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Ciência já sabe como tornar as cidades sustentáveis, mas iniciativas esbarram na questão política

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Avaliação foi feita por participantes de debate realizado na Alesp, no âmbito do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação

Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP

As cidades têm um papel central no combate às mudanças climáticas globais. Além de serem grandes emissoras de gases de efeitos estufa, é no contexto urbano que eventos climáticos extremos – como inundações, estiagens ou calor excessivo – tendem a impactar um maior número de pessoas. Porém, embora os desafios da sustentabilidade urbana envolvam ciência, tecnologia e inovação, é na implementação política onde se encontra o maior obstáculo.

Foi o que mostraram especialistas em sustentabilidade urbana durante debate realizado em 5 de agosto, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), no âmbito do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação. O evento foi transmitido on-line pela Agência FAPESP.

“Vivemos um momento desafiador e é importante ter a consciência de que precisamos de uma transição de modelo de desenvolvimento. O atual é extremamente predador ao ambiente e desconsidera as desigualdades sociais. Nós temos ferramentas suficientes para enfrentar as questões. O conhecimento e a ciência têm capacidade para enfrentar isso, mas não avançamos por questões políticas. As soluções existem, mas seguimos com os mesmos problemas por questões políticas”, disse Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Cidades Sustentáveis.

Segundo Abrahão, as grandes cidades pretendem se tornar lugares em que os cidadãos consigam se deslocar até o trabalho ou para algum serviço em no máximo 15 ou 30 minutos. E que tenham oferta de saúde, segurança, educação, mobilidade e habitação de forma descentralizada. “A ciência nos mostra e sabemos o que é melhor para cada um desses itens, pelo menos para iniciar processos, mas não temos feito essa mudança estruturante”, completou.

A partir de dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da metodologia do Sustainable Development Solutions Network (SDSN), o Instituto Cidades Sustentáveis desenvolveu o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR), ferramenta que busca identificar os desafios e os avanços das cidades brasileiras a partir de cem indicadores de bases públicas.

Além da pontuação e da classificação de cada cidade, o índice também apresenta os Painéis ODS, que fornecem uma representação visual do desempenho – o nível de desenvolvimento – dos municípios nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que compõem a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Com isso, o Brasil é o único país do mundo a acompanhar a evolução de todas as suas cidades nos 17 ODS”, destacou.

Abrahão afirma, no entanto, que um levantamento recente, realizado com os cerca de 200 países que se comprometeram com essa agenda, mostrou que o avanço foi de apenas 20%, se tanto. No Brasil o avanço também está baixo do desejado, de acordo com o IDSC-BR. “Sete em cada dez cidades brasileiras têm nível de desenvolvimento sustentável baixo ou muito baixo”, disse.

Das cem piores cidades, 83 estão na Amazônia. “Como vamos enfrentar o problema de desmatamento se não conseguirmos resolver a questão das cidades, produzindo renda e oferecendo educação e saúde? Sem isso, as pessoas vão trabalhar na ilegalidade”, sublinhou.

A partir desse índice, afirmou Abrahão, é possível fazer análises interessantes sobre a situação das cidades brasileiras e a dificuldade de avançar em sustentabilidade por causa de questões políticas.

É o caso das cidades gaúchas, que sofreram grandes inundações em maio deste ano, com mais de 2 milhões de pessoas afetadas e quase 80 mil desabrigadas. A partir dos mapas do IDSC-BR, é possível observar, por exemplo, uma relação entre os municípios afetados e o não cumprimento da gestão e prevenção de risco climático. “Entre as 497 cidades gaúchas, 476 não tinham implementado nem a metade de um conjunto de 20 ações e planos de prevenção que poderiam amenizar os impactos provocados pelas chuvas”, relatou.

Abordagem sistêmica

Professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Karin Regina de Castro Marins defendeu que o planejamento na gestão urbana necessita de instrumentos e processos adequados a diferentes escalas, não enfocando apenas a cidade como um todo, mas bairros, ruas e lotes.

