fevereiro de 2015, em São Paulo. 

A escultura traz a forma de um laço vermelho, que simboliza solidariedade aos que são vítimas fatais de doença incurável, o que parece ser o comportamento do homem diante da natureza.

A escultura é um dos monumentos do Paço Municipal de Campo Grande, centro de comando da capital de Mato Grosso do Sul, onde está dois terços do Pantanal. O bioma estaria, segundo previsões apontadas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com sentença de morte até 2050.

LEIA:

“300 GRAUS NO PANTANAL” 

Por Ana Ribeiro*

Olhava espantada se perguntando como as pessoas poderiam trocar tão rápido o senso de certo e errado por dinheiro…

– Por “300 real “eu meto fogo “nos mato”, “nas floresta”, em qualquer lugar!
– Então qualquer fazendeiro pode destruir o País pagando essa ninharia, veja você…
De uma maneira rápida, um dono de terra rico teria dinheiro para pagar inúmeras pessoas.
Tomie Ohtake

Mas, queimar não bastava. Por toda parte se viam pessoas respirando mal, muito mal, mas não se via nenhuma campanha dizendo o que se devia fazer diante disso. Como impedir que seu filho ou conhecido caia nessa de se tornar criminoso por uma ninharia era algo a se falar porque no interior honra e palavra são coisas muito importantes.

Na verdade, se falava que havia gente metendo fogo, mas só isso, sem apontar para a gravidade da situação, do crime ambiental, dos anos de cadeia, das investigações.
– Isso está assim porque parece que mostrar o crime não é importante. Principalmente o mandante do crime, claro. Mas uma coisa é clara: fogo queima floresta, fauna e flora, mas se o vento muda, queima pasto, vaca, soja e fazenda… Fogo queima esperança de viver num lugar onde todos podem respirar.
Olhou o céu. Vermelho. Lembrou das onças, pacas, jacarés, pássaros, gente, terra, natureza. Num instante, numa labareda nascida de um “trocado de fazendeiro”, ela viu sua terra e seu ar se transformarem naquele vermelhão, na quentura sem fim, na falta de ar, no chão preto, morto, filhotes mortos, terra morta, tudo acabado naquela quentura propositalmente desumana.
– O que a gente vai fazer?
Não sabia se chorava pela poeira quente ou se a perda sem fim, o cansaço, a tinham entristecido daquela forma tão… concreta.
De repente, um assobio.
– Oi!
– Chegou um avião da “’capitá”, a senhora quer ir junto pegar água da lagoa?
Enxugou os olhos. O Vermelhão ali na sua frente e a coragem de seguir novinha em folha de novo. O beija-flor ia jogar sua gotinha naquele vermelhão sem fim.
Foi.
(*) Ana Ribeiro é diretora de cinema, teatro e TV 

***

“Meu querido país”

Por Ana Santos*

Dois caras, sentados um do lado do outro, fazem uma viagem de trem, de Viana do Castelo para Barroselas, em Portugal. Não se conhecem. De repente, começam uma conversa.

– Que noite maravilhosa a de hoje, não acha?
– Concordo. Está uma noite linda.
– O meu país é maravilhoso.
– Acredito que sim. O meu também. Mas porque diz isso?
– Porque no meu país nunca está muito frio, quando está frio e nunca está muito calor, quando está calor.
– Que legal. No meu país era assim, mas agora o calor é cada vez mais insuportável.
– Bom, no meu país temos uns incêndios de vez em quando mas nada de muito preocupante.
– O meu país era assim mas atualmente já é a segunda vez que o calor e “mãos criminosas” provocam incêndios com destruição de casas e morte de seres humanos. Pessoas idosas que sempre viveram vidas tranquilas, sem problemas deste tipo durante toda a sua vida e de repente o fim de forma triste e trágica. Estou bastante preocupado, triste, sofrido com tudo isto.
– Lamento muito por si e pelo seu país. Realmente sou uma pessoa com sorte. Sabe que no meu país nunca acontecem aqueles ataques de tiros ou de facadas em escolas ou no meio da rua. É um alívio enorme.
– Eu gostava de poder dizer o mesmo do meu país. Na verdade era assim, mas agora estão a acontecer coisas bem estranhas como um ataque de faca por um jovem, numa escola de uma zona que foi sempre tranquila. O nosso país está deixando de ser tranquilo. Estou assustado.
– Meu Deus! Puxa, isso é muito preocupante. Lamento muito por você. Espero que o meu país se mantenha sempre como até agora. Mas amigo, de qualquer forma nem tudo é perfeito no meu país. Por exemplo: nunca acontecem espetáculos de música com cantores ou artistas famosos. Tenho sempre de ir ao país vizinho ou a outros países para poder assistir a shows espetaculares.
– Bom aí posso dizer que no meu país era assim também, mas de repente, tudo mudou e nos últimos anos temos shows, espetáculos, festivais, com os melhores artistas do mundo. Isso mesmo. Do mundo. E enchem, lotam, esgotam, quem não vai parece que nem é considerado gente. É espantoso e super estranho porque somos um pequeno país, empobrecido, mas repleto de formas para gastar dinheiro, muito dinheiro, de forma que podemos até considerar fútil.
– Os nossos países são tão diferentes, não é? Mas são os dois empobrecidos e pequenos. Que curioso.
– Pois é. Aceita fazer uma brincadeira?
– Aceito.
– Quando eu disser três, dizemos ao mesmo tempo o nome do nosso país?
– Ahahah… Sério? Por quê isso?
– Para nenhum ficar com vergonha de dizer o seu país depois.
– Amigo, vocês têm umas brincadeiras bastante estranhas, mas vamos lá. Ok, tudo bem.
Vamos lá então. Um… dois… três…
E os dois, ao mesmo tempo, disseram:
– Portugal
– Portugal

(*) Ana Santos é professora e jornalista

***

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