Entre os exemplos apresentados por Marins está a variedade térmica provocada pelo adensamento no bairro Belenzinho, na zona leste da capital paulista. “O adensamento tem acontecido em vários bairros com estação de metrô. As áreas são ocupadas e ocorre a verticalização perto de edifícios baixos, formando diferenças de temperatura superficial de até 13°C. Em vários casos, uma quadra fica na sombra o tempo todo, enquanto a outra toma sol. O resultado são cidades com gradientes térmicos associados à ocupação e não só ao clima, o que impacta a percepção de clima do cidadão”, explicou.

Para Marins, além de levar em conta escalas menores como bairros e lotes, o planejamento urbano precisa de uma abordagem sistêmica.

“Mais de 80% das emissões da cidade de São Paulo estão associadas ao transporte. Por isso, estimular o transporte público é tão importante, mas não há uma integração entre políticas de segurança e mobilidade urbana, por exemplo. Precisamos lembrar que as pessoas caminham até o transporte público e, se não há segurança para isso, não vamos conseguir atingir a meta da Agenda 2030”, disse.

“Percebemos, portanto, que as políticas públicas acabam tendo um detalhamento pequeno, ou existe uma dificuldade de implementação. São Paulo é uma cidade extremamente rica, com estrutura, mas existe uma dificuldade de implementação. Há, inclusive, incompatibilidade para se trabalhar entre diferentes setores em ações interdisciplinares – como, por exemplo, segurança e mobilidade – dentro da gestão pública”, avaliou.

Ainda no campo da abordagem sistêmica, José Antônio Puppim de Oliveira, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp-FGV), ressaltou que várias políticas de saúde são políticas de sustentabilidade. “Como, por exemplo, fazer as pessoas andarem [a pé]. A ciência já mostrou que trabalhar a intersetorialidade traz cobenefícios”, apontou.

“Por isso é importante trabalhar com as secretarias que têm os maiores orçamentos, como saúde e educação. Mas é preciso fazer uma análise do que chamamos de capacity and capability, ou seja, uma secretaria pode ser capaz, mas não ter recursos suficientes para a realização de uma ação ou projeto. No caso do Brasil, muitas vezes, é o contrário: há o recurso, mas falta capacidade”, afirmou Puppim.

O grupo coordenado por Puppim lançou recentemente o Guia de Infraestrutura Verde e Azul, com o passo a passo para tornar cidades sustentáveis (leia mais em: agencia.fapesp.br/40644).

A publicação segue uma abordagem conhecida como nexo água-energia-alimentos. De acordo com essa lógica, o crescimento desordenado das cidades, as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade podem gerar insegurança alimentar e escassez de água e energia, uma vez que o consumo desses três elementos vai aumentar nas próximas décadas, principalmente em cidades.

O trabalho teve como ponto de partida a curiosidade sobre como as cidades inovam e aprendem. Nesse sentido, o grupo trabalhou com 82 cidades, numa espécie de varredura global, para entender como está sendo dada a transformação nos diferentes locais.

“Atualmente, existe uma abundância de dados que são fundamentais para a formulação de políticas públicas e para que a população cobre por mais ações. No entanto, é preciso melhorar a gestão. Porque o que vemos hoje é que ter as informações não necessariamente garante que as decisões políticas sejam tomadas”, disse Puppim.

O evento teve ainda a presença de Natacha Jones, diretora-executiva do Instituto do Legislativo Paulista (ILP), e de Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP.

Legenda da imagem do destaque: José Antonio Puppim de Oliveira, Karin Regina de Castro Marins, Carlos Américo Pacheco e Jorge Abrahão (foto: Maria Fernanda Ziegler/Agência FAPESP)

O debate na íntegra pode ser conferido em: www.youtube.com/watch?v=3Jfx21ytXTg.

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